(Subsídios para a História das Ruas da Cidade de Ponta Delgada)
1. A palavra Rua deriva do latim "rugam", que deu também "ruga" com um significado aparentado com caminho público entre filas de casa ou muros. Aplica-se essa palavra neste sentido quer se trate da cidade, vila ou freguesia ou, mesmo, lugar. Também se dá o nome de rua ao espaço entre renques de plantas nos jardins. Em sentido figurado pode significar os próprios moradores: "rua de gente fina". E como uma interjeição usa-se no sentido de: fora daqui. É no primeiro sentido obviamente que vamos usar a palavra. Os nomes das ruas têm sido ao longo dos tempos um termómetro interessante da cultura de um povo, exprimindo melhor que nada a sua mentalidade. Ou são poéticos como ' "Da Alegria" "Do Valle-Verde" ou "Da Boavista", ou são tétricos como "Rua da Cruz", associado a morte e crime, ou estão ligados a templos como a do Desterro, S. Joaquim e Santana, ou a profissões como a dos Mercadores, ou a direitos reais como a dos "Foros" e os "Forais", ou a calamidades como a do Lameiro e a d' Água (lamas e chuvas diluvianas). Há nomes derivados de factos como a do "Saco" (ou saque); outros derivam de algum estabelecimento importante como a da Misericórdia. Sem querer esgotar as fontes toponímicas das ruas, direi que talvez o mais frequente seja a do nome de pessoa ou de cargo por ela exercido, porque eram conhecidas (caso das Ruas do Contador e a do Provedor).
Ultimamente as Câmaras Municipais optaram no geral por atribuir às Ruas o nome dum cidadão que consideram notável. Mas, na nossa cidade, há nomes de ruas ligadas a cidadãos que se impuseram por si. Viveram lá tantos anos, exercendo funções importantes, normalmente de carácter público que acabaram por ver o seu nome associado indelével e definitivamente à Rua. Normalmente, o nome desses cidadãos é fácil de dizer e de reter. Veja-se os casos das Ruas do Brum, do Gaspar, por exemplo. O que nos vai ocupar hoje é o de Pedro Homem e vamos começar exactamente por ele.
Segundo Frutuoso, Pedro Homem foi escrivão do Ouvidor do Donatário de S. Miguei. Viveu por meados do século XVI. Os Ouvidores eram juízes do crime ou do cível e podiam ser nomeados pelo Rei ou pelos Senhores. Neste caso tratava-se do Ouvidor do Senhor da ilha, cujo mandato (renovável) durava 3 anos, findo os quais e a ser substituído, teria de ficar necessariamente com o sucessor um mês ou dois num sítio central da sua comarca, esperando as queixas que pudessem ser levantadas contra ele. O escrivão, como o nosso primeiro historiador refere, era "perpétuo", isto é, o seu cargo era vitalício.
O Escrivão tinha a seu cargo os processos (como ainda hoje) cabendo-lhe, praticamente, o funcionamento do Tribunal. Frutuoso refere que o Ouvidor tinha Escrivão e Meirinho, sendo aquele, como vimos, Pedro Homem e este Vasco Caldeira.
O Meirinho corresponde ao oficial de diligências, figura hoje desaparecida mas que é o funcionário encarregado das citações, notificações, chamamento de testemunhas ou partes durante os actos processuais públicos ou privados. O lugar do escrivão era e é muito importante nos tribunais e, consequentemente, na sociedade a eles sujeita.
Um ditado que chegou aos nossos dias é este: "Se fores à caça e caçares um perdigão, mostra-o ao juiz e oferece-o ao escrivão". Por lei, nesse tempo, este era obrigado a ter couraça, capacete ou casco, uma adarga (ou escudo redondo ou cordial de couro), uma lança, "para quando cumprir nas cousas de seus ofícios, e por bem da justiça com as ditas armas servirem, o poderem fazer, ou em qualquer outra coisa em que por Nosso serviço lho mandarmos " (Ordenações Manuelinas, título CV do Livro Quinto).
Para nos situarmos agora bem no terreno, teremos que recuar uns bons quinhentos anos.
Quem viesse de Vila Franca, por mar (que por terra era difícil), dobrando a Ponta do Galé ou Galera, entre a da Caloura e a de Água de Pau e, ao aproximar-se da que é hoje a maior cidade açoriana, via apenas um “solitário ermo, um saudoso lugar e uma pobre aldeia de uns poucos pescadores”, talvez com uns casebres de palha na Calheta, em S. Pedro, no Cais da Sardinha ou em Santa Clara. Mas se esse mesmo cidadão de Vila Franca se dispusesse a visitar esse mesmo lugar, 20 anos depois, veria espantado uma vila pequena, sem ribeiros nem fontes é certo, mas com diversos poços de onde uma operosas população tirava o precioso líquido com que a humanidade sobrevive, mas já nobre e populosa, com célebres e generosos moradores, e comerciantes de grandes tratos.
Alguns anos depois, porém, esse mesmo viajante já nos seus 80 anos, abria a boca de pasmo ao ver, no princípio da agora cidade por graça de El - Rei D. João III (sem que ninguém lho pedisse), a magnífica casa de Baltazar Rebelo a que se seguia uma longa rua com 3, 4, 5 e 6 atravessadas de norte a sul, em largura, com mais de 16 notáveis ruas, afora muitas azinhagas (palavra de origem árabe que significa caminho estreito entre muros ou sebes) becos, e outras ruas menos principais.
Nessas ruas via casas sumptuosas e ricas, sobradadas e muito altas, mas poucas de dois sobrados. Via paços de fidalgos e homens poderosos, bem lavradas (com pedra de lavoura) fora ainda os Paços que o Conde de Vila Franca estava a construir julgo que por volta de 1583 onde será hoje, mais ou menos, a Escola Antero de Quental, palácio da Fonte Bela. Paço onde despachou o Rei D. Pedro IV, 1º Imperador do Brasil e regente do reino de Portugal em nome de sua filha D. Maria II. A Rua a norte deste palácio ainda tem o nome vulgar de Rua do Conde.
Ponta Delgada, assim chamada devido a uma ponta rasa com o mar com esse nome (mas hoje aterrada) e também de Santa Clara devido a uma ermida que existia entre a que é hoje a Praça Gonçalo Velho Cabral e a Avenida do Tribunal (Conselheiro Luís Bettencourt). Esta ermida nada tem a ver com a Igreja Paroquial de Santa Clara, fronteira poente da cidade.
De qualquer dos modos, vindo do poente, o viajante topava com o forte de S. Pedro, que existia em frente da igreja do mesmo nome e foi destruído este século XX para a construção da marginal, forte esse que era ligado à poderosa Fortaleza de S. Braz por muro ou muralha (ainda visível por detrás da Rua dos Mercadores) onde se abriam várias portas, algumas ainda existentes como a do Laguim, a do Arco e as da Cidade, embora estas em moldes diferentes do que se apresentam hoje.
Da porta que existia em S. Pedro, a principal, diz Frutuoso, donde se vêm os barcos à vela e toda a cidade; existiam para poente, pelo menos duas portas em Santa Clara, uma junto das casas do "generoso e em tudo grandioso Francisco d ' Arruda da Costa", cercada de muro e cubelos (ou torreão próprio e fortificações). Estas casas situavam-se em frente duma pequena baía de areia que se segue a um baixo existente em frente da ponta dos Algares (do Carvão).
A outra porta, e pegada a esta, a de Santa Clara, por "estar ali a Igreja Paroquial desta Santa, onde se acaba a principal costa da cidade que ainda chega a outra porta de Baltazar Roiz". Esta cidade de Ponta Delgada era "tão fortificada com fortaleza, baluartes e cubelos; tão acrescentada com custosos edifícios e casario; tão religiosa com sumptuosos templos e mosteiros; tão visitada e acompanhada de navios e infinita gente forasteira, em todo o tempo".
No de Pedro Homem era "grande, rica, forte e tão afamada cidade, quase furtando a bênção a Vila Franca primaz e por ocultos juízos da Divina Providência herdando o seu morgado; e a que dantes era sujeita e sufragânea a outra vila, é ao presente feita senhora a que vão obedecer todas as vilas e lugares de toda a ilha”.
É curioso referir como subiu Ponta Delgada a concelho em I499, isto é, faz daqui a um ano 500 anos. Os nobres, fidalgos e Homens Bons de Ponta Delgada eram obrigados a ir a Vila Franca, sob pena de multa, na procissão do Corpo de Deus, a mais importante manifestação religiosa da Igreja, nesse tempo. Foram lá os principais, de que a história registou Nuno Gonçalves Botelho, Fernão Gonçalves "o Matoso" (que significa terreno coberto de mato), Rui Lopes da Silva, Pêro de Teve, Fernão do Quental, Francisco Dias Caiado, João da Castanheira, Pêro Jorge, João Gonçalves "o Tangedor", Álvaro Pires "o Procurador" (advogado), João Álvares do Olho, Fernão de Lima e outros muitos.
Durante a procissão, pingaram o fato de Pêro Jorge com cera; este, julgando-se ofendido de propósito, puxa da espada, e perante o reboliço, fogem às espadeiradas, nos três barcos em que vieram. O irmão de Pêro Jorge, Fernão Jorge é então mandado imediatamente a Lisboa em missão secreta e regressa um mês depois com Alvará escrito em papel, em que o Rei Dom Manuel I faz concelho daquele pobre lugar.
Pêro Roiz da Câmara é chamado à pressa da Ribeira Grande, de onde governava S. Miguel por seu irmão; são feitas eleições de que saem eleitos Nuno Gonçalves Botelho, João da Castanheira, como juízes; João Gonçalves o Tangedor e Pêro Afonso Castelhano, como vereadores, João Dias Caridade, como Provedor do concelho. A primeira acta foi redigida por Pêro de Teve. Os embargos que os vilafranquenses deduziram perante o substituto do donatário são julgados improcedentes, porque os novos edis já estão de varas “alevantadas...”
E quando a nova de que Ponta Delgada foi feita cidade em 2 de Abril de 1546 correu, começaram os seus moradores "a negociar a cavalo em que pareciam bem pelas ruas e praças, e se fizeram muitas festas, agradecendo a el-rei a mercê que lhes fizera".
A Rua de Pedro Homem
2.- Ora, uma das tais ruas que parte a rua direita é precisamente a Rua de Pedro Homem de que convém nos aproximemos senão nunca mais acabamos esta nossa digressão.
A nossa Rua fica enquadrada por outras duas: a sul, a velha rua do Garcia e a norte a de Santana. À rua do Garcia deu o vulgo o nome de Rua do Frade mais tarde oficialmente designada (depois da autonomia de 1895) rua Conselheiro Ernesto Rodolfo Hintze Ribeiro, por lá ter nascido este famoso primeiro ministro do tempo do Rei D. Carlos, na casa onde hoje se situa o edifício da sociedade Corretora.
A Rua do Pedro Homem tem hoje 54 casas com estilos que vão desde o séc. XVI, com as ombreiras das portas em suta, de alto a baixo, até ao séc. XX, rectilíneas e algumas de duvidosa beleza, embora de indiscutível funcionalidade e higiene.
Suponho que todos os séculos estão ali representados desde os "papos de pomba" abrasileirados até às portas e janelas de grandes dimensões à moda de Abel Coutinho, passando por um barroco-chão do séc. XVII, em imitação do vizinho colégio dos Jesuítas e seus complementos, sem esquecer a mais pequena casa dos Açores, mimosa e bela no seu encanto de moradia de gente pobre e de trabalho.
Nesta rua moram hoje pessoas importantes e de reconhecido mérito. Gostaria de salientar entre eles, o Dr. Ricardo Ferreira, pedagogo cujo nome está ligado à fundação da Universidade dos Açores, que a ele, em boa parte, deve a existência e que o torna o mais ilustre dos seus habitantes.
Aqui trabalha um ilustre advogado, Eduardo Medeiros, um distinto médico dentista, Dr. Ricardo Viveiros Cabral, e o único mestre organeiro dos Açores, Dinarte Machado, habilíssimo artista a quem se deve a restauração dos nossos preciosos órgãos, e também nela reside e mantém oficina.
E aqui nesta casa onde estamos trabalha o João Pacheco de Melo que a seguir a 25 Abril de 1974 optou pela emancipação dos Açores, até hoje sem desvanecer o seu nobre propósito como aqui e agora se vê. Fui seu professor e sei da sua inteligência e cultura.
Muito novo ainda ganhou um prémio com a poesia que vos passo a ler para amenizar a fala,
Carta de saudade
Estou bem
Mas...
não sei que fazer
sinto que estou longe d' alguém
alguém que me viu nascer
Oh que saudade eu sinto
da minha terra amada
isto é puro; eu não minto
anseio a minha chegada
à terra que tanto amo
e que trago comigo,
que para mim é o ramo
onde o meu ninho foi erguido.
Oh terra minha d' além
que por ti sinto vaidade;
não direi a mais ninguém
a não ser a ti; só a ti
que de ti, sinto saudade.
Pedro Homem e as perdizes do Senhor Capitão
3. Rua de Pedro Homem é pois uma rua muito antiga e que mantém, desde há muitos séculos, o mesmo nome. E a história regista algumas pessoas que nela viveram. O primeiro é o próprio Pedro Homem que nós já sabemos ser escrivão do Ouvidor.
D. João III ordenara a Manuel da Câmara que viesse para S. Miguel governar pessoalmente a sua casa e construir a fortaleza de S. Braz. Habituado a uma vida da corte opulenta e rica, o donatário rodeava-se dos requintes próprios desses meios.
Mandou vir de Londres cisnes, açores e falcões. E perdizes de Portugal, em 1561. É curioso que estas aves, que seu pai já tentara introduzir entre nós para poder caçá-Ias, foram espalhadas pelo próprio ouvidor, Dr. Francisco Picão e pelo nosso escrivão, Pedro Homem que as deitaram acima da cidade, na Fajã de Gaspar Ferreira que não sei se terá alguma ligação com o que deu nome ao charco do Ferreira.
Por certo que, tanto o capitão como o Juiz por ele nomeado e por tabela o nosso escrivão, deveriam ter na caça a paixão que então dominava as classes elevadas, senão ficava por compreender a que cargas de água ia um escrivão de direito espalhar cinco casais de perdizes por conta do donatário a quem não faltavam criados e escravos que disso se encarregassem.
Se essas perdizes, nobres antepassados das que ainda por aí voam baixo, estiveram ou não nesta rua é talvez coisa que nunca saberemos ao certo, mas não custará a acreditar nisso.
A Tenebrosa Inquisição
4. A mais antiga referência a esta rua é porém, segundo Hugo Moreira, aquela que existe no arquivo da Inquisição na Torre do Tombo, a respeito de Belchior Rodrigues e de sua mulher que pretenderam ser familiares do Santo Oficio e para tal tiveram que o pedir por escrito a esse areópago amaldiçoado, indicando que residiam na rua de Pedro Homem, ao mesmo tempo que apresentam imensos testemunhos das suas qualidades sociais e pessoais.
Os familiares do Santo Ofício são auxiliares dos juízes e funcionários da Inquisição. Tinham rendimentos próprios, embora recebessem uma espécie de ajuda de custo; realizavam prisões, davam informações, tinham hábito ou farda só usada em serviço, gozando de privilégios que lhes davam uma excelente posição social; sendo as suas causas julgadas pela Inquisição; estavam isentos de impostos e de cargos municipais; tinham o direito de andar armados; a sua limpeza de sangue era incontestável e o seu número era limitado. Podiam ser Familiares do Santo Ofício pessoas de várias classes: nobres, burgueses e oficiais mecânicos; tinham carta própria (espécie de diploma profissional) e um estatuto social muito importante.
Um Médico Inglês em Bolandas
5. Nesta referência naturalmente resumida da historieta desta rua, apenas assinalo uns poucos de factos que um dia, se calhar, irei aumentando se tiver tempo, paciência e oportunidade. Daí que vamos dar um salto de dois séculos e vejamos o que aconteceu em 1820 que obrigou um médico Inglês a vir viver para a Rua de Pedro Homem, a toque de caixa, e duas horas depois de ter recebido ordens para despejar a casa que tinha na Matriz.
Mas comecemos do princípio. Os Açores eram governados da ilha Terceira pelo Capitão General Francisco António de Araújo Azevedo, desde 1816. Com receio da ameaça espanhola, resolveu ele vir a S. Miguel em 1820, pelo que, 2 anos antes começaram os trabalhos preparatórios desse acontecimento. De Angra pediu-se à Câmara de Ponta Delgada que arranjasse alojamento para o governante. A Senhora Câmara oficiou aos grandes da terra, possuidores de faustosas residências: Vicente e João Soares de Albergaria (tio e sobrinho), coronel Nicolau Maria Raposo, coronel Chaves e Melo, Luís da Câmara Coutinho Carreiro, José do Canto e Jacinto Inácio da Silveira. Estes ou disseram que não ou nem se dignaram responder.
Vai daí, a Câmara resolve alojar sua Excelência nos Paços do Concelho que foram arranjados para esse efeito. Só que, prontas as obras, o General a chegar, e lembraram-se que faltava lugar para a vasta Secretaria da Secretaria
Geral dos Açores. Em frente à praça da Câmara, morava um médico cirurgião Inglês, chamado Sanderson Walker, cuja casa foi considerada adequada àqueles serviços; por isso o eminente clínico recebeu ordem para sair de lá em poucas horas.
Acontece que, na rua de Pedro Homem, a D. Jacinta de Medeiros tinha umas casas que se achavam por habitar. Deve ter-se assustado a nobre senhora ao ver entrar os esbirros do general talvez acompanhados do Meirinho do tribunal, por sua casa, a pedir as chaves das da Rua de Pedro Homem, tudo sob pena "de prisão não acontecendo assim e havendo desobediência a intimação se procedesse pela justiça em termos hábeis e competentes".
Não é difícil imaginar a indignação do súbdito de sua Majestade Britânica perante a ameaça oficial e a consternação com que fez a mudança, perante o pasmo do populacho e o tilintar das tesouras e do bisturi entre o trotar das mulas e o chiar das rodas da carroça na calcada...
Os Liberais
6. Passados alguns anos, porém, a Rua de Pedro Homem viveu momentos de glória, esses então de impacto nacional e indelével. É que também viveu nesta rua o grande José Xavier Mouzinho da Silveira, o jurista, membro da Regência do reino por D. Maria II, e nesta rua escreveu os célebres decretos de 16 de Maio de 1832 que mudaram a administração pública em Portugal e seus domínios, destruindo uma estrutura de séculos. A 17 e a 18 desse mês deu ele cabo da maioria dos conventos, atirando para a privatização, dispersão e desaparecimento um património artístico e cultural sem preço.
A casa onde ele escreveu ou fez os últimos retoques a esses decretos com a colaboração de Almeida Garrett, ficava "logo à entrada, lado direito”. O último habitante dela antes de ser reconstruída ou feita de novo, como há tempos se achou, foi o proprietário dela, António Xavier de Sousa, geralmente conhecido pelo Xavier Bambas, era gracejador de chocarrices, mas perfeito calígrafo. Isto lhe dava meio de vida, empregando-se em escriturações comerciais designadamente na casa Bensaúde que o sustentou na doença cancerosa de que morreu.
Nesta casa, em frente da que nós estamos[1] consta a lápide de que nela funcionou o governo liberal em 1832. Esse governo ficou designado como "Regência" e era constituído pelo Marquês de Palmela, liberal moderado, o Conde de Vila – Flor e nosso Mouzinho da Silveira.
Vila - Flor residiu na casa que é hoje a Secretaria Regional da Economia, a norte do Teatro Micaelense e seria mais tarde promovido a Duque da Terceira pois a ele se deveu militarmente grande parte do êxito das forcas liberais.
Quando D. Pedro chegou à Terceira, esse governo foi remodelado, saiu Vila – Flor e entrou José Freire. É certo que nessa altura o governo liberal apenas "mandava" nas nove ilhas dos Açores, mas em Maio de 1934 já dominava todo o País, e a verdade é que desta rua saíram as leis que haviam de mudar por completo o modo de viver de todos os portugueses.
Não é difícil imaginar o vai e vem da tropa, cavalos e coches que por aqui andaram, os militares, as fardas e as continências, gente á janela, o rapazio e bulício duma terra que de um momento para o outro se via com 8.212 pessoas a mais.
As nossas ruas não eram como agora, limpas, asseadas e iluminadas, que a noite parece dia. Luz Soriano diz que essas ruas eram “bastante espaçosas e o nosso comércio de bastante consideração. O que mais se viam eram burros que chamam asnos, que era o exclusivo transporte de pessoas e mercadorias pelo que empaxavam praças, largos e algumas ruas em que os prendem a argolas”.
As pessoas achavam estranho que nessas ruas houvesse canastras de louça, caixões de queijo, pipas de vinho, cartolas de açúcar fora das portas das lojas, colocadas nos ladrilhos, ramos nas tavernas, degraus em algumas casas, ratazanas mortas, especialmente junto aos granéis, cães a regarem as calças aos transeuntes ou a irem lhes ás canelas, porquinhos, cabras nas canadas e dentro da cidade, obreiros de carpina limpando tabuado e aparas nas testadas.
Leite em odres, pão de trigo com metade de farinha de milho, manteiga de porco pesando menos, pão, queijo e linguiça nas tavernas servindo de pousada ás moscas e couros de rezes a secarem pelas ruas.
É evidente que não acabou com o liberalismo a história da Rua de Pedro Homem (ou do Pedro Homem como se vê na placa toponímia da travessa?) o escrivão de direito que tanta importância teve que lhe foi dispensado um anel d'água, com a condição de o botar fora (depois de 1593, em que se deu um ao Conde, e 1599, em que se concedeu outro à freguesia de S. Pedro para correr na Pranchinha ou Panchina).
Antes tinham dado a S Francisco, Esperança (na condição de a darem ao povo), aos Jesuítas aqui perto e a Santo André aqui ao lado.
O Conde Dom Rodrigo, aquele que se perdeu por amar de mais e sem conta, tinha obrigação "de a botar fora, de noite, só a recolherá 3 horas no tanque, das 11 até ás 2 depois da meia-noite". Numa cidade sem ribeiras em que o povo tinha sido fintado para ter água, só as pessoas mais importantes tinham esse direito. Quem terá sido este Pedro Homem em cujo rua, 300 anos depois dele, viveu o músico Carregal do continente, mestre de música militar com duas filhas de não vulgar formosura e em que nuns viveiros para canários havia preciosíssimos azulejos que tinham sido da capela mor da Matriz, quando a moda mandou cobri-la de gesso?
A casa onde ele escreveu ou fez os últimos retoques a esses decretos com a colaboração de Almeida Garrett, ficava "logo à entrada, lado direito”. O último habitante dela antes de ser reconstruída ou feita de novo, como há tempos se achou, foi o proprietário dela, António Xavier de Sousa, geralmente conhecido pelo Xavier Bambas, era gracejador de chocarrices, mas perfeito calígrafo. Isto lhe dava meio de vida, empregando-se em escriturações comerciais designadamente na casa Bensaúde que o sustentou na doença cancerosa de que morreu.
Nesta casa, em frente da que nós estamos[1] consta a lápide de que nela funcionou o governo liberal em 1832. Esse governo ficou designado como "Regência" e era constituído pelo Marquês de Palmela, liberal moderado, o Conde de Vila – Flor e nosso Mouzinho da Silveira.
Vila - Flor residiu na casa que é hoje a Secretaria Regional da Economia, a norte do Teatro Micaelense e seria mais tarde promovido a Duque da Terceira pois a ele se deveu militarmente grande parte do êxito das forcas liberais.
Quando D. Pedro chegou à Terceira, esse governo foi remodelado, saiu Vila – Flor e entrou José Freire. É certo que nessa altura o governo liberal apenas "mandava" nas nove ilhas dos Açores, mas em Maio de 1934 já dominava todo o País, e a verdade é que desta rua saíram as leis que haviam de mudar por completo o modo de viver de todos os portugueses.
Não é difícil imaginar o vai e vem da tropa, cavalos e coches que por aqui andaram, os militares, as fardas e as continências, gente á janela, o rapazio e bulício duma terra que de um momento para o outro se via com 8.212 pessoas a mais.
As nossas ruas não eram como agora, limpas, asseadas e iluminadas, que a noite parece dia. Luz Soriano diz que essas ruas eram “bastante espaçosas e o nosso comércio de bastante consideração. O que mais se viam eram burros que chamam asnos, que era o exclusivo transporte de pessoas e mercadorias pelo que empaxavam praças, largos e algumas ruas em que os prendem a argolas”.
As pessoas achavam estranho que nessas ruas houvesse canastras de louça, caixões de queijo, pipas de vinho, cartolas de açúcar fora das portas das lojas, colocadas nos ladrilhos, ramos nas tavernas, degraus em algumas casas, ratazanas mortas, especialmente junto aos granéis, cães a regarem as calças aos transeuntes ou a irem lhes ás canelas, porquinhos, cabras nas canadas e dentro da cidade, obreiros de carpina limpando tabuado e aparas nas testadas.
Leite em odres, pão de trigo com metade de farinha de milho, manteiga de porco pesando menos, pão, queijo e linguiça nas tavernas servindo de pousada ás moscas e couros de rezes a secarem pelas ruas.
É evidente que não acabou com o liberalismo a história da Rua de Pedro Homem (ou do Pedro Homem como se vê na placa toponímia da travessa?) o escrivão de direito que tanta importância teve que lhe foi dispensado um anel d'água, com a condição de o botar fora (depois de 1593, em que se deu um ao Conde, e 1599, em que se concedeu outro à freguesia de S. Pedro para correr na Pranchinha ou Panchina).
Antes tinham dado a S Francisco, Esperança (na condição de a darem ao povo), aos Jesuítas aqui perto e a Santo André aqui ao lado.
O Conde Dom Rodrigo, aquele que se perdeu por amar de mais e sem conta, tinha obrigação "de a botar fora, de noite, só a recolherá 3 horas no tanque, das 11 até ás 2 depois da meia-noite". Numa cidade sem ribeiras em que o povo tinha sido fintado para ter água, só as pessoas mais importantes tinham esse direito. Quem terá sido este Pedro Homem em cujo rua, 300 anos depois dele, viveu o músico Carregal do continente, mestre de música militar com duas filhas de não vulgar formosura e em que nuns viveiros para canários havia preciosíssimos azulejos que tinham sido da capela mor da Matriz, quando a moda mandou cobri-la de gesso?
[1] Esta conferência foi proferida a 6 de Junho de , no nº 49.
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