terça-feira, 25 de março de 2008

Tempos Difíceis

Os próximos anos são decisivos para a nossa vida colectiva, não só porque os fundos europeus vão levar uma grande volta, como porque já este ano irão realizar-se eleições decisivas a médio prazo. Duma forma ou doutra, parece evidente que só ganharemos se tivermos à frente das instituições de governo próprio gente prestigiada pelo saber, experiência e bom nome, este sobretudo em termos políticos. Parece questão teórica mas não é pois que, na abundância, não está em jogo a sobrevivência e os erros são até desculpáveis. Em estado de penúria ou mesmo de necessidade, não há margem para erros nem estes se perdoam. Uma das fontes de prestígio tem sido a estabilidade política de certas figuras nos lugares cimeiros. Mota Amaral e Jardim tornaram-se políticos de impacto nacional porque atravessaram diversos governos centrais com quem negociaram com a vantagem de serem sempre os mesmos quando os outros mudaram a uma velocidade ciclónica. Carlos César não teve tanta sorte porque entretanto Lisboa estabilizou ainda que à volta de personagens menores pelo que a sua visibilidade é inferior a nível nacional apesar da sua governação não ficar a dever nada à daqueles dois. Daí que a composição da próxima Assembleia Legislativa seja vital para o nosso destino. Um erro de escolha poderá ser fatal em tempos de mudança ou de crise grave. Figuras apagadas ou estagiários da política à espera de vaga no galarim dos famosos podem dar óptimas fotos nas revistas cor de rosa. De nada servem aos povos em tempos difíceis.
Carlos Melo Bento
2008-03-25

segunda-feira, 17 de março de 2008

Tino

Há truques na política que nunca se percebe bem porque são usados tão evidentes são que parecem infantis. Dois exemplos: a cimeira das Lages. Andam a direita e a esquerda tão excitadas em atirar a culpa duma para a outra. A direita que foi um serviço pedido pelos nossos aliados em perigo que sublinhou o valor geoestratégico dos Açores. A esquerda que a guerra que saiu dali é um crime e portanto a cimeira foi um erro etc. Digo que é truque porque toda a gente percebe que foram os poderosos americanos quem mandou fazer o encontro (vai lá saber-se porquê). Tão poderosos que as outras potências envolvidas não têm poder para dizer que isto aqui não quer ver-se envolvido em terrorismos para os quais não contribuímos e que, a fazer-se, deveria ter sido na América onde a luta germinou. Connosco e com os espanhóis foi o come e cala-te. Com os ingleses foi obedecer e calar. Outro exemplo: o governo de Lisboa foi obrigado a tomar uma série de medidas impopulares que tentam pôr travão às quatro rodas a um deficit assustador, resultante dum povo pelintra querer e gastar mais do que ganha e teimar em viver muito acima das suas possibilidades. Qual é a surpresa? Que queriam que o governo fizesse? Que deixasse isto cair na bancarrota e no salve-se quem puder? Alguém tinha que pôr a coisa no lugar. O PS foi o primeiro que teve maioria absoluta e portanto aquele que podia e devia fazê-lo sem temer dissoluções. Merece respeito e ajuda, não contestações irresponsáveis. Haja tino.
Carlos Melo Bento
2008-03-17

Gestas

Certa vez, aqui há muitos anos, disse publicamente ao Bisneto do Rei D. Miguel e herdeiro do trono dos nossos Reis passados que via nele não apenas uma pessoa mas uma instituição capaz de continuar a ser útil ao povo sobre que os seus maiores reinaram a ponto de o tornar, de todos os povos do mundo, no que mais contribuiu para que o planeta ficasse reduzido à sua verdadeira dimensão e nele se divulgassem e desenvolvessem as ciências e as técnicas mais avançadas. Nós açorianos tivemos a ventura de ser uma estação marítima dessa gloriosa expansão por onde passaram durante séculos heróis e santos, guerreiros e comerciantes, trabalhadores e aventureiros e a todos tratámos devotadamente sem um queixume nem descanso tal como os Reis nos mandavam. Partido o império pelos vendavais da história, ficámos espalhados por mil Pátrias diferentes mas para sempre unidos por um passado comum, uma língua única e um elo indestrutível e invisível que nos atrai irremediavelmente uns aos outros. Pedi-lhe então que fosse a face visível desse mistério português que é de todos e não é de nenhum e fora do qual não nos sentimos felizes. É que as autoridades oficiais estão limitadas por tratados e leis e nada podem fazer para nos unir. A D. Duarte, porém, isso é naturalmente admitido em memória duma gesta que os poetas imortalizaram e que o povo miúdo realizou comandado por gigantes de vontade e de fé que não houve montanha a que não subissem ou mar que não vencessem ou tormenta a que não sobrevivessem, cumprindo um destino que é maior que nós mesmos. Porque esse, qualquer que seja a fórmula política vencedora, é também o seu implacável destino.
Carlos Melo Bento
2008-03-11

sexta-feira, 7 de março de 2008

1 século 5 nomes

Procurar em 1999 quem foi no século XX a pessoa que neste concelho mais influenciou o nosso viver e que por isso ficará na História, é tarefa difícil e ingrata porque falta ao observador perspectiva e distância que só o tempo garante.

As velhas escolas europeias não costumavam fazer história a menos de 50 anos dos acontecimentos. Os americanos, porém, mergulham nela a bem mais curta distância, talvez porque a história dos últimos anos coincida com o auge da sua civilização e domínio sobre o mundo civilizado, fazendo-a ainda com os heróis e traidores ainda vivos e, por isso, correndo os riscos inerentes.

Se uma das funções do estudo da história é evitar os erros do passado, penso que não será de todo inútil fazê-lo correndo os ditos riscos.

Aristides Moreira da Mota

Se Ponta Delgada viu nascer o século sob os esplendores da visita real, não é menos certo que nesta cidade a figura que mais impressiona nessa altura é a de Aristides da Mota. Saído vitorioso da campanha autonomista culminada em 1895, ele tem 45 anos quando o século nasce e 55 quando os Reis são expulsos e é proclamada a República nos primeiros dias de Outubro de 1910.

Monárquicos, ele e os restantes autonomistas, vêm-se atirados para a marginalidade política, o que permitiu o centralismo avançar, com a supressão do tribunal da Relação e o cerceamento de poderes e capacidade financeira do órgão autonómico por excelência, a Junta Geral.

Só em 1918 o vamos ver de novo, dando alma ao renovado Partido Regionalista e a sua vitória esmagadora sobre os grandes partidos ditos nacionais. Em 1921, quando o povo se amotina exigindo a diminuição do preço do pão, é à sua porta que vai manifestar-se e, tal é o peso do seu prestígio que o governador é obrigado a demitir-se.

Sem medo ele proclama que "o Estado funciona nos Açores como uma bomba aspirante premente ".

No ano seguinte, a sua entrada triunfal a meio do congresso do Partido Regionalista, que apinhou o salão grande do velho Teatro Micaelense, empolga os presentes, que se preparam para nova e esmagadora vitória eleitoral, apesar da cortina de silêncio que forças ocultas fazem descer sobre a imprensa local. Era o tempo em que os cidadãos de Ponta Delgada não necessitavam da comunicação social para saberem o que se passava na sua terra e tirar daí as correspondentes conclusões. "Eu apoio o Partido Regionalista quaisquer que sejam as pessoas que estiverem à sua frente", proclama o grande açoriano no meio dum entusiasmo incontido.

A burla eleitoral que levou à vitória da conjunção democrática, pela recusa da candidatura Regionalista, levou a viris manifestações, no meio das quais Aristides condenou as costumeiras especulações de separatismo, o que tudo, por sua vez, conduziu a anulação das eleições fraudulentas.

Em 1925, Aristides da Mota, face a novas eleições, proclama a "nova cruzada" que os Regionalistas vão ganhar folgadamente, apesar das ameaças, promessas, burlas, agressões e prepotências contra eles desencadeados. Foi a "revolta dos escravos" e o "movimento de libertação".

Vítima de perseguição, é suspenso de professor do liceu, e nele reintegrado sem uma explicação e sem processo. Valeram as grandes manifestações que lhe tributaram, professores, alunos e povo de todas as classes.

Instaurada a ditadura e a ordem, à força, ninguém duvidará que Aristides da Mota se colocaria ao seu lado enquanto verificou que os nossos interesses estavam defendidos.

Quando a atarraxa financeira apertou de tal maneira que o viver do nosso povo se tomou miserável, lá o veremos a promover a Manifestação que em Fevereiro de 1933 iria ser brutalmente esmagada em sangue, mas que obrigou Salazar a decretar medidas de excepção, por intermédio do seu jovem Governador, Jaime do Couto, obrigado a brandir contra o centralismo feroz do estadista, a bandeira autonómica mas pagando por isso bem caro a ousadia.

Aristides da Mota deixou-nos para sempre em 1942, permanecendo no seu percurso um glorioso rasgo de luz que não pode ser apagado e que há-de sempre iluminar o espírito dos açorianos.


José Bruno Tavares Carreiro

Mas surgiu então no nosso firmamento novo astro de boa grandeza. Refiro-me a José Bruno Tavares Carreiro que o século XX vai encontrar muito jovem e muito culto, escritor genial, jornalista de muito mérito e politicamente o mais sólido e mais bem preparado de todos quantos, no processo autonómico, tentaram conduzir os Açores, desta cidade, para uma situação de dignidade e de libertação do centralismo.

Muito cedo aderiu ao Partido Regionalista, e o seu espírito nunca vacilou no verdadeiro sentido do nosso querer colectivo. Quando o governo de Lisboa nos enviou altos-comissários e delegados seus, foi José Bruno o escolhido para os acompanhar, devendo-se à sua sábia orientação, o equilíbrio entre as duas tendências que desde sempre nos governaram: a mais funesta, centralizadora, e a natural, autonomizadora. É certo que este equilíbrio já se rompeu diversas vezes, ora num sentido ora no outro, mas é indubitável que em democracia e em liberdade, a sociedade açoriana, caminha inexoravelmente para o segundo.

Quando em 1931 se dá a revolta dos deportados que toma conta de várias ilhas, José Bruno já é tido como o líder natural dos micaelenses. Preso pelos revoltosos, a pedido de forças ocultas locais, ele soube aproveitar a vitória do Estado Novo não para vingar-se dos medíocres que o denunciaram mas para fazer sobreviver o regime autonómico no Estatuto que o professor Marcello Caetano fora encarregado por Salazar de pôr em letra de forma, pois aquele professor de direito administrativo teve José Bruno como principal conselheiro.

Em 1950, profere a notabilíssima conferência sobre a autonomia que ficou a constituir uma violenta pedrada no charco em que se havia transformado a nossa vida política.

Com subtileza magistral, escapando às apertadas malhas da censura, ele não só conta toda a história do processo autonómico que o conformismo deixara cair em esquecimento, como termina o seu trabalho pondo na boca de Salazar as palavras que este provavelmente nunca diria "Esta gente tem razão".

A José Bruno se ficaram devendo as primeiras tentativas de unidade açoriana, por ele levadas, no campo pessoal, às últimas consequências.

Escrevi e publiquei na Insulana a sua biografia e para lá remeto quem quiser aprofundar o conhecimento da personalidade mais fascinante deste século, entre nós. Do seu gabinete de trabalho onde reunia o melhor da terra, do seu jornal elevado ao mais lido de Ponta Delgada, ele orientou a opinião pública. Deve-se-lhe a Visita dos Intelectuais e a Campanha Autonómica de 1928, dois marcos importantes da nossa história recente.

José Bruno faleceu em 1957 e a sua morte deixou o processo autonómico praticamente inerte até 6 de Junho de 1975.

António Borges Coutinho

António Borges Coutinho filho duma das casas mais antigas, ilustres e beneméritas desta cidade, com históricas tradições de intervenção política, é neste século a mais forte personalidade que durante o Estado Novo se impõe como defensor da Democracia e que durante décadas vai representar aqui os seus ideais até que estes saíram vitoriosos da revolução do 25 de Abril de 1974.

À sua volta congregou todos os descontentes e adversários daquele regime autocrático que ele e os seus seguidores consideravam fascistas. As cicatrizes da revolta dos deportados de 1931 estavam ainda bem visíveis em algumas famílias micaelenses que não perdoavam a Salazar as retaliações de que foram objecto.

Por outro lado, Melo Antunes e Júlio Quintino, aqui residentes por razões familiares e profissionais, contribuíram, como intelectuais de esquerda, para engrossar o grupo dos opositores do regime derrubado em 1974. A eles se vêm juntar figuras de grande valor intelectual desta ilha, de formação liberal e democrática, de que me permito destacar Manuel de Sousa d'Oliveira, Manuel Barbosa, João Silvestre Pacheco e António Manuel da Silva Melo. Não é muito clara ainda hoje o papel de certos vultos da Igreja Católica que se juntaram a Borges Coutinho, devido à sempre peculiar e discreta acção que gostam de desenvolver em política. Mas parece seguro que os padres drs. Webber Machado e António Pimentel contribuíram então sobretudo para a elaboração de propostas para solução dos graves problemas sociais da nossa Terra.

Foi pois natural que toda esta gente reunida à volta da figura já um tanto lendária de Borges Coutinho atraísse jovens unidos pelo mesmo ideal político e de que destacarei Jaime Gama, Medeiros Ferreira, Mário Mesquita e Roberto Amaral.

Digo quase lendária porque Borges Coutinho se destacara pelo apoio corajoso e destemido à fatal candidatura de Humberto Delgado à presidência da República, circunstância que levou a polícia política a prendê-lo e ao regime a julgá-lo, sob um pretexto fútil e pouco inteligente, o que o empurraria para posições necessariamente mais radicais.

Já no consulado de Marcello Caetano, Borges Coutinho vai aparentemente liderar a oposição nesta ilha e nesta cidade, de tal modo a que os resultados obtidos foram a nível nacional dos melhores, facto que resultou em alterações, aliás desastrosas, nas cúpulas locais do regime.

Com a restauração da democracia, a sua nomeação para governador civil foi inevitável e constituiu de início um acontecimento consensual tal era o prestígio de que gozava entre nós.

Todavia, Borges Coutinho não era um autonomista e a sua luta política centrava-se na luta de classes, em que apesar da sua imensa fortuna, se inclinou abertamente para a classe operária onde não tinha nascido, apoiando a reforma agrária e hostilizando os capitalistas, burgueses e terra tenentes.


Homem adiantado para o seu tempo, ele foi o primeiro governador civil depois de restaurada a democracia. Mas tinha necessariamente de ser o último. A premência de instalar um regime autonómico que impedisse o resvalar para a independência, obrigaram ao seu sacrifício, simultaneamente em dois altares: no da direita que ele sempre antagonizou e no da esquerda que ele ajudou a colocar no poder.

A sua total coerência, a sua firmeza de aço, a coragem e temeridade com que defendeu os seus ideais políticos, durante décadas, pondo em risco a sua liberdade e os seus bens, tornam-no porém numa das maiores figuras deste século, nesta cidade e credor do respeito pelo legado de dignidade duma vida dedicada ao interesse colectivo.
José de Almeida

José de Almeida foi o 18º filho de uma família de lavradores da Bretanha, destinado pelos pais à vida religiosa, por isso obteve a sua formação secundária num seminário do norte de Portugal. Chegado à idade adulta, optou por abandonar a carreira religiosa, licenciou-se em histórico-filosóficas pela Universidade Clássica de Lisboa, fez o serviço militar em Angola durante a guerra de emancipação desta antiga província ultramarina, sendo depois colocado como professor em Viana do Castelo.

Durante o consulado de Marcello Caetano, é eleito deputado à Assembleia Nacional em 1973, cargo dissolvido aquando da restauração do regime democrático em 25 de Abril de 1974.

A loucura saneadora que se seguiu levou à sua demissão de director da escola secundária que dirigia e o regresso às origens açorianas onde de imediato se identifica com o movimento independentista que então eclodira na nossa cidade. De palavra fácil e discurso empolgante, José de Almeida ia transformar-se rapidamente no líder do Movimento. A sua capacidade de analisar a situação política com rigor e clareza, em cima do acontecimento, prevendo o futuro próximo com notável precisão, fizeram dele uma figura carismática seguido nos Açores por gente de todas as ilhas como até aí se não vira, em 5 séculos de história.

O 6 de Junho e as prisões ilegais e abjectas que se lhe seguiram vão encontrá-lo nos Estados Unidos onde desenvolvia uma campanha dinamizadora da nossa imensa comunidade de emigrantes. Bem apoiado, criou o governo dos Açores no exílio que dirigiu, lançando uma notável campanha internacional para o reconhecimento do movimento que ficou conhecido por Frente de Libertação dos Açores (FLA).

Regressado ao Arquipélago, conjugou os esforços de todos os independentistas que conduziu sem desfalecimento. Ficaram notáveis duas sessões no Teatro Micaelense que reuniram milhares de pessoas, facto que nenhuma das outras forças políticas conseguiu até hoje. Fundou o jornal “O Milhafre” que dirigiu, defendendo frontalmente a independência dos Açores, razão pela qual foi julgado várias vezes e sempre absolvido, tendo os tribunais reconhecido não ser crime a sua posição.

Entretanto Lisboa recuou na sua atitude repressiva em relação aos Açores. Criada uma Junta Governativa da responsabilidade do governo central, esta fez o que pode em termos de contra informação e obras públicas no sentido de diminuir o fosso que 500 anos de exploração criaram entre o continente da república

Apesar da autonomia limitada “concedida” às ilhas, a conjuntura política permite a Mota Amaral, entretanto eleito presidente do governo regional pelo PPD, trazer para o Arquipélago, largos milhões com que enceta a construção de imensas infra-estruturas que até aí faltavam de todo. Quando os deputados daquele partido nos Açores deixaram de ser necessários à formação da maioria parlamentar em Lisboa, aquele hábil político estabelece com José de Almeida conversações semi-secretas que obrigaram o governo de central a ceder mais dinheiro e poderes práticos ao governo açoriano que permitiram neutralizar a longo prazo a premência do movimento independentista.

A ruptura entre ambos era no entanto inevitável e teve consequências ainda hoje difíceis de analisar.

Simbolizando, corajosamente e de facto, a mais forte manifestação de açorianismo jamais experimentada antes pelos açorianos, José de Almeida é o político açoriano que no século XX mais arriscou. Várias vezes a sua vida correu perigos sérios e a sua liberdade tomou-se num valor precário.

Pode dizer-se que, sem ele, o nosso destino teria sido muito diferente, pois o estado de espírito vivido pelos seus sequazes, simpatizantes e até adversários, de liberdade soberana e dignidade humana sem dependências, gerou em todos os açorianos o repúdio definitivo pelo estatuto de colonizados. A alternativa da independência ficou em aberto para lembrar aos centralistas o respeito que nos é devido.

João Bosco Soares da Mota Amaral

João Bosco Soares da Mota Amaral nascido na classe média micaelense foi um distintíssimo aluno do Liceu Nacional de Ponta Delgada. Licenciado em direito pela universidade clássica de Lisboa, em 1965, com elevada classificação, vivia no continente da república quando a União Nacional de Ponta Delgada o convidou para deputado à Assembleia Nacional, em 1969.

No exercício desse mandato e do que se lhe seguiu, Mota Amaral desempenhou com total dedicação as suas funções, circunstância que lhe valeu muita popularidade.

Senhor duma memória notável, arguto e perspicaz, conciliador e pragmático, com fortes ligações à Opus Dei, ele toma-se do dia para a noite na alternativa credível para a esquerda micaelense que a revolução democratizadora de 1974 trouxera para a ribalta. Com a fundação do PPD, sem preconceitos independentistas (opção que não excluiu) a sua vitória eleitoral esmagadora em 1976 tornou-o no senhor absoluto do poder nos Açores.

Desse lugar e mercê duma habilidade e capacidade incontestáveis, ele construiu aquilo que muitos apostaram ser impossível: a unidade açoriana. E se mais não tivesse feito já isso bastava para que o considerássemos uma das mais destacadas figuras deste século, nesta cidade.

Mas, Mota Amaral iria governar os Açores durante longos 20 anos, sem interrupção e sempre gozando de maiorias absolutas. O seu governo caracterizou-se por gigantescas construções infraestruturais, sem paralelo nos Açores e que serão dificilmente imitáveis. Portos e aeroportos cobriram todas as ilhas. Estradas, hospitais, escolas, e inumeráveis edifícios de interesse público enxamearam o arquipélago. A velha capital dos Açores foi reerguida das cinzas em que a sepultara o terramoto de 1980. O nível de vida subiu para valores jamais sonhados.

Bafejado pela fortuna, Mota Amaral dispôs de meios financeiros praticamente sem limite, retirados pela sua habilidade política do Orçamento do Estado ou remetidos pelos fundos estruturais da União Europeia para onde nos conduziu a tenacidade de Mário Soares.

Em termos de relacionamento com os centralistas, a sua atitude merece todo o respeito pois, sem nunca verdadeiramente os afrontar, colocou-os à distância quer dando alento aos independentistas quer tratando aqueles como chefe de estado soberano. Dividiu para reinar e fê-lo com mestria.

O seu apoio à Universidade dos Açores, desde o seu berço, catapultou a juventude açoriana sem meios de fortuna para um patamar de cultura que vem revolucionando praticamente todos os campos de actividade.

Interveio no sector económico de modo a não deixar formar empresas monopolistas de irresistível poder político.

O seu prestígio internacional permitiu que o Papa João Paulo II aceitasse o convite que lhe formulou para visitar os Açores, onde o recebeu.


José de Almeida disse dele que não respeitava a ética para poder atingir a ética, e julgo que essa definição retrata no conjunto com rigor a figura açoriana mais importante deste século cujos desejos eram ordens e cuja vontade fez lei.

Qual destas figuras escolherá a História no futuro para o lugar cimeiro, não sei. Cada um de vós que julgue como entender.

Conferência proferida por Carlos Me10 Bento, na Câmara Municipal de Ponta Delgada, em 8 de Novembro de 1999, integrada nas celebrações do 5º centenário do concelho.

terça-feira, 4 de março de 2008

Atentados

Do Algarve vem a notícia de que se recusam a pagar o défice dos aeroportos açorianos. Défice? Qual défice? Santa Maria com o “controle” rende rios de dinheiro. O da Terceira com a base americana rende pipas de massa. O de S. Miguel dá (como tudo nesta ilha) para si e para as restantes. É truque antigo dividir para reinar mas se nós usarmos o de pensar que somos independentes e fizermos as nossas contas como tal, tudo o que entra é activo e o que sai passivo. O saldo é a diferença. Os algarvios podem pois descansar porque não queremos nem precisamos dos seus lucros para coisa nenhuma. Quem recebe os do controle e da base que lhes pague por fora que o devedor é o mesmo.
A imparável e lúcida Berta Cabral declarou (sem desmentido) que só precisava autorização de Lisboa para ter polícia municipal pois que tem dinheiro suficiente para a manter. Usando o raciocínio do parágrafo anterior, chego à conclusão de que existe aqui um gravíssimo e intolerável atentado à nossa autonomia, pois só nós é que sabemos do que urgentemente precisamos e, não sendo pesados à chamada solidariedade nacional (que só funciona pelos vistos para um dos lados), Lisboa só tem que deixar-nos fazer o que precisamos e não se intrometer. Já basta as pobres leis que nos impõem e à sua desgraçada aplicação que nos encheu a terra de drogados e de assaltos e de marginais e de insegurança. Não tínhamos necessidade de viver como vivemos. É tempo de alguém com responsabilidade fazer qualquer coisa.
Carlos Melo bento
2008-03-04