quarta-feira, 30 de março de 2011

O Maremoto

No Daily Tetegraph, Peter Oborne escreveu:"A chantagem de Portugal pode dar cabo do Euro e a Inglaterra deveria proteger-se". Não consigo perceber os meandros do pensamento da nossa mais velha aliada...nesta conjuntura. Pensava-se que o Primeiro-ministro Sócrates mendigava PECs em Bruxelas. Afinal, para os nossos amigos, trata-se de pura chantagem. Confesso perplexidade. O articulista porém não se fica por aí. Cita Hague (lembram-se?): Comparou a adopção do Euro, a estar-se encravado num edifício sem saídas, e a arder. E termina com isto: Estamos a entrar em tempos aterradores e não há necessidade de tomarmos (nós ingleses) riscos desnecessários. O artigo é grande e diz outras coisas também reveladoras. Eles (os ingleses) pintaram a manta, não entrando para o euro, mantendo as suas colónias (domínios) contra o espírito da Europa mas obrigando-nos a largar as nossas; deixaram os irlandeses e os gregos aldrabarem as contas e depositarem o dinheiro dessas aldrabices nos “Off-Shores” ingleses ou seus parentes. E, agora, a culpa é nossa que os chantageámos. O ilustre articulista chega ao desplante de afirmar que Sarkozy e Merkel estão sonhando (sic!) porque estão a lutar contra forças que não podem controlar. É verdade que estão lutando, apoiando-se e sendo apoiados pelos restantes países que adoptaram o Euro. Mas se há luta de forças não controladas pelas maiores potências económicas (e não só) da Europa Continental, quem é que está por detrás dessas forças incontroláveis? Os mesmos que levaram à união anti natura de toda a Oposição portuguesa (tu quoque filii meus comunistae!) para deitar abaixo um Governo que tentava aflitivamente escapar da bancarrota com o apoio daqueles grandes? Se não é, parece. Açorianos, agarremo-nos firmemente ao barco, resguardemos o piloto, que o maremoto vem aí e não é pequeno. Carlos Melo Bento 2011-03-29

segunda-feira, 14 de março de 2011

À Rasca?

Antes, ninguém tinha carro e as estradas raras; hoje, há muitos milhares, quase tantos como as famílias e tantas estradas que é mistério. Antes, quando o médico alemão saía em viagem de “estudo” (os médicos não tinham direito a férias), logo as almas caridosas rezavam, não fosse ficar por lá ou demorar muito e que o Senhor Santo Cristo nos livrasse de ser precisa alguma operação de emergência, tão poucos os operadores dum hospital com enfermarias medievais e quartos de pensão antiga. Todos juntavam dinheiro para doença, remédios e doutor. Hoje, briga-se no vasto, moderno e bem equipado hospital porque: “aquela passou à minha frente e não há direito!”, e a gaveta dos remédios está tão cheia que é pena ter que os pôr pró lixo. Antes, a cidade tinha 1 juiz e 1500 processos, um tribunal de trabalho com escassa meia dúzia de pendências e contavam-se pelos dedos da mão direita os do apoio judiciário. Hoje, há 5 juízes, 2 presidentes, 1 tribunal administrativo, um de contas, o de trabalho e mais de 20.000 processos (e estão sempre a entrar mais!). O Ministério Público tinha 1 magistrado, hoje anda pela dezena e os processos são 20 vezes mais. Consultas de graça aos milhares e processos apoiados outros tantos. Antes, havia meia dúzia de escolas, e uma e meia do secundário, e professores efectivos não chegavam a uma dúzia no Liceu e na Escola Industrial. Hoje, há tantas escolas (algumas com piscina aquecida) e Universidade e até já se fecham algumas por desnecessárias e os quadros têm professores com habilitação própria e dezenas de milhar de alunos com transportes subsidiados. Antes, havia raros telefones e ai de quem fizesse uma chamada para Lisboa que havia molho. Hoje, até as crianças têm 2 telefones cada, os pobres rendimento de reinserção, subsídio de desemprego prolongado e trocos para a droga que o que é preciso é viver agora. À rasca? Con certezamente.
Carlos Melo Bento
2011-03-14
Absurdos
Um preso, condenado a vários anos por crimes de natureza não divulgada, recusa-se a limpar a cela que, conspurcada com dejectos de toda a espécie, causa nojo aos companheiros de desdita, que reagem com greves de fome e quejandos. O director ouviu a psiquiatria que informou tratar-se de pessoa psiquicamente normal. Face a este parecer técnico, a autoridade prisional usou o regulamento e mandou empregar a força. Por causa das coisas, mandou filmar a operação, não fossem acusá-lo de ter violado a lei. Tudo certo e tudo errado. Para já, como pode ser normal um indivíduo que reage daquela maneira à prisão? Que tipo de psiquiatria temos que, perante uma anomalia gravíssima do comportamento humano, se atreve a considerar normal o que a comete? Que raio de medo o da autoridade prisional, que tem à sua guarda centenas de outros reclusos com comportamento normal, e não se insurge indignadamente contra um parecer pericial manifestamente incompetente e absurdo? Depois, porque usar a força bruta dos choques eléctricos contra um indivíduo que não se pode defender, quando uma boa mangueirada resolvia boa parte do problema? Que raio de medo legalista invadiu o país que um indivíduo fica morto em casa meses a fio porque quem deveria ter autoridade e coragem não tem um pingo de bravura para rebentar a porta e tentar ajudar um ser humano que pode estar em perigo e pode ser salvo? Nem os parentes? Custa a crer que foi este povo que se bateu em Aljubarrota e descobriu a Índia, depois de séculos de cobardia do resto da humanidade. Agora, um pobre miúdo que estuda numa secundária desta cidade, chora de pavor com medo de ir à escola para não ser espancado pelos que deviam ser seus amigos, tornando a escola no melhor tempo da sua vida? Um inquérito? Psicólogos? Reuniões? Isto precisa é de acção e daquilo que distingue os homens, dos do sexo oposto.
Carlos Melo Bento
2011-03-07

terça-feira, 1 de março de 2011

Alma mater

A nossa mais importante instituição é, sem dúvida, a Universidade, privilégio que, gerado no antigo regime, o actual concretizou em toda a plenitude. Com defeitos e virtudes como tudo o que é humano, ela transformou o nosso viver, melhorando-o de sobremaneira, forjando cérebros para a administração pública e privada, rasgando horizontes, abrindo a porta aos que, por razões económicas ou sociais, não podiam ir estudar para fora, emagrecendo o corpo dos que, com capacidade intelectual para se formarem, jaziam revoltados e frustrados na ilha ou na diáspora e para esta foram empurrados por incontáveis necessidades. Tudo mudou em virtude dessa Alma Mater da açorianidade coeva, fortalecendo e robustecendo o pensamento colectivo deste querido Povo. Penso que nem os seus fundadores primeiros, com José Enes por guia, assessorado por Ricardo Ferreira, Carlos Medeiros e tantos outros devotados sacerdotes de Minerva (passe o romantismo) que contra ventos e marés levaram a bom porto a barca do nosso saber, imaginaram o imenso impacto positivo que provoca. Magníficos Reitores temos tido e a eles se vai ficando a dever um labor titânico de robustecer o prestígio sempre crescente dessa casa: além de Enes, Machado Pires, Vasco Garcia e Avelino Menezes. Como termina agora o mandato deste, seria salutar que a escolha do próximo Reitor fosse criteriosa, cautelosa e muito inteligente. Não pode depender apenas de critérios políticos ou de equilíbrios pessoais ou de grupos. Até agora, houve um certo unanimismo na escolha e, embora tudo permita debate, se calhar, vai continuar como até aqui, e não há mal nisso. Oxalá, porém, que se decidam por alguém que, para além de possuir, obviamente, os predicados académicos e intelectuais e culturais que se exigem para tão alto cargo, seja irremediavelmente nosso e sem alternativa de poder ser outra coisa.
Carlos Melo Bento
2011-02-22
Abismo
Um engenheiro agrónomo de meia-idade, com a jovem neta ao colo, mata a sangue frio e a tiro de pistola, o pai da menina, advogado, seu genro. A mãe da criança é uma Juíza. Trata-se dum crime passional, entre gente da alta sociedade cultural do País, pelo que, como pode ver-se, as paixões, o amor e o ódio, não escolhem nem classes, nem idades. Tudo começa quando se elevou o divórcio ao altar das soluções corriqueiras para os grandes problemas humanos. A vida passou a ser um incidente de nenhuma importância perante os interesses materiais imediatos. Os vínculos naturais passaram a ser tratados pela lei como acidentes de percurso. A filiação natural pode ser substituída pela adopção, a gravidez inoportuna pode ser resolvida com o aborto, as questões conjugais podem ser suprimidas pelo divórcio que passou a ser mais fácil que o próprio casamento. Esqueceram-se estes crânios que a natureza das coisas não pode ser alterada por decreto e o instinto é algo de insondável que não sei se a própria natureza pode alterar, muito menos o homem. Como advogado, tenho chamado insistentemente a atenção para os dramas que esta bandalheira moral está a causar numa sociedade em que só a Igreja (honra lhe seja) tem defendido, durante séculos e sem tergiversar, a lei natural e a vida. Fora da vida e da sua transmissão nada mais é tão sagrado. Entre o estado social e a vida, esta é a escolha necessária e única. O namoro (que prepara a dita transmissão da vida) é das actividades humanas da maior importância e é normalmente enfrentado com frivolidade e tratado levianamente como brincadeira, por uma geração que julga que sabe tudo! Os nossos legisladores têm de parar para pensar já que os eleitores não param nem pensam. Por este caminho, isto não vai acabar bem. Vai morrer mais gente sem querer e vai nascer menos por banalizarmos o viver.
Carlos Melo Bento
2011-03-01