terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Soou a Hora!

6 de Junho de 1975
6 de Junho de 1976

Bruno Carreiro à minha esquerda,

José de Almeida à direita.

À nossa frente muita gente.
Estamos no campo sagrado de S. Joaquim, em Ponta Delgada. O presente e o passado, ali, conjugam-se sem dificuldade. O que eu digo por sobre as bandeiras é um grito d' alma. O que as flores pretendem dizer é a voz da natureza. O silêncio sepulcral é o sussurro da História.

À MINHA TERRA À MINHA PÁTRIA

AÇOREANOS!

Soou a hora derradeira para a nossa escravidão.

A libertação está próxima e já o seu suave encanto brilha em nossas almas.

Temos de expulsar o demónio da cobardia, para sempre, das nossas vidas.

Que nunca mais, para nunca ser, o nosso Povo torne a sofrer impunemente a ignomínia da grilheta do condenado.

Inconformemo-nos com a nossa sorte e condição. O tempo dos servos tem de acabar também para nós.

Substituíram o chicote pela lei iníqua e a escravatura pela exploração insidiosa.

Erguei-vos porém e, de cabeça levantada, havemos de tornar-nos homens livres, para que seja santa a nossa solidão de eternos cavaleiros do mar; para que seja solene o nosso silêncio contemplativo; para que seja sagrado o nosso imparável espírito de aventura.

Na ordem e na liberdade construiremos um mundo novo num País novo.

1.Estão neste Campo Sagrado as cinzas dos primeiros operários da obra que nos está agora confiada.

Onde está a honra dos que vacilam em segui-los?

Onde está a coragem dos que se envergonham de imitá-los?

Onde está a lealdade dos que se ufanam em atraiçoá-los?

Mães açorianas que me escutais, que os vossos filhos possam dormir neste chão fatal com a glória de terem servido o POVO AÇOREANO!

Jovem açoriano põe o teu braço ao serviço da tua Pátria. Não o deixes vergar em tempo algum e em nenhuma parte.

Onde estiver um açoriano aí está a ditosa Pátria nossa amada, filha de Portugal, Mãe Pátria, que t a n t a s vezes nos não quer compreender.

Portugal, acorda! Emancipaste os teus outros filhos. Desfizeste a tua casa. Agora liberta este que de ti herdou o orgulho de ser livre.

Não o faças teu escravo que nós somos sangue do teu sangue, carne da tua carne.

Não ouves o choro plangente que sai do nosso peito? Não acodes à súplica pacífica que ordeiramente te fazemos?

Porque haveríamos de sujar as nossas mãos com gestos parricidas e sacrílegos se nós te amamos afinal?

Que mais preferes: um escravo obediente ou um filho livre e amigo?

Liberta-nos Portugal!

Não mandes mais ninguém de tão longe para nos governar. Para que havemos de sofrer os arbítrios de ambiciosos ou as prepotências de oportunistas?

Que ganhas com isso Mãe - Pátria?

Para que queres que os teus algozes cobardemente e pela calada da noite nos prendam nas nossas próprias casas?

Pensarás talvez que tão grande e inulta afronta ficará impune? Que nos deixaremos ficar enxovalhados e algemados sem nos revoltarmos?

Pensas que esquecemos que somos de estirpe de gente livre e que livres pretendemos viver?

2. E aos estrangeiros que se acoitam no nosso território para dele fazerem poiso para voos guerreiros contra povos que não são nossos inimigos queremos dizer-lhes que basta. Que ganhamos nós com isso? Quem nos compensa pelo grave risco que os seus interesses egoístas nos fazem correr? E para quê corrê-los? Acaso alguma vez nos ajudaram? Houve algum gesto? Alguma voz sequer se levantou a interceder por nós, quando o governo de Lisboa inspirado de leste nos fazia sofrer por nos julgar comprometidos com esses falsos amigos?

Se na adversidade se conhecem aqueles que de facto estão por nós, agora sabemos pelo menos com quem não contamos.

E se assim é, limpem-nos a casa que a queremos só para nós. Vão-se embora que aliados desses podemos muito bem passar sem eles.

Aliás nunca nos enganaram não julguem.

Os nossos emigrantes, esses sim, são nossos irmãos de carne e de ideal. Vivem connosco, na nostalgia do afastamento, o ritmo da Pátria que nesta hora histórica eles ajudam a construir.

Nós não ignoraremos os sacrifícios sem conto que padeceram para buscar um conforto material e uma dignidade que em casa não tem sido possível conseguir.

Nós não olhamos para eles como quem vê fábricas de dinheiro para gastar. Se nos ajudarem, muito bem, mas se, atentas as desconsiderações que sofreram e os vexames a que sistematicamente os votam, compreendemos perfeitamente que suspendam essa ajuda até saberem quem é que estão ajudando e até que possam ter a certeza que em sua terra também têm voz activa. Tanto quanto os outros ou mais. Porque aquilo é o seu trabalho, o seu ganho e o seu sacrifício. Ninguém os poderá usurpar.

3.Mas há aqueles também que não queremos deixar sem resposta que pretendem amarrar-nos a conceitos abstractos de integridades tardias,

Íntegro era o Império; grande era o Mundo Lusíada e esse sim, é imorta1, por maiores heresias que sofra por parte de pseudo patriotas que, tendo falhado na espada contra o inimigo, querem cobardemente vingar-se nos filhos indefesos.

Parecem D. Sebastião que tivesse sobrevivido ao mais desgraçado Alcácer Quibir da história dos Lusitanos e quisesse esconder o amargo da derrota no castigo de inocentes. Hipócritas! Como podeis agora pronunciar a palavra Pátria sem corar? De vergonha! Como podeis falar de integridade real se vos falta a integridade moral?

4.Qual é o nosso futuro? Que vida nos espera?

Primeiro temos de conciliar a Família Açoriana; qualquer açoriano de qualquer credo, esteja onde estiver, é nosso irmão.

Os nossos adversários não descansam e por isso é natural que lancem campanhas para nos desunir.

Eles atiram o rico contra o pobre, o micaelense contra o terceirense, o trabalhador desta arte contra o daquela outra. O residente contra o emigrante, o socialista contra o social-democrata, este contra o democrata cristão.

Eles infiltram-se entre nós, escutam as nossas conversas, usam-nas contra nós.

Publicam jornais e subsidiam jornalistas aqui e na América e no Canadá para que escrevam contra figuras conhecidas dos nossos movimentos, para os enfraquecer.

Eles fazem ameaças veladas, eles prometem este mundo e o outro e tudo para nos manter divididos para que reinem e nos explorem descansadamente.

Eles mentem sobre as nossas possibilidades. Depois de deixarem a nossa administração no caos em que ela se encontra, acusam-nos de nos não sabermos governar.

Mas isto não é terra de incultos que se enganem com patranhas e ameaças. Aqui não têm guerra a fazer ou ocupação a organizar.
E, não obstante, é por tudo isso que compreendo que haja açorianos bem intencionados que durante algum tempo militem contra os Açores.

Mas a nossa persistência e o mantermo-nos sempre dentro da razão, há-de mostrar-lhes o verdadeiro caminho. Quem tem razão tem muita força e quem a usa em sua casa é invencível.

É preciso congraçar a família açoriana; não mais irmãos contra irmãos, ou pais contra filhos. Unidos venceremos.

5. Eu compreendo aqueles que juraram solenemente servir o Portugal-Maior. Mas é tempo de verem que o Império que os nossos avós construíam já acabou, e talvez não tenha sido nossa a culpa.

Se temos que viver o presente, sem atraiçoar o passado e preparando o futuro, então temos que fazer uma análise serena e objectiva da nossa presente situação.

Um Estado é um Povo, um território e um governo.

Nós somos um Estado.

Os Estados não têm sentimentos, como as pessoas; eles têm interesses. Se temos interesses há que defendê-los, pois se o não fizermos alguém o fará por nós, mas contra nós, provavelmente.

E qual é o nosso interesse como Estado em potência? O interesse é o bem-estar e progresso social. Como consegui-lo? Para tanto há que fazer terminar toda e qualquer situação de exploração e colonialismo.

Há que purificar as instituições e torná-las em meros instrumentos da nossa vontade colectiva.

Só quando nós açorianos conseguirmos ser os únicos donos do que é nosso, só então nos poderemos considerar livres.

E não seremos livres enquanto nos ocuparem vasos de guerra em missão de soberania. Pois não nos venham dizer que eles estão aí para levar medicamentos a ilhas isoladas ou para defender os nossos mares de pescadores furtivos, já que conhecemos meios muito mais baratos e mais eficazes de conseguir uma coisa e outra.

Esses canhões flutuantes farão mais falta postados nas costas do Algarve ou do Minho do que aqui. A não ser que a sua verdadeira missão seja a de ameaça aos açorianos, tipo fiscais de impostos que nós pagamos sem contrapartida. Nessa altura a nossa resposta será outra completamente diferente, pois me não parece conciliável uma declaração de igualdade seguida de tratamento desigual. E, não obstante, nós somos diferentes e temos capacidade de permanecer diferentes.

Unidos os açorianos por uma consciencialização profunda e duradoura e pela extirpação de elementos exógenos que perturbam o nosso equilíbrio sócio económico, haveremos de dar um passo mais em frente. Refiro-me à purificação e libertação das instituições.

Na verdade os partidos continentais portugueses não servem os açorianos nem servem para os açorianos.

E a nossa vivência democrática está globalmente comprometida se a nossa actividade política tiver de fazer-se através do filtro dos partidos portugueses

Como o estará também se apenas um partido com sede aqui puder ter (se tiver) existência.

As leis fizeram-se para servir os homens, e não estes para servir as leis. E quer-me parecer que a constituição socialista que nos foi imposta, ao proibir apressada e acintosamente os partidos regionais (que a liberal Inglaterra permite, por exemplo), quis evitar que nos manifestássemos livremente, o que, penso, não poderá ser fonte de paz e de sossego.

Só quando os políticos açorianos puderem apresentar-se livremente ao eleitorado através de partidos seus é que consideraremos legítimas as autoridades nascidas de eleições nossas.

E só então serão legítimas as medidas económicas por elas tomadas.

Até lá, tudo o que for decidido em economia e noutros sectores vitais é da exclusiva competência e responsabilidade de quem abusivamente se diz nosso representante.

Se politicamente aspiramos a uma democracia livre, não orientada para duvidosos socialismos e, consequentemente, pura e genuína, no campo económico também aspiramos à liberdade.

Se ao Estado vier a competir o zelo dos interesses gerais, como comunicações, saúde básica, etc., no mais, a iniciativa privada deve ter o seu natural desenvolvimento para não cairmos no regime das mediocridades sociais.

Uma iniciativa que pague o seu tributo certo ao Estado. Mas uma iniciativa livre como a Pátria que queremos consagrar.

6. AÇORIANOS

Os obreiros do início da emancipação açoriana contemplam-nos do seu mundo misterioso e que maior homenagem pode fazer-lhes do que mostrarmos a nós próprios que essa obra não se encontra parada? Que nós somos dignos de continuá-la e aperfeiçoá-la?

E que homens há que ainda agora tiram devidas ilacções das premissas do passado. Por isso vos peço que olheis para um Homem que hoje e aqui simboliza a nossa luta[1]. Ele foi em nome do ideal levar a Mensagem aos nossos irmãos dispersos pelo Mundo. Ele empolgou-os e deu-lhes uma razão para viver e um sentido à existência.

Pelo ideal perdeu o emprego e arriscou a liberdade e os nossos adversários contra ele assestaram as suas armas.

Lembrando os mortos quero prestar homenagem aos vivos. E esse homem que tudo sacrificou para que as nossas vidas pudessem ter um significado e no nosso futuro possa brilhar a estrela da Esperança, nós diremos : o teu sacrifício não será em vão.

Ergueremos as nossas vozes e oporemos uma barreira invencível para além da qual só existirá Fraternidade, Liberdade e Amizade.

Não nos intimidarão as ameaças venham elas donde vierem. Não vacilará o nosso alento. Não descansaremos enquanto a Vitória não for nossa!

Perante estes túmulos sagrados, face a estas sentinelas eternas da nossa História, eu pergunto-vos:

AÇOREANOS:

- JURAIS DEFENDER ESTA TERRA ATEÉ AO VOSSO ÚLTIMO ALENTO?

- JURAIS OU NÃO PELA ALMA DOS VOSSOS IGREJOS ANTEPASSADOS QUE DAREIS A VOSSA VIDA PELA LIBERTAÇÃO DESTA TERRA?

- JURAIS OU NÃO QUE O VOSSO ESPÍRITO NÃO CONHECERÁ DESCANSO E O VOSSO CORPO NÃO CONHECERÁ CANSAÇO ENQUANTO NÃO FORMOS VERDADEIRAMENTE LIVRES?

Seis de Junho de 1976




[1] O orador referia-se ao Dr. JOSÉ DE ALMEIDA.

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