sexta-feira, 3 de março de 2017

José Pracana

Não recordo a primeira vez que o conheci. Ele de certeza que lembrava pois nunca vi uma memória tão prodigiosa. Junto dele não havia tristeza, foi até ao fim um poço de boa disposição com sentido de humor permanente e sem limites. Uma história, uma lembrança nossa que só ele recordava, um episódio político ou social e ríamos como se tivesse acabado de acontecer, criando um bem-estar que caraterizava o mundo à sua volta. Conheci por seu intermédio pessoas poderosas e notáveis, na política, na banca, nas Forças Armadas, nas artes ou na sociedade. Todos o tratavam como um igual, sentimento que se alargava por contágio aos amigos que chamava ao seu convívio. Lembro particularmente, uma noite de fados no Palacete de João Ferreira-Rosa, magnífica festa entre amigos (dele), o jantar na sala onde D. João V tinha sido recebido pelo construtor e, suponho, o primeiro proprietário do magnífico imóvel, e o pequeno fontenário com uma bela escultura, feitos de propósito para que o Monarca pudesse lavar as mãos. Aí convivi nessa noite tão engraçada com um Duque, um Ministro (o que no antigo regime era coisa rara), Amália, Marceneiro e tanta gente famosa e estimada. O Zé era ali uma espécie de traço de união entre todos, e quando chegou ao momento da música, foi um encantamento vê-lo (e ouvi-lo) imitar os grandes artistas presentes que tanto o apreciaram. Depois, quando herdou a casa dos Avós, preparou-a para receber todos os anos, a multidão de amigos que o adoravam e que ele ansiava acolher em S. Miguel. Foi então que a maldita doença o atacou à falsa fé; foi a segunda vez que o vi comover-se; a primeira quando o avô Pracana faleceu e depois, quando me disse desse sonho que a doença destruíra; mesmo assim, lutou com todas as forças, durante anos e até ao seu último suspiro. Bendita a Mulher que o amou até ao fim.  

26 de dezembro de 2016     

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