terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Borges Coutinho

Não é fácil julgar um político com a dimensão de Borges Coutinho. Dediquei-lhe um capítulo na minha História dos Açores porque no Estado Novo, ele personificou quase sozinho, a luta pela democracia, arriscando o que tinha e a própria liberdade pelo ideal de luta pelos mais desfavorecidas, não obstante pertencer ele próprio à classe dominante, há séculos. Revendo o passado, descobri atitudes corajosas e sempre direccionadas à realização desse ideal. Antes de 1974, para os que, como eu, não eram oposicionistas, quem não estava com o governo era comunista e foi com essa imagem que, depois da restauração da democracia, ele surge no mais importante cargo político: o de Governador do Distrito Autónomo de Ponta Delgada. Branco Camacho, Secretário-geral do Governo Civil, aquando da posse de Borges Coutinho, afirmou a alguém que indagara quem assistira à cerimónia, que tinham lá estado todos os que antes frequentavam essas posses mais todos os que ali nunca punham os pés. E esse facto traduz o que se passava: estavam todos com o Dr. Borges Coutinho, que era assim a esperança duma passagem pacífica para o novo regime. Infelizmente, como lhe disse então Gomes de Menezes, ele esquecia-se que já não precisava de conspirar pois estava no poder. Desviado da governação há tempo demais, o líder da Oposição Democrática acabou por virar contra si toda a direita, o centro e os que dependiam dum bom poder para que as empresas funcionassem normalmente. Todos viram nele não a solução mas o problema. No Seis de Junho de 1974, que uma democracia verdadeira tinha de respeitar, o ambicioso comandante militar, sacrificou-o para subir ao trono, confundindo os espíritos com uma contra informação e violência que chamou violência. Só depois se poderá fazer justiça a esse homem corajoso e idealista cujas cinzas ontem foram colocadas no jazigo duma das nossas mais ilustres famílias.
Carlos Melo Bento
2011-02-15

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Camões falido

Causou estranheza o anúncio não desmentido ainda, do colapso científico e técnico (se é que é legítimo separar estas duas vertentes) e financeiro do projecto geotérmico da Terceira. A energia geotérmica é um privilégio de terras como a nossa, contrabalançado pelas catástrofes que o vulcanismo segrega. O projecto micaelense passou por diversas fases, algumas delas impostas pela natureza experimental da indústria que então dava os primeiros passos mesmo a nível mundial, a despeito de já ter anos de experiências nem sempre felizes. Tivemos então ocasião de ganhar conhecimentos preciosos que permitiram, depois dos balanços do costume, obter um sucesso muito apreciável que até trouxe a esta ilha ilustres visitantes, nomes sonantes das ciências geológicas de renome mundial e não só. Tudo aconteceu, até um miserável processo crime, que não obstante o desgaste psicológico e físico que provocou nos injustamente visados pela inveja e pela ganância (de quem conseguiu safar-se impune!), a verdade é que conhecimentos sem preço vieram à tona, para satisfação dos incrédulos e pesar dos cínicos. Depois, foi um rosário de tolices duns tontos que iam dando com aquilo tudo em pantanas, não fosse a lucidez de outros (poucos) de engolirem o orgulho e a vaidade e irem buscar a única pessoa com saber para salvar o projecto e os milhões enterrados. Uma vez salvos, porém (e o escorpião nunca deixa de o ser), arejaram-no e o resultado está à vista. É preciso nos convencermos que o segredo é a alma do negócio e que as pessoas superiormente inteligentes nunca ensinam tudo o que sabem, até porque há coisas que não se ensinam. Ou se nasce sabendo ou morre-se sem elas. Isto em qualquer campo: ciência, política, etc. os povos discretos, aproveitam os seus génios enquanto vivos. Camões morreu pedindo esmola como um sem abrigo, em Lisboa, capital do comércio…
Carlos Melo Bento
2011-02-08

domingo, 6 de fevereiro de 2011

No lançamento da Biografia de Victor Cruz

Senhor Secretário
Senhora Presidente
Senhor Dr. João Figueiredo
Amigo, Primo, Compadre e senhor Gustavo Moura
Meu bom amigo e compadre Victor Cruz
Minhas senhoras e meus senhores

Hoje realizo um sonho que acalentei durante muitos anos. Prestar uma homenagem ao Amigo que sempre admirei e estimo, publicando uma narrativa sobre a sua fascinante vida de artista, de empresário e de açoriano.

Não consegui fazer a estátua com a dimensão que o modelo merecia mas faltou-me o talento e fôlego para este tipo de obra que Victor Cruz bem merecia e merece, pelo que a pequena biografia que desenhei ficará aí como um ensaio que oxalá inspire outro com melhor capacidade, pois o personagem e a sua vivência bem merecem um mais aprofundado estudo, tão importante foi para moldar a imaginação, a cultura e porque não dizê-lo, a felicidade de tanta gente que teve a dita de o conhecer e conviver com uma das personalidades mais fascinantes da nossa Terra.

Senhor Secretário, Professor Dr. José Contente, gostaria de agradecer a gentileza do gesto que o Governo Regional quis ter a bondade de fazer, através da sua presença no lançamento desta pequena e despretensiosa biografia, que certamente se deve mais à importância do biografado que àquela, mas não deixa de ser significativo que quem tem tanto que fazer no seu alto cargo, possa roubar algum tempo para nos acompanhar em momento tão particular para a vida do meu Biografado e para mim. Creia que me sensibilizou muito e não o esquecerei.

À senhora Presidente da Câmara continuo agradecido e agradecendo pois que sempre quis dar-me a honra de participar nas minhas iniciativas culturais, emprestando-lhe o brilho que doutra forma nunca teriam tido. Sabe bem ver que a primeira magistrada da cidade e do Concelho onde nasci protege e estimula as iniciativas que podem contribuir para aumentar o nosso conhecimento. Por outro lado, Vossa Excelência nunca escondeu a admiração por Victor Cruz, daí que ambos de algum modo merecíamos a sua importante e significativa presença.

Ao meu Amigo, compadre e primo Gustavo Moura agradeço a pronta anuência ao convite para apresentar o trabalho aqui lançado. Com problemas de saúde pessoais e familiares arreliantes, sei que não foi tarefa fácil. Mas se o conheço bem (e julgo que sim, pois desde tenra idade me habituei a contactar com ele que namorou de muito novo a minha prima mais velha e mais bonita e continua a namorar com ela até hoje!), conseguiu levar a água ao seu moinho. Marido, pai, avô e bisavô exemplar, ele é um dos pilares do nosso jornalismo. Estrutural e cansativamente honesto, conseguiu colocar o Açoriano Oriental que dirigiu como ninguém durante décadas, no pódio do mais lido e respeitado jornal dos Açores.
Nos seus artigos de opinião, pode-se não concordar, não se pode é deixar de lê-lo, pois o bom senso serve de alicerce e guia para a sua tomada de posições, e é sempre bom ter-se alguém com os pés no chão quando a imaginação nos impele a construir castelos no ar.
Bem hajas, querido amigo, por teres dito o que disseste sobre este trabalho. Ao escrever isto, não sabia o que irias dizer mas certamente foi mais uma das tuas e nunca me escapou nenhuma. Por outro lado a tua amizade e admiração pelo compadre Victor Cruz não é segredo para ninguém, por isso, mesmo que quisesses escapulir-te a este primo inoportuno, sempre o mais brilhante talento da nossa geração haveria de seduzir-te e impelir a que cumprisses mais esta doce obrigação.

Por último, meu Compadre Victor Cruz (Somos compadres desde que o saudoso Dr. Abel Carreiro, quando estávamos presos, sugeriu que assim nos tratássemos, para nos distinguirmos dos camaradas e companheiros de outras latitudes). Desculpa-me ter feito obra tão pouca quando merecias muito mais. Apesar do apoio de D. Sara e das miríades de fotografias que vocês disponibilizaram, as varinhas mágicas de José António Rodrigues, esse fotógrafo de eleição que a Ilha seduziu, e de Orlando Medeiros que tudo compôs com mestria, conseguiram um trabalho de impressão notável que muito agradeço.
À Publiçor aqui dignamente representada pelo Dr. João Figueiredo, mariense, que às Relações Públicas açorianas tem dedicado muito do seu precioso tempo e a quem já tanto devem, o meu agradecimento sincero pelo cuidado e zelo na preparação desta cerimónia que não teria atingido esta qualidade sem a sua intervenção ainda por cima apoiada pela imprescindível Maria Joaquina Calado cujo sereno cuidado tanto nos tem ajudado.

A todos Vossas Excelências um obrigado sentido pela vossa presença e, boa leitura.

Carlos Melo bentoSolar da Graça, em Ponta Delgada, 3 de Fevereiro de 2011

36.122 contentes!

Estamos, portanto, na mesma situação que estávamos antes das eleições, só que agora o Presidente pode falar em nosso nome com toda a legitimidade democrática. É indiferente que tenham votado nele apenas 16% do eleitorado açoriano. Dos que votaram validamente, 52,88% apoiaram a reeleição de quem nos tratou como nenhum açoriano tem o direito de ignorar. Ficaram em casa 139.066 eleitores! Votaram em branco 3.711 votantes! Outros anularam 791 votos. A verdade é que toda essa gente (143.568 inscritos ou sejam, 64,8% dos eleitores açorianos) nada vale perante os 36.122 votantes do Presidente! Quem não vota, quem vota branco quem vota nulo, pura e simplesmente não conta. Quem manda neles, politicamente, entenda-se, é a maioria da minoria que fez a coisa como deve ser. Quem sabe consola-se. Podem os analistas esfalfarem-se a explicar que os votos nulos e inválidos e a abstenção são um protesto surdo de todos esses açorianos. Surdo pode ser, agora que provocam sonoras gargalhadas num sítio que eu cá sei, isso provocam. Resultado, ficamos na mesma. Por cá César, por lá Cavaco. Alguns mais expeditos tentaram colar César a esta derrota para fins regionais mas isso era o mesmo que dizer que a culpa do Porto estar à frente do campeonato é das derrotas do Santa Clara. São campeonatos diferentes, jogos diferentes e campos diferentes. O Santa Clara é simpatizante e apoiante do Benfica mas isso será um tanto indiferente para o que se passa nos relvados continentais da primeira liga. Mesmo que o Santa Clara ganhasse (como lhe competia) todos os jogos da sua, isso em nada melhoraria a posição do seu apoiado. A César deve Alegre 2.773 votos a mais do que teve em 2006. Talvez seja pouco mas será um sinal de que ele, mesmo com um candidato não ideal, ainda tem influência positiva no eleitorado açórico.
Carlos Melo Bento
2011-01-25

Os utópicos

Monsenhor Weber Machado é um matemático e sacerdote católico, e, se não me engano, homem de esquerda moderada. No tempo do Estado Novo quando a Igreja tradicional era um dos esteios do conservadorismo dominante, alinhou com aqueles que saudavelmente se preocupavam com os desfavorecidos, e lutou pela mudança que sempre desejou com as reticências próprias de quem defende os valores cristãos mesmo na mudança. Agora, a propósito das compensações que a Administração César deu à classe média açoriana, veio de novo à ribalta para discordar, chamando à colação os que ganham menos que os compensados, naturalmente dando um paternal puxão de orelhas ao governo gerado pelas antigas lutas em que militou, julgo que no grupo do saudoso Júlio Quintino, Melo Antunes etc. Como penso à direita, não consigo chegar às mesmas conclusões. Obviamente que a defesa dos mais desprotegidos não está em causa. Esse é um imperativo dos nossos tempos, conquista da civilização de que só por absurdo se pode discordar. Mas a questão é outra: como se consegue ajudar os desprotegidos? Dividindo a riqueza existente por eles ou produzindo mais riqueza para poder ser distribuída por eles? Thatcher disse que socialismo é dividir por todos a riqueza dos outros enquanto ela dura. E depois? César percebeu que a utopia socialista só perdurará se for auto sustentável. Daí que tenha ido buscar à direita a fórmula de apoiar a classe média, a única que pode gerar riqueza e sem a qual o socialismo se torna na miséria em que os falecidos soviéticos a tornaram. Franco percebeu-o (Salazar não, daí o que somos hoje, órfãos políticos duma direita sem objectivos para além do poder pessoal). Mas, infelizmente, nenhum percebeu a lição da História. Em Viseu, retiraram da parede da escola a frase de Salazar: “A escola é a sagrada oficina das almas”. Bem bom que não foi ele a descobrir a lei da relatividade!
Carlos Melo Bento
2011-02-01