José Pracana
Não recordo a primeira vez que o
conheci. Ele de certeza que lembrava pois nunca vi uma memória tão prodigiosa.
Junto dele não havia tristeza, foi até ao fim um poço de boa disposição com
sentido de humor permanente e sem limites. Uma história, uma lembrança nossa
que só ele recordava, um episódio político ou social e ríamos como se tivesse
acabado de acontecer, criando um bem-estar que caraterizava o mundo à sua volta.
Conheci por seu intermédio pessoas poderosas e notáveis, na política, na banca,
nas Forças Armadas, nas artes ou na sociedade. Todos o tratavam como um igual,
sentimento que se alargava por contágio aos amigos que chamava ao seu convívio.
Lembro particularmente, uma noite de fados no Palacete de João Ferreira-Rosa,
magnífica festa entre amigos (dele), o jantar na sala onde D. João V tinha sido
recebido pelo construtor e, suponho, o primeiro proprietário do magnífico
imóvel, e o pequeno fontenário com uma bela escultura, feitos de propósito para
que o Monarca pudesse lavar as mãos. Aí convivi nessa noite tão engraçada com
um Duque, um Ministro (o que no antigo regime era coisa rara), Amália,
Marceneiro e tanta gente famosa e estimada. O Zé era ali uma espécie de traço
de união entre todos, e quando chegou ao momento da música, foi um encantamento
vê-lo (e ouvi-lo) imitar os grandes artistas presentes que tanto o apreciaram.
Depois, quando herdou a casa dos Avós, preparou-a para receber todos os anos, a
multidão de amigos que o adoravam e que ele ansiava acolher em S. Miguel. Foi
então que a maldita doença o atacou à falsa fé; foi a segunda vez que o vi
comover-se; a primeira quando o avô Pracana faleceu e depois, quando me disse desse
sonho que a doença destruíra; mesmo assim, lutou com todas as forças, durante
anos e até ao seu último suspiro. Bendita a Mulher que o amou até ao fim.
26 de dezembro de 2016
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