quarta-feira, 24 de março de 2010

Não percam a rosa

Pastel, laranja, ananás, chá e vacas foram indústrias que a nossa economia gerou por iniciativa particular e que, em tempos de pobreza e má distribuição dos meios de produção, mataram a fome a muitos e enriqueceram alguns com alguma justiça porque se lançaram no risco de perder ou ganhar e ganharam. Ultimamente, com a governação socialista ergueu-se a chama do turismo que desde os tempos do pioneiro Augusto Arruda vinha enfrentando dificuldades sem conto, mormente a da incompreensão e que finalmente saltou para o patamar das actividades salvadoras. Só que, agora, o erário público avançou com a compreensão e com a massa, retirando à iniciativa privada o risco pois o Estado nunca perde. Mas os lucros ficaram envolvidos por penumbra que não deixa ver se vêm como dividendos ou subsídios, circunstância que não mobiliza senão os que se submetem aos desejos dos que mandam que não são necessariamente os da razão. Têm poder, têm dinheiro mas podem não fazer as escolhas correctas na miríade de problemas e decisões que o empresário tem de resolver e tomar para levar a iniciativa avante. É certo que os governantes correm o risco de perder o lugar se não acertarem nas escolhas pelo que terão sempre interesse em decidir bem; mas não é a mesma coisa, dadas as alternativas de sobrevivência que as oposições possuem nos quadros do Estado. O turismo parece ter sido uma boa escolha e não é a presente crise, por mais profunda e tenebrosa que se anuncie que vai alterar a corrente turística que os transportes geraram irreversivelmente. Saber se os particulares vão entretanto esperar e manter o sonho é outra questão, pois a economia não pára com as crises, nem no lugar nem no tempo. Outra coisa, se os socialistas não querem perder a rosa, nós açorianos não devemos perder a unidade alcançada com tanto sacrifício.
Carlos Melo Bento
2010-03-23

terça-feira, 16 de março de 2010

Periquitos

Quando Mota Amaral era presidente dos Açores disse-me, durante uma estival conversa à beira mar, citando alguém, que tudo o que é excessivo é inútil. A princípio liguei pouco à lição mas o tempo veio dar-lhe razão. Tudo o que aprendo com as dores da experiência tento aplicar na prática do dia a dia, pois se os ensinamentos não servirem para a vida, também eles são inúteis. E faço por transmitir aos outros o que apuro como verdade porque só ela liberta. Aproximam-se lutas eleitorais e com elas as discussões e as expressões excessivas contra os potenciais adversários. Já sabemos que o excessivo é inútil senão mesmo contraproducente, isto é, vira-se contra o si. Magoam sem convencerem nem mobilizarem. Os faialenses têm um ditado que é uma lição fabulosa da arte de conviver: nunca digas tanto mal que não possas vir a dizer bem. Nós advogados, apesar de eternos incompreendidos, damos uma lição permanente dessa arte. Discutimos, criticamos, demolimos ou destruímos argumentos jurídicos ou alegações de facto ou julgamentos de direito ou de facto mas isso nunca nos impediu (antes reforçou) o convívio entre nós que a todos espanta e que a alguns deixa perplexos. Mas essa é que é a virtude: discutir, debater para ajudar a descobrir o fundo das questões. Sem excessos que os juízes não toleram nem absurdos que quem decide não acolhe. Na discussão política não há um juiz magistrado mas há o julgador que é a opinião pública que é o mais implacável dos juízes. Tentar controlá-la é estultícia, enganá-la é inútil e ignorá-la é fatal. Possuir um órgão de comunicação social à disposição não significa dominar a opinião pública que tem vida e consciência próprias. Façamos da discussão um meio de progresso não uma via de insulto e de agressão. Porque as atitudes ficam com quem as toma.
Carlos Melo Bento
2010-03-16

terça-feira, 9 de março de 2010

Lucidez

Foi desconcertante ouvir um dirigente do Lusitânia, glória do desporto açoriano, dizer que o nosso Governo era o coveiro do Clube. Depois a explicação, ainda mais desconcertante: deu tanto dinheiro que os sócios se desinteressaram; isto faz recordar a fúria de Mota Amaral quando o não deixarem mudar o Banco Micaelense para Banco dos Açores, tendo sido obrigado pelos centralistas e agentes locais, a usar a firma mais prosaica de Banco Comercial dos Açores pois pretendia então (bons tempos) que tivéssemos um instrumento para regular a vida financeira; ali eram depositados os vencimentos dos funcionários regionais, etc. mas, passado algum tempo, ele promovia a urgente venda do banco que por pouco não lhe faliu nas mãos. Não passa pela cabeça de ninguém que César ou Amaral quisessem prejudicar as instituições que generosamente as suas Administrações ajudaram. Mas o facto objectivo é que prejudicaram. No banco, deram-se empréstimos políticos, tecnicamente condenados e abriu-se um crédito mal parado que o colocou em falência técnica. No único clube que conseguiu ser campeão açoriano só com jogadores nossos, a coisa está como está. Parece-me poder concluir-se que o Estado nem sempre ajuda quando pode e quer. O efeito da ajuda às vezes é o contrário, como aquele que recebeu subsídio de desemprego durante tanto tempo que agora está na cadeia, pois no período em que ganhou sem fazer nada, ganhou vícios que o levaram ao crime; como os que se tornam tóxico dependentes porque recebem o rendimento mínimo de reinserção que usam na compra do produto ao tal desempregado com subsídio, o que significa que, bem vistas as coisas, o erário público financiou o tráfico e o consumo porque foi ele (nós) quem pagou tudo e, agora sustenta o preso, à razão de 5.000 €/mês. Socialismo, Estado Social, com certeza, mas com lucidez.
Carlos Melo Bento
2010-03-09