SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA DO SINDICATO NACIONAL DOS ESTIVADORES E OFÍCIOS CORRELATIVOS DO DISTRITO DE PONTA DELGADA, HOJE, DESIGNADO, SINDICATO DOS TRABALHADORES PORTUÁRIOS DO GRUPO ORIENTAL DOS AÇORES,
Palestra proferida pelo consultor jurídico daquela associação desde 1975, no dia 12 de Maio de 2004, em Ponta Delgada.
Pediu-me o actual presidente do Sindicato dos Trabalhadores Portuários do Grupo Oriental dos Açores, senhor José Manuel Cezília que vos escrevesse a história breve desta associação.
Não é tarefa fácil porque este agrupamento é muito antigo e a sua história tão rica que por ela se pode seguir a vida dos trabalhadores açorianos durante sete longas décadas.
E essa história está toda por fazer, tão descuidados têm sido os interessados em todos os ramos de actividade que vêm correndo o risco de repetir erros passados, pois esse é o destino dos que ignoram a sua própria história que nada é melhor para o progresso das pessoas e dos povos que aprender à custa dos próprios erros.
Desconhecendo-se que se errou neste ou naquele caso, é como ir para o mar sem bússola ou entrar no mato sem cachorro. Este Sindicato, agora com outro nome, nasceu oficialmente em 12 de Maio de 1934 quando o Secretário de Estado das Corporações, dr. Pedro Teotónio Pereira assinou, o Alvará que aprovou os respectivos estatutos. Estávamos em plena ditadura salazarista, pois a revolução militar de 1926 impôs um regime totalitário que entregou a pasta da Fazenda ao professor de direito de Finanças Públicas de Coimbra António de Oliveira Salazar que, em 1932, acabou por ser nomeado Presidente do Conselho de Ministros, o equivalente a primeiro ministro na linguagem de hoje.
Em 1933, ele fez aprovar uma Constituição que aparentemente afastava a ditadura mas a verdade é que a proibição dos partidos políticos e a sistemática perseguição da Oposição, criaram um regime de poder pessoal que se prolongou autocraticamente até 1968, momento em que adoeceu gravemente e foi destituído.
Foi na sequência dessa Constituição que o nosso sindicato iria ser criado, no ano seguinte, pois todas as organizações de trabalhadores existentes antes de 1926 tinham sido banidas ou impedidas de exercer os seus direitos associativos.
No entanto, algum princípio de organização devia existir já, pois o Estado Novo como se gostava de chamar o regime, não era simpático a esse tipo de associações que só criavam problemas ao governo com as suas reivindicações e acções colectivas. Os Estivadores eram, como veremos, uma classe muito numerosa, visto que todo o tráfego então existente se fazia por via marítima. E não era possível preparar capazmente o seu trabalho sem um mínimo de organização profissional. Parece-me assim que as empresas transportadoras não terão sido estranhas à iniciativa, pois o caos no sector também não lhes era favorável, e elas tudo fizeram desde essa época para que fosse o novo sindicato a contratar e a pagar aos seus sócios, solução que só viria a ser aceite muito mais tarde.
Duma forma ou doutra, o Alvará que referi é muito claro sobre quem é que mandava: a aprovação dos estatutos seria retirada e este proibido quando o sindicato se desviasse do fim para que foi constituído, não cumprisse os estatutos, não prestasse ao governo ou às entidades de direito público as informações que lhe fossem pedidas sobre assuntos da especialidade do sindicato, não desempenhasse devidamente as funções que lhe tivessem sido confiadas, quando promovesse ou auxiliasse greves ou suspensões de actividade, ou, violasse o Estatuto de Trabalho Nacional e a legislação complementar, por cujas disposições sempre e em qualquer hipótese se tinha de regular, como pode ler-se no próprio texto daquele documento.
A greve era proibida bem como o lock out que é como uma espécie de greve dos patrões, ainda hoje interdita. É neste pano de fundo que vai nascer o sindicato quando na Alemanha governavam Hitler e os nazis e na Itália Mussolini e os fascistas. Dois anos depois rebentava a guerra civil de Espanha que iria matar um milhão de pessoas, quatro vezes a população dos Açores e levar Franco ao poder tendo como embaixador de Portugal junto de si aquele mesmo Teotónio Pereira. E quando o sindicato tinha cinco anos rebentou a Segunda Grande Guerra que iria matar mais de 60 milhões!
Nessa época, isto é, até 1945, viveu-se o terror desses flagelos e é natural que quase toda a gente acompanhasse o governo ainda que ditatorial de Salazar porque conseguiu afastar o país e o grande Império que então possuía, das guerras, mantendo uma neutralidade colaborante com a Espanha e com Inglaterra e os seus aliados. O país era então um invejado oásis de paz e de algum progresso material, pelo menos comparado com a miséria que a guerra espalhara por todo o mundo beligerante.
Depois da guerra seguiu-se a reconstrução. Os Açores foram ocupados por um grande exército que Salazar mandou para cá e os navios aliados frequentavam os nossos portos diariamente, situação que durou até aos anos cinquenta, dando ao nosso muito movimento e certa riqueza.
Só foram encontradas até agora actas da direcção do Sindicato a partir de 6 de Maio de 1950, e como esse livro começa na acta n.º 84 sabe-se que operou desde o princípio. No entanto, como não é possível fazer história sem documentos, teremos de esquecer, por ora, o que aconteceu até aquela data.
Era então presidente da Assembleia Geral Manuel Medeiros Castanha e da direcção Manuel Raposo Carvalho, secretariando a direcção José de Sousa Catarino e Jorge de Simas era o tesoureiro. Hipólito José da Silva presidia ao Conselho Fiscal.
Regista-se a morte dum sócio e faz-se a utilização do subsídio respectivo para pagamento do funeral e de roupas para a viúva e filhos.
Também se fica a saber que o sindicato distribuía às vezes um bodo aos sócios no feriado do 28 de Maio (que correspondia ao dia em que ocorrera a Revolução Nacional que instituíra o regime), e organizava uma colónia de férias infantil no Nordeste, onde a D. Maria do Carmo do Monte era encarregada de providenciar leite, peixe, carne e lenha. Esta senhora ficaria na história daquela Vila como a grande dinamizadora da Casa de Trabalho que chegou até aos nossos dias altamente prestigiada. As crianças em número de 40 usavam farda que o sindicato comprava e ficavam instaladas em escola ou outro edifício melhor arrendado por 800 escudos durante cerca de 15 dias. O Sindicato comprou toda a louça da Lagoa necessária, bem como um trem de cozinha, roupas de cama etc. etc, pedindo ajuda ao Delegado de Trabalho e à Junta Geral que forneceu o transporte para os móveis e para as crianças. Contratou-se cozinheira e empregadas sendo que as famílias da direcção seguiram adiante para preparar as coisas. No dia 28 de Maio (correspondente ao feriado do 25 de Abril de hoje), ficava assente que a colónia seria visitada pelas autoridades...
Também se fica sabendo que os sócios que não pagam cotas ou que trabalham para a Câmara Municipal a tempo inteiro eram expulsos do sindicato. E que o sindicato era suficientemente rico para dar à Comissão de Festas do Senhor Santo Cristo a importante soma de 500 escudos, correspondente hoje ao salário dum chefe de serviços do governo.
Nem tudo eram rosas. Manuel Arruda e Eduardo Soares são proibidos pela autoridade marítima de trabalhar.
O orçamento anual era de 250 contos e o saldo era positivo em 40 escudos como mandava o governo: produzir e poupar; mas a direcção lá foi reforçando as verbas da comida nas festas e no Natal e despesas da colónia de férias e dos pais das crianças, para que essa despesa não tivesse que sair da algibeira dos directores...
Havia já um Fundo de Assistência que servia para pagar medicamentos e pensões aos doentes e um posto clínico, com Raio X (coisa rara na ilha), procedendo a direcção a obras na cave da sede já então na Rua Joaquim Nunes da Silva, com a construção dum estrado por causa da saúde dos sócios que tinham de ali permanecer.
Para se ser estivador tinha que se passar dois anos como aprendiz.
Em 1956 assumem a presidência, da direcção Manuel Branco de Andrade, da Assembleia Geral Manuel de Almeida, mantendo-se Hipólito José da Silva no conselho fiscal. É esta direcção que vai estar em funções no ano de 1957 altura em que o General Humberto Delgado se candidata à Presidência da República contra Salazar que anuncia ir demitir se for eleito. Por essa razão os ânimos exaltam-se em todo o país. O Sindicato não foi excepção. Joaquim de Sousa Garcia por ter dito que as entidades patronais só querem que os estivadores sejam seus escravos e instigar os colegas à indisciplina é punido com suspensão por seis meses; João Inácio Cezília é punido com suspensão por 30 dias dos direitos ao Fundo de Assistência por ter faltado ao respeito à direcção e infringido o regulamento.
A massa associativa descontente insurge-se contra os baixos salários e a direcção resolve ouvir pessoas idóneas. Os sócios conspiram e a direcção teme ser desrespeitada. O Delegado de Trabalho quer uma escala com estivadores de primeira, velhinhos e aprendizes com salários diferentes. O sindicato não aceita.
Sem grandes explicações é nomeada pelo Governo de Lisboa, em 13 de Fevereiro de 1958, uma Comissão Administrativa presidida por Alcindo Bettencourt Santos Coutinho piloto da doca, Manuel de Almeida e Manuel de Castro Azevedo. O país estava em reboliço, Américo Tomás é proclamado, apesar das suspeitas de fraude eleitoral, Presidente da República, Humberto Delgado foge para o Brasil, acabando por ser assassinado, mais tarde, em Espanha. Salazar endurece o regime e abafa toda e qualquer agitação. O Sindicato passará a viver tutelado por estranhos ao serviço de interesses alheios à classe onde os empresários tinham maior peso.
Foi um longo período. Alcindo Coutinho, que chega a piloto-mor, preside pelo menos até 1965, só temos actas a partir de 1971, em que preside à Assembleia Geral Juvenal Jacinto do Rego, que continua exercendo esse cargo em 1972 e 73 sendo presidente da direcção em exercício António Urbano do Rego Martins, presidindo Leonardo Mota Cabral ao Conselho Fiscal. Em 1973, é eleito presidente o nosso conhecido Joaquim de Sousa Garcia, 16 anos depois de ter sido severamente castigado por acusar os patrões de tratarem os estivadores como escravos. Estamos aqui em plena primavera Marcelista e vão começar a acontecer coisas diferentes na vida sindical.
Os estivadores começam a reunir fora do sindicato. Contratam e enviam um advogado a Lisboa[1] porque querem deixar de receber à tonelada para começar a receber à hora. Apesar de proibida a greve eles, fazem-na de braços caídos, a bordo dos navios. Os jornais denunciam que os estivadores agrediram colegas para obterem dinheiro para o advogado ir a Lisboa. A PIDE intervém mandando inspectores de Lisboa que interrogam e amedrontam sócios do sindicato. Mas a batalha é vencida e os estivadores começam a receber à hora.
Em Abril de 1974, dá-se a revolução, a queda do regime, a restauração da democracia. Em Maio de 1975 reúne-se uma Assembleia Geral extraordinária. Preside José Ferreira Soares à comissão directiva provisória que por maioria esmagadora delibera aderir à União dos Sindicatos do Distrito de Ponta Delgada. Em 8 de Junho do mesmo ano, resolve por unanimidade aderir à Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores Portuários, histórica e decisiva medida sindical que iria revolucionar o poder reivindicativo da classe, a partir daí coordenado com o resto do País e passando a dispor do apoio duma equipe de dirigentes de categoria incontestável e dum jurista altamente especializado[2] em direito portuário como nenhum outro em Portugal e que nunca falharam sempre que solicitada a sua preciosa ajuda. Em 28 daquele mesmo mês, são aprovados os novos estatutos do sindicato, por unanimidade dos 203 sócios presentes, dos 276 que o sindicato então possuía.
Em Setembro, são eleitos os primeiros dirigentes da época democrática. Preside à nova direcção José Ferreira Soares. Roberto Maria da Paz Lopes dirige a Assembleia Geral e Silvestre Manuel Raposo Garcia o Conselho Fiscal. Em Março de 1976, prepara-se a regionalização sindical açoriana. Subitamente, em Maio, demite-se a direcção e manda-se proceder a inquérito aos sócios que ameaçaram os colegas que trabalhavam para além das 17 horas.
Em Julho desse mesmo ano, Manuel Alberto de Sousa é eleito presidente do Sindicato, Silvestre Garcia da Assembleia Geral e José Valdemar Alves Pereira para o Conselho Fiscal. Foi no seu mandato que ocorreu o facto histórico que julgo ter sucedido pela primeira vez na História dos Açores. Um dirigente sindical açoriano participou activamente numa sessão plenária da Organização Internacional do Trabalho, em Londres. Dos conhecimentos que daí trouxe muito haveriam de beneficiar os trabalhadores portuários, designadamente na retribuição do carregamento da pedra pomes e nos direitos sindicais. Depois dessa reunião que reuniu trabalhadores de vários continentes, as coisas nunca mais foram iguais e eu sou testemunha porque lá estive a assessorá-lo, de que Manuel Alberto de Sousa honrou a classe com a sua capacidade de trabalho e inteligência dos problemas técnicos do seu sector.
José Ferreira, porém, iria regressar em força à presidência porque a sua base de apoio era esmagadora e depois de presidir a uma direcção provisória, é eleito em 1977, com José Manuel Miguel e Manuel de Almeida e depois em 1980 com Marino Raposo Furtado e Sidónio Vieira em 1983, 1986 e 1989 com Júlio Pacheco no Conselho Fiscal.
Foi um longo mandato de 14 anos que só por si dá um livro, tantas foram as conquistas para a classe que muito contribuíram para o seu prestígio. A nível nacional não conheço dirigente que se possa gabar de ter governado nessa altura tão conturbada uma classe tão difícil com tanto sucesso. José Ferreira cai devido à reestruturação do sector feita pelos governos Cavaco Silva e a sua saída antecipada reacende a luta pelo poder.
É eleito então, em Julho de 1991, para presidente do Sindicato, Pedro Altino Martins Ribeiro, com Jordão Raposo na Assembleia Geral e Zeferino Viveiros no Conselho Fiscal. Foi o homem certo no lugar e na hora certas. Frio e ponderado, rodeado de prestígio entre todos os colegas, de poucas e boas palavras, a sua autoridade não teve contestação. No seu mandato foi deliberado fundar a associação de gestão da mão de obra portuária. Começava a modernização.
Em 1994, reestruturado o sector com imensas dificuldades técnicas e humanas, sobe ao poder José Manuel Pimentel Inácio Cezília, com José Joaquim da Câmara na Assembleia Geral e António Manuel Couto Pereira Duarte no Conselho Fiscal; em 1997, Pedro Manuel Subica da Silveira é eleito presidente da Assembleia Geral já com os novos estatutos aprovados por 80% dos seus 16 sócios. José Jacinto Silva Arruda preside ao novo Conselho de Fiscalização e José Manuel Cezília mantém a confiança dos seus pares.
É ainda cedo para historiar o valor da actual direcção cujo presidente vai com dez anos de altos serviços prestados à classe, hoje dispondo de pessoas no geral com grande cultura geral se compararmos com os tempos da escravatura que Joaquim Garcia denunciou com coragem em tempos tão perigosos.
As festas que culminam com este aniversário celebrado perante o respeito das altas entidades públicas e privadas que nos acompanham neste momento de júbilo, são a prova de que a caminhada, apesar de difícil, valeu a pena que os Açores só serão terra rica quando os seus trabalhadores o forem em saber, bem estar e progresso.
Carlos Melo Bento
12 de Maio de 2004
[1] Foi o autor destas linhas.
[2] Trata-se do dr. Silvestre Sousa.
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