domingo, 22 de fevereiro de 2009

Máscaras

Quando isto for lido (e se o for...) estaremos em quarta feira de cinzas em que, no prefácio da Primavera, alguém tentou desviar o curso da natureza quiçá para evitar os seus excessos, ali colocando (anualmente) o melhor dos homens a caminho da morte nefanda em execução duma sentença iníqua, produto duma caricatura da Justiça, sempre aproveitada para justificar os crimes dos poderosos. O Carnaval era a folia escondida atrás de máscaras que tapavam a cara dos verdadeiros autores das patifarias mais ou menos divertidas. As cinzas eram o cair das máscaras para a dura realidade do dia a dia. A natureza, porém, foi mais forte e hoje quase ninguém se deixa iludir, caminhando-se atropeladamente para uma vivência sempre alegrada por entre álcoois e drogas, enquanto os templos estão vazios e as cadeias cheias, dos que se deixaram apanhar nas teias dos tabus modernos. Duma forma ou doutra, deverá manter-se este tempo como oportunidade para reflexão periódica dos problemas mas sem máscaras. A autonomia existe ou é máscara? A luta contra o tráfico de droga existe? A democracia funciona honestamente? Os professores ensinam com competência? O governo quer mesmo avaliá-los? Os bancos são geridos por gente séria e competente? As leis estão mesmo bem feitas ou os juízes é que são mandriões? O leitor atento completará a lista certamente infindável das máscaras que poderemos fazer cair neste dia especial em que os mantos diáfanos da fantasia têm obrigação de dar lugar à crua nudez da verdade.
Carlos Melo Bento
2009-02-22

Kosovo?

 

Triste comparação. Como pode alguém comparar-nos a um país encrostado no território continental doutro, em busca da independência? É imperativo afastar sem tibiezas as confusões que ferem e magoam. Urge destruir equívocos, sem contemplações. O estatuto político dos Açores é uma questão portuguesa que foi só e sempre tratado entre portugueses. Não é uma questão internacional que caiba nos areópagos estrangeiros. Isso queriam eles. Revolução pacífica, proclamou-a MontAlverne Sequeira, em 1895, e assim tem sido e há-de ser até ao fim. Nós portugueses, cá, chamamo-nos açorianos e não somos nem mais nem menos que os doutros azimutes. Ninguém nos manda senão quem escolhemos para nos mandar. Queremos fazer leis que nos permitam viver na felicidade, a que todos os povos civilizados têm direito. Qualquer português que queira vir viver para os Açores (e não dos Açores) torna-se açoriano quer queira quer não. E só se não tiver discernimento, aceitará ser governado à distância por quem não conhece o que custa viver no meio do mar, em abandono quase completo há quase seis séculos, ainda por cima, miseravelmente explorado por aqueles que tinham obrigação de defender os nossos legítimos interesses colectivos, a ponto de nos obrigarem a emigrar para terras estranhas e remotas onde, por infelicidade nossa, vive a maior parte da nossa população! O que dói, é não quererem obedecer às leis em vigor por birra colonial e obtusa, não é o Kosovo. E mais uma coisa, isto não é quintal de ninguém. É a nossa casa!

Carlos Melo Bento

2009-02-17

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Avançar

Cavaco Silva, em oportuna intervenção, aconselhou, perante o abismo financeiro para que caminhamos, a abandonar questões secundárias e a concentrar-nos no essencial que, segundo ele, é a criação de empregos. O barco a afundar-se, no meio de tempestade medonha, e os marinheiros a discutirem a ementa da ceia, obrigava, de facto, a intervenção dura da autoridade responsável. Resta saber qual a decisão mais sábia. Dinheiro para cima dos problemas lembra transfusão de sangue para cadáver; dispendioso e inútil. Quer-me parecer que um subsídio de desemprego condicional, a troco da obrigação de aprender a ler e a escrever, para os analfabetos e formação profissional para os desqualificados, seria uma forma de melhorar a situação dos mais carenciados e mais frágeis, salvaguardando o respeito por si próprios cuja falta, no bom dizer do Padre Weber Machado, é fonte das maiores desgraças pessoais e sociais. Subsídio de desemprego mas sem dependência de formalismos burocráticos ou de descontos formalizados. Desempregado que cumprisse, recebia. Por outro lado, as empresas afectadas pelo excesso de produção têm de reconverter-se rapidamente e procurar faixas do mercado menos entulhadas de oferta, sob pena de falirem com os armazéns cheios. Quem o fizer merece protecção. Empregos não se fabricam. Ou são necessários ou não. Os bancos, salvaguardadas e bem as poupanças dos que neles confiaram, podem e devem, sozinhos, iluminar o mercado, sob pena de não passarem de casas de penhores falidas e inúteis.
Carlos Melo Bento
2009-02-10

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Erro Grosseiro

Vimos assistindo, de algum tempo para cá, a uma série de acontecimentos estranhos que minam objectivamente os fundamentos do Estado. Primeiro, foi um deputado e antigo Ministro de Estado preso preventivamente num escandaloso processo-crime, facto que certamente não abonou muito os seus colegas parlamentares nem a casa onde trabalham em representação de todos nós, com a agravante de a Justiça superior acabar por concluir que ele estava inocente! O poder legislativo não ficou prestigiado. Depois, foi um Primeiro-ministro, supostamente a pessoa mais poderosa do País, abalado até cair, apesar de ter uma maioria parlamentar que o sustinha. A imagem do governo como instituição, piorou. A par, um processo judicial completamente inábil que tolamente se prolonga há anos sem necessidade, conspurcando o trabalho árduo duma Justiça respeitada há séculos sem que os seus operadores saibam pôr-lhe um fim decente. O poder judicial passou a ser objecto de chacota. Depois, o próprio Chefe de Estado é chamuscado com a suspeita lançada sobre um dos seus homens de confiança, envolvido numa gestão difícil de entender. Agora, novamente, um Primeiro-ministro vítima duma campanha sórdida que não poupa nem a sua família próxima, ameaçando transformar o País numa aparente choldra pestilenta. A nossa tolerância perante estes tristes dislates tem que ter um limite, para que não tenhamos de dizer como o Eça que isto não é um País, mas um erro grosseiro da civilização.
Carlos Melo Bento
2009-02-03