quarta-feira, 8 de março de 2017

Manicómio



Era uma vez, no século XIX, filho do muito dinheiro que a laranja atraía, o Banco dos Açores. Parece que ele, cansado de viver no Arquipélago, resolveu viajar para o reino (nome que então se dava ao Continente) para se juntar a um amigo chamado Totta, rebatizando-se em Totta e Açores. Os micaelenses, coitados e desesperados com a ausência definitiva do seu banqueiro fundamental, resolveram arranjar outro. Criaram então, com o dinheiro dos ananases que, com tanto trabalho produziram do nada, o Banco Micaelense que, com altos e baixos, passou a revolução de 1974 e caiu nos braços dum senhor muito maluquinho que era então, calcule-se, primeiro-ministro de Portugal, que então foi conhecido por manicómio em autogestão. Esse sujeito resolveu nacionalizar todos os bancos, menos o dele (claro). E o Banco Micaelense foi na enxurrada. Depois, houve um cavaleiro andante que o arrebatou e transformou no Banco Comercial dos Açores ou BCA (não o deixaram ser apenas Banco dos Açores porque isso cheirava a separatismo). Rodaram os anos e, da Madeira, veio então um tal Banif que engoliu o BCA. Depois, em Lisboa, surgiu um Santander Totta que escondeu o Açores e depois também tragou o Banif. Ficámos descalços outra vez. É o destino, dirão alguns e se calhar têm razão, que nos faz juntar dinheiro, criar bancos e depois perdê-los. A verdade porém, é que, nenhuma economia sobrevive sem um banco à sua dimensão. Hoje, só a Caixa Económica de Angra parece poder chamar-se Banco dos Açores. Mas será o suficiente? Melhor, será o que a economia micaelense precisa para poder consolidar-se e crescer? Da maneira como estamos, a verdade é que o Governo Regional derrama mil milhões todos os anos sobre a nossa economia e todos os anos eles se escoam sabe-se lá por onde ou para onde. Não terá chegado a altura de fazermos outro banco?

Dezembro 2016 

sexta-feira, 3 de março de 2017

Que pena

A passagem do Presidente dos Estados Unidos, país onde vive a maior parte dos açorianos, pela ilha Terceira, mesmo a pretexto de escala técnica, constituiu uma oportunidade perdida. Para nós porque mesmo os poucos minutos que o homem mais poderoso do planeta por ali andou a esticar as pernas não foram aproveitados pelas nossas autoridades para o irem cumprimentar, como era talvez sua obrigação, e dizer-lhe o que pensamos do aparente abandono a que os seus súbditos (ou o seu governo) querem votar a Base militar que ajudaram a construir e que tantos perigos e vantagens materiais nos trouxeram. Irrepetível o momento. Falharam, se me é permitida a insolência, 3 entidades. A primeira, o governo central (que ainda por cima tem um Representante, precisamente nessa ilha) e o seu ministério de negócios estrangeiros que deveriam ter estado presentes para lhe dar as boas vindas e tentar sensibiliza-lo (subtilmente, embora) para o drama económico-financeiro-social que é aquele abandono. Obama, nos 2 meses que ainda tem para governar, com uma simples palavra, poderia ter alterado o rumo da história. A sua passagem pelos Açores pode não ter sido inocente (pois em política nada o é) mas a ausência ali do governo central, certamente que também não foi. Depois, as instituições autonómicas não fizeram bem em não o terem saudado, ao mais alto nível. Se Obama tivesse feito uma escala técnica em Lisboa, com tempo suficiente para esticar as pernas, certamente que não era recibo por 2 sargentos e 1 cabo. Desaproveitou-se uma ocasião de oiro que nunca mais se repete. Foi pena porque se pode ter pensado que só respeitamos os que sobem ao poder e não os que saem dele. Finalmente, não se percebe a ausência do Presidente da Câmara da Praia da Vitória  que tem aproveitado todas as oportunidades para defender a sua Dama e deixa escapar a que poderia ter sido a mais eficaz de todas para falar com o homem certo no lugar certo. Foi pena.

21 de novembro de 2016


Introspeção


Numa conversa sobre a criação da Casa dos Açores do Canadá, alguns açorianos das ilhas do grupo central, disseram uns para os outros, ”Melhor será que nos afastemos dos micaelenses porque eles estão sempre a brigar uns com os outros e com eles não vamos a parte nenhuma” A conversa magoa e muito. Principalmente porque é verdade. Nós micaelenses somos um povo com grandes qualidades a nível de indivíduos mas quando toca à união em busca dum objetivo comum, de nível superior importante, brigamos como ninguém e normalmente em voz pouco baixa. Depois, em vez de raciocinarmos sobre o assunto posto em cima da mesa, insultamos o outro, porque ele é isto, aquilo e aquele outro. E o outro responde na mesma moeda chamando-nos os mesmos nomes e, por vezes, estendendo-os à família mais próxima e por aí fora. Há exceções, é verdade, e quando aparece um Mota Amaral, um José de Almeida, um Carlos César ou um Aristides da Mota, somos solidários e, consequentemente, invencíveis. Por outro lado, depois duma discussão feia, ficamos todos mal uns com os outros…para sempre! Isto é, até à próxima festa em que todos falam como se nada fosse e ficamos prontos para a mesma discussão e assim sucessivamente. Por isso, às vezes, não somos levados a sério e, por isso, também, é tão fácil uma pessoa de fora ter mais influência sobre nós do que um dos nossos. Basta perceber o esquema, ser esperto quanto baste e, quando damos por isso, estamos a emigrar para qualquer lado, que os lugares estão todos ocupados pelos de fora, e o pior nem sempre são melhores que nós. Por isso, nos tempos históricos da FLA, alguém gostava de dizer que o melhor dos outros é sempre pior que o pior dos nossos. Mas, enfim, a vida continua e se tivermos de começar outra vez do princípio, não é o fim do mundo. Já não seria a primeira vez…

28 de novembro de 2016   
Os melhores de 2016


E pronto, chegou a altura de, mais uma vez, olhar para o ano que agora acaba e escolher os que mais se salientaram nos diversos ramos de atividade. Começo pelo desportista e escolhi o micaelense Clemente Ventura, jogador do Santa Clara pela terceira época consecutiva, recordista dos marcadores do seu clube em competições profissionais (36), o segundo melhor mercador da Taça de Portugal (21 golos) e o símbolo da nossa garra e dedicação à Terra onde nasceu e pela qual luta. No jornalismo, vejo em Teresa Nóbrega com toda uma carreira devotada à profissão, o exemplo de que o profissionalismo não conhece barreiras e pode atingir a perfeição em qualquer azimute, quando esta é procurada obstinadamente com dignidade em cada ato que se pratica no seu exercício. Como cientista do ano, opto por Rui César pela sua obstinada ação no sentido de usar os seus conhecimentos científicos para melhorar a saúde do seu semelhante, sem desfalecimentos mesmo quando os diretos beneficiários da sua obra não colaboram completamente com os constantes esforços para os convencer da bondade dos conselhos e dos perigos da doença que persegue sem desfalecimentos há longos anos. Quanto ao livro do ano vou escolher 2 ex aequo: Macau, na Era Napoleónica, início dos Tempos Gloriosos do Ouvidor Arriaga, de António Alves-Caetano e Uma Aventura Corvina, de José Carlos Magalhães Cymbron. Aquele, porque o irmão de Marcello Caetano elegeu o grande faialense Miguel de Arriaga que salvou a joia do Oriente para Portugal em tempos tão difíceis. E o segundo porque a engenharia militar ao serviço dos Açores é posta no lugar que merece…finalmente! Para artista do ano e pensando na Viola de Dois Corações é inevitável eleger Zeca Medeiros que atinge a perfeição com um trabalho, numa autêntica sinfonia que ele rege a partir dos melhores em cada instrumento, com mestria e elevação. Insuperável. Bom Natal.

18 de dezembro de 2016   
Futilidades

Esta questão da gerigonça teve um inesperado efeito secundário. Transformou o PC e o BE em duas formações civilizadas, moderadas, cautelosas e perigosamente (no meu ponto de vista direitista…) aceitáveis. Aquelas insuportavelmente agressivas intervenções desapareceram, dando lugar a um raciocínio de aparente bom senso. Rainer Daenhart, muito mais à direita que o subscritor destas linhas, no auge da luta que se seguiu ao 25 de abril e até 25 de novembro, dizia que era preciso cuidado com os comunistas porque eles são mesmo comunistas. Dá que pensar, principalmente quando se cantam loas a um ditador sanguinário que a serem verdadeiras as acusações que lhe fazem os próprios cubanos que conseguiram escapar às suas garras, mete num chinelo muitos ditadores de direita, incluindo os nossos. Porém, perante um rei democrata, chefe de estado do país mais vizinho de Portugal, se quedam sentados e quietos depois dum discurso do monarca que é um autêntico hino à amizade dos dois povos. Deselegante é o mínimo que se pode dizer. Sempre gostaria de ver o que fariam se o presidente português fosse a Espanha fazer um discurso do gênero às Cortes e os monárquicos desse país ficassem sentados sem aplaudir, como protesto contra o seu republicanismo! Pode dizer-se que essas picuinhices não têm importância nenhuma e é verdade. Mas envergonham todo um povo que tem direito a ser respeitado. Depois, convidar o rei de Espanha a visitar o país na véspera do dia em que se comemora a data em que os seus correligionários de antanho foram corridos à batatada ou foi uma distração de todo o tamanho ou uma gafe quase tão grande como beijar a mão da rainha da Inglaterra em Inglaterra ou colocar o casaco nas costas da cadeira em jantar de grande gala. São coisas que não devem acontecer ao mais alto nível do estado, porque a esse nível, tudo conta. Mesmo as futilidades.

6 de dezembro de 2016  
José Pracana

Não recordo a primeira vez que o conheci. Ele de certeza que lembrava pois nunca vi uma memória tão prodigiosa. Junto dele não havia tristeza, foi até ao fim um poço de boa disposição com sentido de humor permanente e sem limites. Uma história, uma lembrança nossa que só ele recordava, um episódio político ou social e ríamos como se tivesse acabado de acontecer, criando um bem-estar que caraterizava o mundo à sua volta. Conheci por seu intermédio pessoas poderosas e notáveis, na política, na banca, nas Forças Armadas, nas artes ou na sociedade. Todos o tratavam como um igual, sentimento que se alargava por contágio aos amigos que chamava ao seu convívio. Lembro particularmente, uma noite de fados no Palacete de João Ferreira-Rosa, magnífica festa entre amigos (dele), o jantar na sala onde D. João V tinha sido recebido pelo construtor e, suponho, o primeiro proprietário do magnífico imóvel, e o pequeno fontenário com uma bela escultura, feitos de propósito para que o Monarca pudesse lavar as mãos. Aí convivi nessa noite tão engraçada com um Duque, um Ministro (o que no antigo regime era coisa rara), Amália, Marceneiro e tanta gente famosa e estimada. O Zé era ali uma espécie de traço de união entre todos, e quando chegou ao momento da música, foi um encantamento vê-lo (e ouvi-lo) imitar os grandes artistas presentes que tanto o apreciaram. Depois, quando herdou a casa dos Avós, preparou-a para receber todos os anos, a multidão de amigos que o adoravam e que ele ansiava acolher em S. Miguel. Foi então que a maldita doença o atacou à falsa fé; foi a segunda vez que o vi comover-se; a primeira quando o avô Pracana faleceu e depois, quando me disse desse sonho que a doença destruíra; mesmo assim, lutou com todas as forças, durante anos e até ao seu último suspiro. Bendita a Mulher que o amou até ao fim.  

26 de dezembro de 2016     
Os são-miguéis

Uma viagem profissional a S. Jorge deu para perceber que anda no ar uma miserável campanha contra S. Miguel. Aos são-miguéis tudo de ruim é atribuído. É atributo cuspido com desprezo e algum ódio como se os micalenses fossem a causa de todos os males que os atormentam. Anteriormente só se ouvia esse insulto vindo da Terceira. Aqui até se percebe por causa dos complexos de inferioridade económicos, inversamente proporcionais aos intelectuais e culturais. Todavia numa ilha como S. Jorge com uma mentalidade política tão conservadora como S. Miguel, empreendedores infatigáveis, produtores do queijo mais famoso do país e certamente um dos melhores do mundo, é incompreensível que nos atribuam culpas que não temos nem defeitos que não são os nossos. Com a campanha eleitoral em curso cheira a qualquer manobra de bastidor destinada a dividir o arquipélago e com ele o nosso Povo em dois grupos: os micalenses por um lado, os maus, e os demais de todas as outras ilhas, os bons. Para além do perigo imenso que este divisionismo provoca, pois a união é a nossa maior força, essa atitude magoa e muito, e nós não merecemos isso! A divisão só beneficia os inimigos do Povo Açoriano e nem é preciso dizer-lhes o nome; a dor vem do sentimento de ingratidão e quem não se sente não é filho de boa gente. Depois é mentira: nós perdemos o banco e a companhia de seguros engolidos na voragem do desenvolvimento harmónico que aceitámos de bom grado; nós temos menos representação parlamentar, tendo em conta que somos mais de metade da população eleitora e temos muito menos de metade de deputados; as nossas fábricas de laticínios (salvo honrosas exceções) deixaram de nos pertencer e não é justo que paguemos por aquilo que os atuais donos fazem em nome dos seus interesses materiais. Acabem com isso já porque ninguém ganha em denegrir o irmão mais forte. A Família é que perde. 
1 de outubro de 2016