quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Dependência

O sucesso espectacular e indiscutível da reunião da NATO em Lisboa, elevou o prestígio internacional de José Sócrates e de Portugal a um tal nível que só um ódio irracional impede certas pessoas de o reconhecer. Eis porém que as negociações sobre Lages ficam congeladas. Sabendo-se que os USA se encontram em grave crise financeira, até se percebe que eles não queiram conversas pois é de admitir que Lisboa esteja interessada em dinheiro. Só que, nós, Povo Açoriano, o único que corre o risco da existência da Base, não queremos dinheiro. Queremos outras coisas. Queremos que recebam e integrem com a dupla cidadania a que por direito natural têm direito, os repatriados que injustamente nos enviaram depois de deixarem estragar a gente sã que receberam. Queremos que nos enviem professores que ensinem aos futuros emigrantes a língua, o direito, a economia e os costumes da terra para onde continuarão a ir. Queremos que os esperem nos aeroportos os oficiais da emigração americana, para os encaminhar para os lugares certos, para que não fiquem ali apavorados em terra estranha, vítimas fáceis dos escroques que os levam a trabalhar sem seguros, sem direitos e sem defesa para sabe-se lá onde são explorados durante tempos sem fim até que percebam o que lhes está a acontecer. Queremos que legalizem automaticamente todos os açorianos ilegais há mais de 5 anos, permitindo-lhes existência legal, deixando de ser foragidos na terra da promissão, no terror de que os oficiais da emigração os descubram e os livrem de sequestradores sem escrúpulos que os chantageiam e exploram. Somos dependentes porque os outros usam a nossa independência (José de Almeida) mas exigimos justiça que entre os nossos “tutores” pode haver alguém clarividente que nos dê razão com medo do juízo da história.
Carlos Melo Bento
24XI2010

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Discurso do Embaixador Manuel Pracana Martins


APRESENTAÇÃO DO IV VOLUME DA «HISTÓRIA DOS AÇORES 1935-1974», DA AUTORIA DE CARLOS MELO BENTO, NO «SOLAR DO CONDE», CAPELAS, SÃO MIGUEL, AÇORES, EM 5 DE OUTUBRO DE 2010.

Considero uma honra estar hoje aqui para apresentar o quarto volume da história dos Açores da autoria do Dr. Carlos Melo Bento, a quem me encontro ligado por uma antiga e sólida amizade e por um sentimento de admiração pela sua personalidade multifacetada de jurista, investigador, professor, publicista e cidadão com relevantes serviços prestados à comunidade, que lhe valeram a atribuição pela Assembleia Legislativa Regional dos Açores da medalha de Mérito Cívico por ocasião das celebrações oficiais do Dia da Região Autónoma dos Açores que tiveram lugar este ano.
Para mim, falar de MB é desfiar um rosário de gratas recordações e episódios marcantes que remontam ao início da década de sessenta do século passado e à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
Quando ali comecei o meu curso MB estava já no 3°ano e tornara-se notado por ser um bom aluno e por participar activamente nas actividades da Associação Académica a cuja direcção tinha sido candidato.
Aproximei-me logo daquele colega e conterrâneo que me acolheu de braços abertos.
A circunstância de ambos frequentarmos a sala de convívio e a cantina da Cidade Universitária fez com que nos passássemos a encontrar todos os dias à hora das refeições que tomávamos na mesma mesa juntamente com colegas açorianos, madeirenses e ultramarinos, formando um grupo que ficou conhecido pelo «grupo dos açorianos» e em que MB naturalmente pontificava com a sua forte personalidade, o seu dom da palavra e o seu enorme sentido de humor.
À medida que o nosso convívio se intensificou, fui conhecendo outras facetas da personalidade do meu amigo de que salientarei a independência de espírito, a força e a sinceridade das suas convicções, a sua grande vocação para o Direito, para ele indissociável da Justiça e da solidariedade, e a paixão pelos Açores. Não escondia, aliás o desígnio de, uma vez terminado o curso, voltar para os Açores e contribuir para o seu progresso e valorização.
Vale a pena lembrar um caso interessante em que a vocação jurídica e a paixão pelos Açores se conjugaram:
Quando MB estava ainda no 2° ano resolveu apresentar na cadeira de direito administrativo, regida pelo Prof. Marcelo Caetano, um trabalho sobre a organização político-administrativa dos Açores, estimulado pela leitura da conferência sobre autonomia que o Dr. José Bruno Carreiro fizera em 1950.
Note-se que os trabalhos escritos não eram obrigatórios e que muitos estudantes, por comodismo ou desinteresse, se dispensavam de os apresentar.
Recordo que não foi só em Direito Administrativo que MB se empenhou em apresentar trabalhos.
Fê-lo também em Direito Processual Civil, no quarto ano, e o seu trabalho foi comentado e elogiado pelo professor Castro Mendes durante o seu exame oral naquela cadeira a que eu tive o privilégio de assistir.
Ainda no contexto da ciência jurídica, lembro-me do enorme prazer que MB sentia em citar de cor alguns pensamentos do grande filósofo do Direito Francesco Carnelutti que viera a Lisboa proferir uma conferência na Faculdade de Direito quando MB estava no primeiro ano.
O cinquentenário da Faculdade ocorre quando MB frequenta o último ano de Direito.
No âmbito das comemorações, os finalistas decidiram organizar uma sessão de cumprimentos ao director, Prof. Raul Ventura, e MB é escolhido para falar em nome dos colegas.
As palavras que proferiu sobre o espírito universitário e a missão da Faculdade impressionaram o director que, ao discursar pouco depois na sessão solene comemorativa daquela efeméride, fez questão de citar uma das passagens da alocução de MB.
Graças à sua capacidade de trabalho e ao seu espírito metódico e disciplinado, MB teve tempo e energia para se dedicar em Lisboa, paralelamente à vida académica, a outras actividades que representam também um marco importante da sua biografia.
Refiro-me àquelas que desenvolveu como sócio e membro da direcção da Casa dos Açores.
Conseguiu então convencer outros colegas a fazerem-se sócios (eu fui um deles) e com eles formou um núcleo de estudantes, orientando algumas actividades de carácter cultural de que recordo a sessão dedicada a Antero de Quental em 1963.
Nessa altura, MB teve a ideia de convidar para orador oficial o seu antigo professor e ilustre anterianista, Dr. Ruy Galvão de Carvalho que, embora impossibilitado de se deslocar a Lisboa, aceitou o convite e enviou à Casa dos Açores, para ser lida naquela cerimónia, uma valiosa comunicação intitulada «Perfil psíquico de Antero».
Em 1964, uma série de abalos sísmicos causou várias mortes e estragos materiais na ilha de S. Jorge e Casa dos Açores esteve no centro da campanha nacional de auxílio às vítimas da catástrofe.
MB, na qualidade de vogal da direcção, foi incansável na colaboração que prestou a todas as iniciativas então tomadas para minorar o sofrimento dos nossos conterrâneos jorgenses.
É neste mesmo ano que MB conclui o seu curso.
Obtido o diploma de licenciatura, ingressa na Magistratura do Ministério Público e é colocado como Delegado do Procurador da República na comarca da Ribeira Grande.
Ali o visitei em 1965 e pude aperceber-me do elevado profissionalismo com que exercia aquelas funções e o prestígio e simpatia de que gozava entre as autoridades e a população.
Um dia tive oportunidade de o acompanhar numa visita à cadeia comarca, de que ele era director por inerência de funções, e testemunhar a especial atenção que dedicava aos reclusos, interessando-se pela história de cada um, pelos trabalhos que executavam na cadeia e providenciando para que lhes fossem asseguradas condições dignas de alojamento e alimentação.
Concluído o período de serviço necessário para se apresentar ao concurso para delegado efectivo, MB é aprovado neste concurso, o que lhe permite inscrever-se na Ordem dos Advogados com dispensa de estágio.
Começa então uma brilhante carreira profissional em que depressa se distingue entre os seus pares.
Em reconhecimento do mérito do seu trabalho na advocacia e dos serviços prestados à Ordem dos Advogados, onde exerceu vários e honrosos cargos, esta distinguiu-o este ano com a Medalha de Honra.
Mas a sua actividade não vai circunscrever-se ao escritório de advogado e às salas dos tribunais.
Com efeito, o interesse pelos problemas políticos e administrativos da sua terra que, como atrás referi, já se tinham manifestado nos seus tempos de estudante levam-no a iniciar uma intervenção cívica que se prolonga até aos dias de hoje, na imprensa, na administração pública (como vereador da câmara municipal de Ponta Delgada), no ensino (como professor na Escola Industrial e Comercial) e como militante e dirigente político.
Interessado em conhecer os EE.UU, o modo de funcionamento das suas instituições e a diáspora açoriana na América, MB visita pela primeira vez aquele país e as nossas comunidades na Nova Inglaterra no final da década de sessenta, conhecendo diversas personalidades luso-americanas em destaque naquela região, onde é entrevistado por alguns órgãos de comunicação social.
Mas em 1967 dá-se um acontecimento importante e decisivo que é a causa remota de nos encontrarmos hoje aqui reunidos.
É nesse ano que volta aos Açores, de que há muito tempo se encontrava afastado, o Dr. Manuel Sousa de Oliveira, professor, investigador e arqueólogo, a quem fora concedida pela Fundação Calouste Gulbenkian uma bolsa para proceder à recolha de peças do teatro popular açoriano e para efectuar prospecções arqueológicas em Vila Franca do Campo, vila a que MB se encontra especialmente ligado por vínculos familiares e profissionais.
Como os bons espíritos se encontram, Manuel Sousa de Oliveira, ao formar a equipa com a qual montou e dinamizou a Estação Arqueológica de Vila Franca do Campo, teve a sorte de encontrar em MB um dos seus principais e entusiásticos colaboradores.
E é interessante registar como duas personalidades com posições ideológicas tão diferentes e até antagónicas, e por isso aparentemente inconciliáveis, se deram as mãos e sentiram profundamente ligados por um objectivo comum: servir a cultura e os Açores.
Foi a amizade com Sousa de Oliveira e o convívio com este, preenchido com debates constantes e discussões por vezes acaloradas mas sempre afectuosas e frutuosas, que trouxeram à superfície e estimularam uma outra vocação de MB- a vocação para a história - e o levaram a lançar-se na grande e arriscada aventura de escrever uma História dos Açores, baseando-se em ensinamentos e orientações recebidas daquele seu amigo em quem também reconhecia um verdadeiro mestre e cujo legado se empenhou em preservar através da Fundação Sousa de Oliveira que foi criada graças à acção benemérita e eficaz de MB que, cuidadosa e pacientemente, nela tem vindo a reunir e a classificar o espólio do Mestre, grande parte do qual que se encontrava disperso por Viana do Castelo, Caldas da Rainha e Lisboa.
Ao falar de MB e de Sousa de Oliveira tenho necessária e gostosamente de evocar Natália Correia porque foi através de Sousa de Oliveira que MB conheceu e se relacionou com a grande poetisa nossa conterrânea e porque os laços de admiração e amizade que com ela manteve lhe proporcionaram um convívio extraordinariamente enriquecedor com uma das personalidades mais fascinantes da nossa cultura, admirada aquém e além-fronteiras.
Devo acrescentar que Natália Correia, por sua vez, não escondia a amizade e a consideração que tinha por MB.
Estou a ouvi-la exclamar no fim de uma discussão que teve com ele no célebre botequim e durante a qual as posições se extremaram e não houve entendimento entre ambos: «Mas eu gosto muito do MB!».
E é MB quem toma a iniciativa de apresentar à comissão municipal de toponímia a proposta para que seja dado o nome de Natália Correia a uma das novas avenidas da cidade de Ponta Delgada.
Como remate de trinta anos de investigação, surge agora o quarto volume da sua História dos Açores, que é também o último, uma vez que MB prefere incluir em livro de memórias o relato dos acontecimentos posteriores à Revolução de 25 de Abril de 1974.
Não tenho formação na área das ciências históricas, pelo que o meu depoimento sobre esta obra é o de um simples leitor interessado em conhecer a História dos Açores sem pretensões a uma análise académica para a qual evidentemente não estou habilitado. Este quarto volume, bastante maior do que os antecedentes, cobre um período de 39 anos, muito rico em acontecimentos nos planos regional, nacional e internacional. No plano internacional, o período em análise abrange a guerra civil de Espanha, a segunda guerra mundial, a nova ordem mundial subsequente a este conflito, a guerra-fria, a criação da NATO e o movimento de integração europeia.
No plano nacional, é o período de crescimento, apogeu e declínio do Estado Novo, abrangendo portanto os trinta e seis anos de governo salazarista e os seis anos finais de governo marcelista.
É durante ele que Portugal concede facilidades nos Açores aos ingleses e aos americanos em luta contra as potências do Eixo, entra em 1949 na Aliança Atlântica devido à importância estratégica dos Açores, ingressa em 1955 na ONU e é confrontado com o movimento de emancipação dos territórios coloniais que atinge sucessivamente o Estado da Índia, Angola, Guiné e Moçambique.
MB traça um panorama geral da vida açoriana durante aquele período e aponta alguns dos condicionamentos que lhe são impostos pela política do governo da República e pela evolução da conjuntura internacional.
Julgo que nenhum sector de actividade escapou à sua atenção e deixou de ser mencionado nesta obra: agricultura, pecuária, pescas, indústria, energia, turismo, saúde, assistência social, emigração, ensino, obras públicas, transportes e comunicações, portos e aeroportos, justiça, cultura, desporto, actividade religiosa, segurança pública e defesa militar, administração pública e actividades políticas.
Gostaria de salientar e de transcrever passagens de alguns capítulos que respeitam ao Congresso Açoriano de 1938, às Semanas de Estudos realizadas na década de sessenta e ao início do planeamento regional na mesma década.
Escolhi-os, entre a vasta gama de matérias tratadas pelo nosso autor, por estarmos perante iniciativas e movimentos precursores da actual autonomia na medida em que contribuíram significativamente para ultrapassar as limitações da visão distrital dos problemas dos Açores e para a sua abordagem numa perspectiva regional.
Escreve MB quanto ao Congresso de 1938:
«Os mais lúcidos atribuíam à nossa falta de união as dificuldades que enfrentávamos perante o poderoso poder central.
Por isso germinava há muito a ideia de um congresso que unisse todos os açorianos válidos para discutirem os problemas comuns e proporem, a partir de posições unânimes, as respectivas soluções.
Armando Narciso, pedagogo e médico, é a alma da iniciativa que vai decorrer com êxito na Sociedade de Geografia e no Grémio Açoriano.
Hoje parece absurdo que os Açorianos, para se reunirem, tivessem que viajar até à capital.
As comunicações apresentadas foram reunidas num livro editado em 1940 pela Casa dos Açores, em Lisboa, e reeditado em 1995 pelo Jornal de Cultura, em Ponta Delgada pela mão do Professor Medeiros Ferreira.». Fim de citação.
No segundo texto que seleccionei, respeitante às Semanas de Estudos, MB comenta nos seguintes termos essa iniciativa:
«Em Abril de 1961, vai assistir-se nos Açores a um acontecimento cultural que marcou um ponto de viragem e progresso da até aí desorganizada intelectualidade açoriana.
Ao Instituto Açoriano de Cultura coube a glória de iniciar um movimento que haveria de gerar incomensuráveis benefícios para o povo destas ilhas.
Tratou-se das famosas Semanas de Estudo cujo sucesso foi de tal ordem que se repetiram dez vezes através dos anos e sempre com mais prestígio e êxito; quando a última se realizou em 1966 já tudo era diferente».
E mais adiante acrescenta:
«Começa a germinar a unidade açoriana e atacam-se as taxas alfandegárias no comércio inter-ilhas.
Aproveita-se o espírito da unidade açoriana gerado pela II Semana de Estudos e proclama-se que essa unidade só se conseguirá pela união dos interesses açorianos com o livre-trânsito das mercadorias». Fim de citação.
E é nessa década que se inicia o planeamento regional a que, diz o nosso autor, está indissociavelmente ligado o nome de Deodato Magalhães de Sousa. Escreve a este respeito:
«Deodato de Magalhães vai ser o precursor da unidade açoriana promovendo em 1965 uma reunião das nossas Juntas Gerais (até aí viradas de costas umas para as outras quando não se hostilizavam) para preparar pela primeira vez na nossa história o planeamento regional açoriano, tornando-se o verdadeiro criador da Região Autónoma dos Açores consagrada oficialmente pela Constituição de 1976». Fim de citação. Ao concluir este quarto volume da História dos Açores, que tem uma sentida dedicatória a sua mulher, Maria de Fátima, julgo que MB tem a sensação de ter realizado a grande obra da sua vida.
Diz que a fez com gosto e dela obteve um prazer inexplicável e faz votos para que os seus leitores o tenham também.
Felicito-o e presto-lhe homenagem por tê-la realizado contra ventos e marés e associo-me de alma e coração aos votos que formulou. Muito obrigado pela vossa atenção.
5 de Outubro de 2010.
Manuel Pracana Martins

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Golpe de estado

Vivemos num clima que se aproxima do golpe de estado continuado. Dum golpe de estado financeiro-fiscal. Parece que os estrangeiros (que, como se sabe, são todos boas pessoas) olham para Portugal como uma mina, cheia de mineiros pouco espertos, a quem se pode impunemente tirar o ouro sem grandes dificuldades. Levantam-se umas dúvidas, compara-se com a Grécia, assusta-se o pagode e vão daí mais de 7% de juros da dívida pública (ou como se diz agora que perdemos parte da soberania, da dívida soberana). O estado social, criado desde Marcello Caetano, teve impulso com Cavaco Silva, Guterres e Sócrates (estes últimos duma forma mais ambiciosa já que o erário, a Europa, a banca e os mercados o permitiam). Passámos a viver muito acima das nossas posses, principalmente as classes pobres que saltaram para a antiga classe média, com casa, carro, viagens e, em certos casos, com o rendimento mínimo ou lá como isso se chama e porventura com uma piscina, para não falar nos telemóveis (mínimo 2), internet, TVCabo, jogos e o mais que antes os ricos tinham, que o sol quando nasce é para todos. Até a droga passou a fazer parte da dieta dos pobres e, quando o preço dela subiu nos insondáveis mercados onde circula, o estado passou a fornecer metadona não fossem tais cidadãos padecer da respectiva carência. As cadeias encheram-se, o crime contra o património disparou e por aí fora. Tudo corria bem no reino da Dinamarca mas, eis senão quando, um banqueiro americano borrou a pintura por causa dum roubozito que baralhou as contas e pôs a careca à mostra de certa banca nacional sempre seguidista do que de melhor se faz lá fora. Face à tragédia, uniram-se os cérebros do país em busca da salvação em mar revolto? Qual quê! Começaram a brigar como cães. Que os de fora nos ataquem, é de esperar. Que as baratas tontas comecem a disparatar, é que era mais difícil de prever e suportar.
Carlos Melo Bento
2010-11-16

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

No Lançamento do Livro de Victor Lima Meireles

Reverendíssimo Vigário Episcopal
Senhora Presidente da Junta de Freguesia de Água Retorta
Senhor Administrador da Fundação Sousa d’Oliveira, Dr. António Pracana Martins
Senhor Secretário-geral da Fundação Sousa d’Oliveira, Dr. José d’Almeida Mello
Minhas senhoras e meus senhores
Amigo Victor Meireles
O livro que aí está, laborioso e precioso trabalho que reúne os Extractos dos Livros dos Óbitos da Freguesia de Nossa Senhora da Penha de França de Água Retorta, de 1835 a 1905, encerra o ciclo que o poeta e escritor micaelense Victor Meireles se propôs realizar, após a publicação dos Extractos dos Casamentos (1835-1905) e dos Baptismos (1768-1905), já praticamente esgotados.
Os nossos livros paroquiais, a seguir a uma campanha publica que Sousa d’Oliveira encetou na primeira metade do século XX, “Salvemos os nossos Arquivos”, foram arrecadados na Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Ponta Delgada e, a partir deles, Victor Meireles extraiu práticos e cómodos extractos, agora postos à disposição dos interessados.
Aproveitou o autor para, em adenda, publicar os extractos dos Baptismos do ano de 1874 que não foram inseridos no lugar próprio.
Na sessão pública, de lançamento da nova obra, nesta acolhedora Casa do Povo de Água Retorta quero expressar ao Professor Doutor Octávio Henrique Ribeiro de Medeiros, Vigário Episcopal da Ilha de S. Miguel e Pároco de Nossa Senhora da Penha de França, o profundo agradecimento da Fundação Sousa d’Oliveira, pelo estímulo e apoio que Vossa Excelência Reverendíssima deu à obra de que aqui venho falar, pois é sabido que sem esse empenho não seria possível tão útil publicação. Se cada povo se mede pelas obras culturais que produz, Água Retorta está de parabéns pelo exemplo que dá aos outros povos desta Terra.
Vejamos vários aspectos da vida dos nossos avós que transpiram destes extractos que Meireles pacientemente extraiu dos registos paroquiais, facilitando-nos uma tarefa que sem ele seria quase impossível. Comecemos pelos apelidos de família que o passado nos envia, vestígios arqueológicos duma história que só por si prova a nossa existência.
Achadinha
Abelha
Aguiar
Albergaria
Algarvia
Algarvio
Almeida
Amaral
Amaro
Amorim
Arcénio
Arruda
Baganha
Bande/Bondé
Barbeiro
Bento
Bernardo
Bettencourt
Bocheixa
Boliana
Bom
Bondé/Bande
Borges
Botelho
Branco
Cabaça
Cabral
Caetano
Caldeira
Calmeiro
Câmara
Carepa
Carreiro
Carrelas
Carvalho
Chicharro (com Pimentel)
Charamba
Chicharro (com Pimentel)
Corrêa
Costa
Cruz
Dâmaso
Diogo
Esteireiro
Estrela
Farias
Ferias
Ferreira
França
Franco
Frias
Furtado
Furtado
Gamboa
Garalha
Garrafa
Géna
Gonçalo
Gonçalves
Gueiro
Henrique
Jácome
Leandro
Leite
Lopes
Luiz
Macedo
Machado
Mancebo
Marcellino
Marques
Matias
Maurício
Medeiros
Melo
Mendonça
Michael
Milho (um deles Grão de)
Moleiro
Moniz
Mouro
Neves
Nogueira
Pacheco
Pachequinho
Pampoulas com Resendes
Papoula com Resendes
Patacho
Pequenino
Pequeno
Pergil/Pergile
Pimentel
Piorra
Plácido
Ponte
Quarta (com Pacheco)
Ralhão
Ramos
Rapa
Rapinha
Raposo com Branco
Rebelo
Redondo com Pacheco
Rego
Resendes
Rezendes
Ribeiro
Sanglart
Sangrador
Santos
Sardinha
Senra
Silva
Simas
Singular
Soares
Soldado
Sousa
Tabicas
Tacão
Tavares
Teixeira
Tomaz com Cabral
Torres
Valério
Vicente
Vieira
Todo um trabalho de pesquisa espera pelos curiosos nesta coisa do passado de cada família, explicação do que nós somos e, quem sabe, rumo indicado do que seremos.
Mas que fazia esta gente. Vejamos pois as suas
PROFISSÕES
Alfaiate (do Nordeste)
Barbeiro
Cabouqueiro
Cabreiro
Caixeiro
Capitão
Campóneo
Carpinteiro
Castrador
Emigrantes na América do Norte
Esteireiro
Frei (José Boa Viagem)
Frade Leigo
Igresso
Igresso Franciscano
Lavrador
Moleiro
Negociante
Padre
Padre Cura
Pastor
Pedreiro, oficial
Proprietário
Sapateiro
Taberneiro
Telheiro
Trabalhador
Sacristão
Sangrador
Sem profissão
Tecedeira
Vendeiro
Vendilhão
Mas, para além das profissões que já permitem um mundo de conclusões, é também importante verificar o lugar onde as coisas ocorreram, para se ter uma ideia mais precisa da Água Retorta de hoje, pois que esta risonha freguesia não nasceu do nada nem foi a presente geração que a construiu ou a denominou. Chama-se toponímia a ciência que estuda o nome dos lugares, de topos que quer dizer isto mesmo. Os sacerdotes eram muito cuidadosos ao descrever os lugares onde ministravam os sacramentos, com excepção daqueles que não levavam a sério os deveres canónicos, por isso o Ouvidor de Vila Franca lhes puxou as orelhas vezes sem conta. Não que eles parecessem ligar muito a isso, pois continuaram lazeiras até se reformarem, mas que a coisa ficou escrita, não haja dúvidas. Vejamos então a
TOPONÍMIA
Calvo de Santo António, lugar do Nordestinho
Caminho Direito da Lomba da Terra Chã
Caminho do Pico
Canada do Estanqueiro
Canada do Caminho Direito da Lomba da Terra Chã
Canada do Nordeste da Lomba da Cruz
Canada do Poço
Cemitério Público
Espigão, lugar do
Grota da Lomba das Fagundas
Labaçal
Lomba da Cruz (da vila do Nordeste?)
Lomba das Fagundas
Lomba da Terra Chã
Lombo da Terra Chã
Lugar do Mamado da Rocha do Pico
Poços da Terra Chã
Poções da Terra Chã
Ribeira da Lomba das Fagundas
Rocha do Sanguinal onde apareceu morto Manuel Raposo de 21 anos
Rua das Covas
Rua Direita
Rua do Estanqueiro
Rua das Fagundas
Rua da Igreja
Rua do Lombo da Terra Chã
Rua do Marco
Rua do Nordeste
Rua Nova
Rua do Outeiro
Rua do Poço
Rua dos Poções
Terra Chã
Curiosa é também a referência feita à roupagem com que eram vestidos os que partiam. Não tenho a certeza de que isso tinha alguma coisa a ver com o estatuto social daqueles mas a verdade é que dá de pensar a cor e a qualidade do tecido. Ora vejamos
HÁBITOS
Branco
Chita
Linho
Preto
Roxo (para a filha do Capitão)
A par das mortalhas com que as pessoas orientadas pela igreja ou limitadas pelas posses usavam, é curioso referir os trabalhos que os sacerdotes tinham em cumprir o seu dever de registar os últimos momentos dos que partiam deste mundo. Algumas vezes desaparecia o bilhete em que era escrito o acontecimento, outras, era a doença súbita ou o desastre ou acidente que não permitia ministrar mais que a Santa Unção. Outras, a confissão ou penitência era arrancada interpretativamente, quando o estado de saúde do crente só permitia a sinalética corporal.
Por outro lado são referidas várias doenças que vão referidas como as diagnosticaram os bons párocos, um tanto afastados dos rigores científicos da medicina académica.
DOENÇAS
Afonia
Apoplexia
Doença
Escarlatina
Em copos
Evadida pelas ondas do mar onde esteve 2 dias
Febre
Morte repentina/esmagamento/afogamento/queda na rocha
Parlesia (sic)
Parvoíce
Vómitos
Muito interessante é ver que Água Retorta era um microcosmos do país, onde vivia a sua nobreza, que existia e era tratada diferentemente do resto da população, pois apesar do liberalismo ter extinto as diferenças perante a lei, nem os costumes nem a Igreja deixaram de lhes dar um estatuto diferente. Pelo dinheiro, perlo poder ou pela influência, não sabemos. Mas que era diferente não tenhamos dúvidas. Vejamos então
A NOBREZA
D. Antónia Maurícia, mulher de José Francisco Soares d’Albergaria
D. Antónia Maurícia Gago da Câmara casada com Francisco Medeiros Albergaria, e filha de Henrique da Câmara e de D. Maria Isabel da Câmara, da Ribeira Grande
Francisco Soares Gamboa, viúvo de D. Júlia de Medeiros Gamboa, filho de José Francisco Medeiros Gamboa e de D. Antónia Maurício do Rego Câmara
Francisco Teixeira Nogueira casado com D. Maria Josefina do Singular que o sacerdote refere como “não pôde dar matéria de confissão”.
Jaime Soares Gamboa, proprietário, casado com D. Maria Luciana Medeiros Gamboa, natural da Povoação
D. Maria do Carmo Gamboa Albergaria
José Furtado de Almeida casado com D. Isabel Soares Gamboa, proprietário, filho de pai incógnito e de Angelina d’Almeida
D. Maria Henriqueta, 22 anos, mulher de Amâncio Inácio Machado, cujo enterro foi acompanhado de muitos padres e com certidões tiradas em 1870, 83 e 97.
D. Rosa, filha do Capitão José Medeiros e de D. Flora do Carmo, da Lomba das Fagundas
D. Rosa Augusta de Medeiros casada com Luís Raposo de Medeiros, proprietário, e antes com Procópio Machado, proprietário, ela filha de Duarte Soares Gamboa d’Albergaria, e de D. Maria Querubina de Medeiros, só teve filhos do 1.º matrimónio.
Esta classe social merece todo um estudo com interesse, penso eu, para o conhecimento da história das mentalidades, pois os defeitos dessa época ainda hoje perduram, por vezes até, fora do extracto social a que historicamente pertencem as pessoas que deles padecem.
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LONGEVIDADE
De 1835 a 1905 a esperança de vida em Água Retorta foi de 60 anos, facto que não deixa de impressionar, pois é dos mais altos dos Açores e talvez do mundo. Apesar disso, não resisto a sublinhar alguns casos de longevidade notória, referindo aos apelidos das famílias que o conseguiram, sempre que isso foi possível saber.
85 anos Teixeira Nogueira
85 anos Furtado Tabicas
86 anos, homem, (H) Aguiar
88 anos (H) Resendes
88 anos (H) Lopes da Silva
88 anos, mulher, (M) Resende
89 anos (M) Medeiros, doou todos bens e morreu sem filhos
89 anos Raposo, durante o enterro choveu muita água
89 anos Nogueira
89 anos mulher
90 anos homem
90 anos mulher
90 anos Thomas Cabral
90 anos Fagunda, nada tinha
91- anos em 1838
91 anos Raposo Carreiro
91 anos Torres
93 (H) Sousa
93 anos, mulher Correia Medeiros
94 anos, (M) Raposo, faleceu de vómitos
97 anos, v.ª de J Teixeira Nogueira, sapateiro
97 anos, Manuel Furtado Sardinha deixa a terça dos seus bens por sua alma
100 anos Maria de Jesus, de repente!
100 anos João Cabral
Entre 1835 e 1905 faleceram 528 pessoas de 16 anos até aos 100, e 870 crianças desde um dia de vida até aos 15 anos. Entre estas, as expostas e as de pai ou pais desconhecidos formam uma história secreta que vive entre nós e que os estudiosos talvez devessem desvendar antes que o ADN as revele…
Os expostos recebiam do Estado, depois da reforma de Mouzinho, um subsídio que o povo transformou em abono de família em que as autarquias gastavam mais do que em obras públicas. A República acabou com eles mas em Água Retorta, desde 1883 desapareceram.
Na cidade de Ponta Delgada, a casa dos expostos era na rua dos Manaias. Em Água Retorta ponham-nos à porta deste ou daquele, ignorando-se ainda o porquê da escolha. A verdade é que, em Ponta Delgada tinham número e descrição pormenorizada dos pertences.
É curioso que em 1836 morreu apenas uma pessoa em Água Retorta, o mesmo acontecendo em 1863. Naquele ano, houve a Revolução de Setembro em Portugal com a esquerda a subir ao poder, a Rainha casou segunda vez, a Carta foi suspensa, houve uma tentativa de golpe de estado, criaram-se os liceus, e Alexandre Herculano publica a Voz do Profeta. Entre nós foi criada uma escola médica, e promoveram-se as bibliotecas públicas. O que se terá passado de tão interessante em Água Retorta que ninguém sabe? É questão que deixo à curiosidade dos nossos investigadores…
Em 1863, talvez a coisa tenha mais lógica. Camilo publica o Amor de Perdição, os morgadios são extintos de vez, ardem o Banco de Portugal e a Câmara de Lisboa. Aparentemente, ninguém quis perder o relato de tais espectáculos.
Entre nós porém a coisa é mais séria, pois recomeçam os trabalhos da doca de Ponta Delgada, com emprego para milhares, o povo revolta-se contra os novos impostos que vinham a seguir a uma das maiores crises económicas de que havia memória…
E é tudo o que consegui extrair dos extractos de Victor Meireles a quem agradeço mais este serviço prestado à sua terra.
Carlos Melo Bento
Agosto de 2010

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Sentinelas

Sr. António Teixeira:
Hei-de defender este querido Povo, custe o que custar e a quem custar. Apesar dos milhões (da Europa) gastos na educação, existem açorianos, que não conhecem uma letra. Nesta crise serão os primeiros a emigrar e adivinha-se os trabalhos que lhes darão. Somos o melhor Povo do Mundo e não aceito que obriguem os nossos filhos, a degradar-se só porque a sua Terra os não preparou devidamente para sobreviver. Sangra o coração ver repatriados, no chão das ruas, bêbados porque ninguém lhes tratou dos papéis como era obrigação. Receberam os 250 milhões das remessas anuais, mas levam taxas por certidões que devem ser de graça! Corri risco de morte, fui preso, perseguido por ser açoriano e querer o melhor para o Povo a que me orgulho de pertencer. Sou neto de emigrante; só alguém distraído pode pensar que ofenda a quem mais amo! Vi avós chorarem por os netos os não entenderem; nem falando. Senti vergonha dos que mudaram os nomes. Não condeno. Ofendeu-se quando critiquei os que nos atraiçoaram nos anos 70, impedindo a emancipação que nos permitia governar-nos sem dependências aviltantes. Se a maioria nos apoiou, houve os que por ódio político tudo fizeram para que ficássemos dependentes de interesses alheios ao povo então esquecido. Mas a História já está a julgá-los e o quase nada que conseguimos e que tanto bem nos trouxe não foi à custa deles mas dos que a tempo e horas viram o caminho. Divulgo a nossa história em conferências, entrevistas, livros e programas televisivos, e só Deus porá fim, à tarefa de os manter conscientes de si próprios, unidos e com a dignidade a que têm direito mas é mentira que tenha pedido dinheiro para movimentos políticos e, se fui à Bermuda e à Nova Inglaterra falar, fi-lo à minha custa. Devemos evitar que o mal se repita, quando uma crise se aproxima, sem a merecermos. A defesa dos interesses açorianos consegue-se quando os açorianos se governarem e tenho tido a felicidade de o tempo me ir dando razão. Até me condecoraram. Se querer que estudem para quando emigrarem não terem que fazer tarefas humilhantes é ofendê-lo, tenho pena mas quem está errado é o senhor. Por vezes, é preciso usar linguagem rude para acordar as consciências. Somos a sentinela deste Povo. Não temos o direito de adormecer no posto.
Carlos Melo Bento

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Perigo Grave

Estão definidos os candidatos para a presidência, questão da maior importância para os Açores e para todos os açorianos. Não é indiferente para nenhum de nós qual deles apoiar, como repetidamente tenho escrito. A maior responsabilidade incumbe aos partidos na indicação do sentido do voto, tradicionalmente vinculativa para os simpatizantes e militantes, sempre ansiosos por ouvir falar quem por dever de ofício sabe mais que eles. É pois uma responsabilidade acrescida a dos seus dirigentes. O Professor Doutor Aníbal Cavaco Silva quer recandidatar-se (tem sido sempre assim desde Eanes, Soares e Sampaio, a ponto de alguém já ter dito que os mandatos presidenciais duram dez e não cinco anos). Está no seu direito mas nós é que temos não só o direito mas a obrigação de ponderar se o voto nele tem alguma utilidade ou se, bem pelo contrário, é perigo grave. Como primeiro-ministro a ele se deveu uma política anti açoriana insensata. Enquanto esbanjou no continente da república milhões em demasiadas auto estradas, foi duma sovinice somítica para com o povo que votou nele maioritariamente. Não por ele, obviamente, mas pelo líder do seu partido nos Açores, João Bosco da Mota Amaral cuja obra colossal tinha mudado para melhor a nossa maneira de viver e transformado os Açores num lugar de que se deixou de fugir. Mota Amaral pediu que se votasse nele e votou-se. Cavaco Silva pagou-lhe bem, retirando-lhe dinheiro e fazendo com que o maior político açoriano em 500 anos de história, tivesse que demitir-se, para não quebrar a disciplina partidária a que jurara religiosa fidelidade e por ter ficado sem meios de governar. Salvaram-nos Guterres e Sócrates, chamados à pedra por Carlos César. Mesmo assim, já como presidente, humilhou-nos impedindo-nos de ter nome próprio! Quem se enganar agora pagará mais tarde tão insensata escolha.
Carlos Melo Bento
2010-11-02