segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

MANUEL JACINTO DA PONTE, pedagogo, republicano e autonomista

Conferência proferida nas I Jornadas de Toponímia
De Ponta Delgada, integrada no Painel III, Autonomia e Autonomistas na Toponímia, em 18 de Janeiro de 2005, no Centro Municipal de Cultura


O cortejo saiu da Rua Ernesto do Canto. O clima era de festa. A Câmara Nova estava então instalada no Palácio Canto, hoje Tribunal de Contas, e tratava-se de prestar homenagem a um dos autonomistas de 1895, há um ano falecido.

À frente, iam os Bombeiros, seguidos pelos meninos das escolas oficiais e particulares. Depois, iam os professores e alunos da Escola de Desenho Industrial; logo depois os professores da Escola Normal Primária e os da Escola Primária Superior. De seguida, os do Liceu e acompanhados da Academia com o seu estandarte. Aparecia então a Imprensa de Ponta Delgada que antecedia Sua Excelência o Senhor Governador do Distrito, Dr. Horácio Franco, o homem de Afonso Costa do Partido Democrático, no poder em Lisboa.

Aparecia então o Comandante militar da Ilha, acompanhado da oficialidade das unidades militares aqui estacionadas. E depois o Senhor Administrador do Concelho que se salientava entre os altos funcionários da Administração Pública. Seguia-se-lhes o Povo que em grande número quis associar-se à homenagem. Na cauda os Senhores Vereadores da senhora Câmara, encerrando o cortejo a Banda União Fraternal tocando o hino escolar.

Dirigiu o cortejo nem mais nem menos que o professor de dança e ginástica rítmica, formado em Paris, senhor Manuel Joaquim de Matos que o manteve ordeiramente organizado através da Rua Ernesto do Canto, Largo de Camões, Rua João Chagas, hoje novamente dos Mercadores, Largo da Matriz, Nascente e Norte subindo a Rua António José de Almeida, Machado dos Santos, chegando a horas ao pequeno Largo norte da Rua da Fonte Velha prestes a mudar de nome. Ali, estava construída uma tribuna de madeira engalanada de flores onde se podia ver uma bem trabalhada pedra de mármore com os dizeres - Rua Manoel Jacinto da Ponte -.

Aguardava o cortejo o senhor Albano da Ponte, filho do homenageado e a restante Família. Acomodada toda a gente, usaram então da palavra o vice presidente da Câmara Municipal em exercício, o Dr. Horácio Pinheiro, seguido pelo Inspector Escolar Senhor Manuel Moniz Morgado e finalmente o Governador Civil que descerrou a placa até aí coberta pela bandeira nacional ao som do Hino Nacional que a União executou na perfeição.

Referiram-se os oradores ao Mestre e ao Amigo na Rua onde este ensinara tantas e tantas gerações de micaelenses. Foi isto num Domingo dia 17 de Dezembro de 1922.

Quem é este Homem a quem Ponta Delgada concedeu a subida honra de atribuir o nome a uma das ruas mais centrais da sua multissecular cidade?

Nascera no século anterior na freguesia da Maia e definia-se a si próprio como “cristão, nessa fé tenho vivido e sob ela morrerei; fervoroso discípulo de Jesus, admirador e amante das dulcíssimas lições do cristianismo, onde reside a felicidade do homem e da Família e o bem estar de todos os povos do mundo”.

Mas, segundo ele próprio, não era um homem público, era um mestre escolar. “Soldado raso tenho sido sou e serei. Não tenho antepassados ilustres nem ilustríssimos. Sou menos ignorante que eles o foram mas tão obscuro como eles.”

Era republicano ainda do tempo do regime monárquico, pois que colaborou no República Federal com João Oliveira Raposo e foi Presidente da Comissão Executiva do Partido Republicano Liberal. E bastantes problemas sofreu por isso; professor do ensino particular, perdeu alunos e amizades por causa das suas ideias.

Não obstante, até o Visconde da Praia o quis contratar com avultada avença que teve de rejeitar para poder manter a liberdade de pensamento. A mesma que o levou a militar activamente no Movimento Autonomista de 93/95, ombreando com Aristides da Mota, Fonte Bela, Pereira Ataíde e Mont’Alverne. Depois da vitória, foi eleito para a primeira Junta Geral Autónoma, como Procurador de Ponta Delgada.

Ele foi a prova viva de que aquele Movimento não constituiu uma manifestação da classe dominante mas a expressão mais profunda do sentimento das pessoas inteligentes e cultas da Nossa Terra que não aceitam tutelas seja de quem for.

Deixou um legado para se fazer um Hospital na Maia e a Comissão encarregada de concretizar esse desejo mandou realizar naquela freguesia solenes exéquias por sua morte.

A Câmara Municipal de Ponta Delgada em 3 de Abril de 1922 deliberou “Deferindo um pedido que lhe fora feito por grande número de Munícipes , resolveu associar-se aquela homenagem dando à Rua da Fonte Velha o nome do prestante cidadão senhor Manuel Jacinto da Ponte, devendo comunicar-se esta sua resolução à sua viúva e filho”.

Essa Rua conhecida popularmente por Rua da Loiça e antes por Rua da Fonte Velha, excepto a parte sul que se chamava Travessa do Tanque, foi escolhida por ali ter tido ele a sua prestigiada Escola mas eu não resisto a lembrar um velho ditado popular desta Terra que se dizia quando aparecia algum emproado forasteiro de pêlo na venta, a querer mandar em nós: ”Este ainda não bebeu água da Fonte Velha...” o que, bem entendido, queria dizer que quando ele a bebia, perdia a proa e entrava nos varais. Alguém saberá onde pára essa Fonte?...
Carlos Melo Bento
2005-01-18

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