sábado, 16 de fevereiro de 2008

Autonomia, autodeterminação ou independência?




AÇORES: AUTONOMIA, AUTODETERMINAÇÃO OU INDEPENDÊNCIA?

Não é necessária qualquer nota prévia à publicação que resolvi fazer das palavras que proferi no dia 20 de Novembro de 1974, na Lagoa, a convite do respectivo Círculo de Amigos.
Vale por si o facto de o que foi escrito sobre o título de “Os Açores e Autodeterminação” ser pensado, sentido e pesado.
Sei os perigos que corro num país em que a tolerância não dá senão os primeiros passos, trôpegos, apoiada na demasiada jovem liberdade política que agora temos.
Mas essas palavras tinham de ser ditas por alguém. Coube-me a vez. Disse-as. Corriam dois riscos: um, o de serem palavras filhas da razão; o outro, de poderem ser interpretadas como espúrias do ridículo.
A quantidade de pessoas que me exprimiu, de tanto lado, a sua concordância, permite-me com segurança excluir a segunda alternativa.
Tenho razão e como tal, nada me pode impedir de a usar.
Gostaria de deixar bem assente a ideia de que as minhas actuais conclusões não são fruto de devaneios de ocioso mas são, tanto quanto pôde depreender, o caminho a que nos leva todo o desenrolar dum processo histórico nas suas determinantes. Eis o texto que então li:

“Ao aceitar o convite que me dirigiu em nome do Círculo de Amigos da Lagoa o prof. Jorge Amaral, para falar sobre um tema que me é caro a todos os títulos ou seja o da autodeterminação do povo a que pertenço, faço-o consciente da sua complexa acuidade, da sua importância no processo histórico que aqui se vive, nas suas implicações no futuro para aqueles que daqui a anos porventura se debrucem sobre os pensamentos que agora alinho, na esperança de cumprir o dever que me compete.
As sociedades como os organismos individuais têm a sua memória, (que neles se chama história) os seus centros de inteligência, decisão e vontade (que são os governos) e sangue que circula banhando todos, o qual, na sociedade, nós poderíamos parabolizar no povo.
Como todas as partes dum organismo estão votadas a um objectivo comum e único que é o da sobrevivência e geração, é mister que cada um consciencialize a função, que lhe cabe e, na medida do que lhe é possível, contribua para o fim visado para que o corpo social possa atingir os objectivos gerais a despeito das células que tenha de expurgar na incessante tarefa de renovação que lhe é imposta de fora.
Saber quando uma sociedade gera outra e esta se destaca, é porém facto que é mais fácil de conhecer quando, como e onde nos indivíduos, do que naquelas. Ambas porém se têm feito com uma certa dose de dor e sofrimento. Depois disto porém, não há maior amor nem mais sublime que aquele que une os dois seres: o velho e o novo.
Enquanto que as relações com terceiros serão sempre pautadas pelo interesse, pelo cálculo e quando muito pelo respeito, admiração ou medo, as relações entre duas sociedades, em que uma é filha doutra regem-se pelo supremo amor ao fruto da criação e, da parte deste ,pelo indestrutível e sagrado laço da filiação em que a obediência é natural, o sacrifício é espontâneo e fonte de alegria e o seu progresso é progresso de toda a árvore.
Se pelo contrário, o ser maternal se nega a dar à luz o que com prazer se concebeu, por medo da dor do nascimento, então toda a árvore periga e para evitar gangrena torna-se por vezes necessário arrancar a ferros o que teria sido facilmente obtido pelo cumprimento das leis da natureza.
É nosso destino sermos pacíficos e essa é uma constante que concretiza a superioridade do nosso viver. Não vemos necessidade de mudar de atitude. Mas do que não poderemos jamais abdicar é da nossa individualidade e do permanente e quiçá eterno esforço de pugnar denodadamente pela nossa sobrevivência como ser social diferenciado.
Desligados dos contactos com a velha Europa pela distância, fomos pelo desinteresse e pelo abandono, forçados há tantos séculos a emigrar para o continente americano. Brasil primeiro, a seguir para a América do Norte e, depois da última grande guerra, para o Canadá, forçosamente criámos uma maneira de ser que difere em alguns aspectos essenciais da de Portugal continental.
Não temos culpa se somos menos de 300 000 e nas Américas um milhão. Esse milhão de pais, irmãos, maridos, mulheres e filhos, têm necessariamente de nos influenciar, na sua linguagem, nos seus costumes, nos seus hábitos económicos, sociais e políticos.
Abriram-nos uma mentalidade tolerante, virada para o progresso, prenhe de iniciativa individual e preocupações sociais.
Criaram-nos um espírito de aventura que procura a riqueza no estrangeiro para a trazer para a sua terra onde quer leis que lhe permitam desenvolver harmonicamente o que conquistou com o trabalho de anos ou décadas. Ele não andou lá fora a mourejar para vir para cá dar o que tem aos outros.
Tudo isto criou aos açorianos desta última metade do século XX um cruel dilema que se vinha agudizando ultimamente e tomou foros de drama com a vertiginosa evolução da situação socio-política surgida depois daquilo a que os ingleses já chamam e com verdade a revolução mais civilizada do século.
Esse dilema desenvolve-se entre duas posições: a dos portugueses do continente que teimam em afirmar que queremos vender isto aos americanos.
E a dos açorianos que residem na América que nos acusam de querermos abrir as portas ao comunismo soviético, tradicional inimigo dos americanos.
O resultado disto é, por um lado, uma centralização política europeia, com tentativas mais ou menos camufladas, de criar problemas entre os açorianos luso-americanos pondo-os de lado nas negociações das bases americanas em nosso território; e criando por parte de certos movimentos políticos com sede no continente uma declarada animosidade contra tudo o que seja genuinamente açoriano.
O outro resultado é o boicote económico que nos foi declarado das Américas pois que desde o 25 de Abril que as remessas dos emigrantes decaíram desastrosamente com consequências imprevisíveis para a nossa economia que já abriu de par em par a porta do desemprego e do caudal da miséria que o acompanha.
Perante este crucial dilema compete-nos neste momento cortar as amarras que nos ligam à Europa e à América para que nos vejam enfim pelos óculos da verdade sem suspeitas degradantes nem acusações infames, iguais a nós mesmos com a dignidade de viver a que aspiramos, bem estar económico e social a que temos jus pelo nosso infatigável trabalho, vezes sem conta tão mal pago que não é raro ver-se homens sérios trabalharem denodadamente quase uma vida e terem depois, que emigrar para poderem pagar as dívidas.
Após a independência do Brasil, o velho império português, o mais antigo do mundo, manteve-se 150 anos intacto. Nós éramos sua parte integrante, mantivemo-nos fiéis às linhas mestras que Lisboa fixou.
Hoje que esse império se desmembrou já nada nos obriga à tese da unidade. Vamos buscar sozinhos a nossa ventura. Da tenacidade com que o fizermos dependerá o futuro das nossas gerações. Da honestidade com que trabalharmos virá a força da razão que nos assiste e a vitória será tão certa como certo é o nosso destino como povo, como civilização e como portugueses de origem. Assim Deus nos ajude.


1. AUTONOMIA, AUTODETERMINAÇÃO E INDEPENDÊNCIA

a) AUTONOMIA
Vejamos então para precisarmos ideias, em que consiste cada uma destas palavras: autonomia, autodedeternimação, independência.
Autonomia para alguns é “o direito que frui um país de se governar segundo as próprias leis,), ou Independência Administrativa”.
Segundo Kant, a autonomia da vontade tende a encontrar em si própria a lei das suas determinações. Para este filósofo a autonomia da vontade é o único princípio da moral.
Veremos mais tarde as aplicações deste pensamento à nossa situação concreta. Todavia o conceito da Autonomia pode ainda ser estudado sobre outros aspectos.
Segundo o direito canónico e seguindo o que nos diz Manuel Sotto Mayor, a autonomia é a situação jurídica de algumas igrejas cuja organização e governo não é totalmente independente, porque reconhecem uma autoridade eclesiástica superior que lhes sagra o bispo principal, envia o santo crisma e aceita apelações.
Durante muitos séculos, por exemplo, as igrejas do Oriente mantiveram-se em união com Roma, conservando, porém, independência sob o aspecto jurídico que lhes permitia manter as antigas tradições da liturgia, o regime eclesiástico, a teologia e a espiritualidade.
Segundo esta orientação, uma autonomia não total é compatível com o reconhecimento do primado de Roma.
Vejamos agora o significado da expressão autonomia à face dos seguintes ramos de direito, a saber: direito Internacional Público, direito Constitucional e direito Administrativo.
Quanto ao direito Internacional Público e segundo Santi Romano em sua obra “Decentramento administrativo”, autonomia exprime por contiguidade, por extensão de sentido o mesmo que autarquia, auto-governo, Self-Goverment...
A autonomia absoluta é assumida no exercício do proclamado direito da autodeterminação dos povos ou concedida a certos territórios pelo Estado de quem faziam parte”. Pelo que se vê e quanto a este ramo de direito, é difícil dizer onde acaba a autonomia e começa a autodeterminação ou independência, pois estas noções servem de base ou são desenvolvimento umas das outras.
Daí que tenhamos de regressar, também mais adiante, a este ramo de direito. Quanto ao direito Constitucional, também dito político ou ciência política, existe nele autonomia quando se confere a alguns órgãos poderes legislativos, executivos e judiciais. E em certos casos até (estado Federal) poderes constitucionais mas dentro do quadro do estado unitário ou composto.
Finalmente e para o direito administrativo temos que observar dentro da Autonomia três fenómenos. Primeiramente, a descentralização de poderes, isto é conceder a órgãos regionais não hierarquizados poderes que pertenciam ao poder central. Depois existe uma desconcentração de poderes, pois que se conferem a entidades regionais hierarquizadas com as do centro, alguns poderes destas últimas, mantendo-se todavia a dependência. E finalmente, o 3.º fenómeno ou seja a existência nos órgãos locais de poderes para arrecadar rendimentos e deles dispor como receita própria, aplicando-se à cobertura das despesas ordenadas por exclusiva autoridade sua segundo um orçamento privativo. Salvo o devido respeito por esta posição do Prof. Doutor Marques Guedes, antigo discípulo de Marcello Caetano, teremos que acrescentar que a autonomia financeira não ficará completa sem o que poderíamos designar por autonomia fiduciária isto é o poder conferido aos órgãos locais de emitirem uma moeda própria que seja o barómetro da saúde económico – financeira da autonomia, seu instrumento e sua garantia.

b) AUTODETERMINAÇÃO

Vejamos agora o que deve entender-se por essa expressão. Para o Prof. Gonçalves Pereira a autodeterminação é “a regra segundo a qual todos os povos devem poder escolher livremente as suas instituições políticas e determinar o seu destino”.
Para outros, porém, autodeterminação é “a faculdade dum povo determinar pelo voto dos seus habitantes o seu próprio destino político” (Lello). Para nós autodeterminação não é porém apenas isso, autodeterminação é a vontade juridicamente expressa por um povo que tomou consciência de que é autónomo, e portanto culto e civilizado, e daí livre de tutelas portanto emancipado que pretende por isso mesmo livremente escolher as leis que, em todos os escalões, hão-de pautar a sua própria vida. Leis sim mas as que ele compreender. Leis sim mas as que ele julgue oportunas e adequadas.
Enfim uma ordem jurídica casada com os factos, não apenas ecos distantes duma música provinda de instrumentos desconhecidos cuja melodia nos escapa porém, visto habitarmos numa onda de frequência diferente.
O artigo I.º, n.º 2 da Carta das Nações Unidas e o art.º 55 desse mesmo diploma definem autodeterminação como “o direito dos povos disporem de si próprios”.
Existe até uma declaração das Nações Unidas aprovada em 14 de Julho de 1972, segundo a qual “todos os povos têm o direito de livre determinação; em virtude deste direito determinam livremente o seu estatuto político e prosseguem livremente o seu desenvolvimento económico-social e cultural”.
Há porém entre os doutrinadores da maioria das Nações Unidas uma dificuldade: quem é o titular deste direito de autodeterminação?
Se não se conseguisse estabelecer um limite, uma base territorial para o reconhecimento desse "direito, o princípio da autodeterminação toma-se um princípio de dissolução dos Estados”. Para as Nações Unidas porém entende-se que o titular desse direito é a população das antigas dependências europeias, qualquer que seja o tempo que lá se encontrem.
Outra orientação entende que deve prevalecer a vontade do grupo maioritário e que há mais tempo habita este território diferenciado da metrópole europeia.
De qualquer dos modos, a doutrina dominante na Organização das Nações Unidas é aquela segundo a qual em caso de conflito, o princípio da autodeterminação prevalece, sobre o da integridade dos estados membros e isto, apesar dos termos expressos do art.º 7.º da Carta, sobre a competência exclusiva do Estado sobre as matérias de jurisdição interna! (Rosalynn Higgins, in «the Development of International Law Through the Political Organs of the United Nations”).

c) INDEPENDÊNCIA

Esta é a condição dum estado que não está subordinado a outro. Nos tempos que correm não é possível na prática a existência de tal desvinculação. Por mais que se procure, é difícil de descortinar um Estado que não esteja subordinado a outro quer economicamente, quer militarmente, quer ainda politicamente. Por isso a independência é, cada vez mais, relativa, surge apenas como um estatuto. O que melhor salvaguarda os interesses materiais e morais dos povos que a abraçam. Mas independência tem que existir antes de ser declarada. Porque quando se declara um povo independente e ele não tem condições para viver sem subordinações essenciais a outros povos, caímos no caos social, na desorganização económica e na mais odiosa das dependências. Poderíamos dizer agora (para logo o demonstrarmos) que apesar do povo açoriano ter sido dos povos portugueses a seguir ao brasileiro, o primeiro que esboçou um gesto no sentido da independência com a autonomia em 1895, não está ainda suficientemente preparado para um estatuto de independência que neste momento, salvo melhor opinião, lhe não serviria, embora seja inevitável a médio ou a longo prazo. Se a independência é, como ensina Rodrigues Queiró, a situação dos Estados que não tem acima de si nenhuma outra autoridade e portanto dirigem autonomamente todos os seus negócios internos e todas as suas relações exteriores, mais uma vez me convenço que tenho razão no que afirmo.
Segundo este mesmo professor, independência pode ser limitada a favor de organizações internacionais (para não falar nas federações de Estados e protectorados) como é o caso dos estados membros da O.N.U. por força do capítulo VII da Carta que faculta ao Conselho de Segurança a capacidade de decidir da aplicação das medidas necessárias à manutenção ou restabelecimento da paz e da segurança internacionais.
Os países membros do tratado de Varsóvia admitiram o princípio da soberania limitada, que lhes permitiu intervir na Hungria e Checoslováquia.


2. AS GRANDES CAMPANHAS AUTONOMISTAS.

Fixado pois o significado que demos às expressões com que vamos lidar daqui para diante, passemos em revista os grandes movimentos autonomistas que surgiram nesta ilha e nas outras, cujo significado social, político e jurídico muito contribuíram para cimentar o irreversível caminho para a autodeterminação que calcorreamos de novo.

a) A CAMPANHA 1893/95

O primeiro grande movimento surgiu no fim do século passado em S. Miguel e dá um dos primeiros passos com a publicação em Março de 1893 do primeiro número da “Autonomia dos Açores” jornal que embora editado por Jacinto Cardoso facilmente deixa transparecer a cada passo a pena de Mont’Alverne de Sequeira; nesse número se proclama: a livre administração dos Açores pelos açorianos e “àqueles que pedem um bom governo opomos: libertemo-nos do governo".
Nesse ano, em 19 de Fevereiro no velho Teatro Micaelense em Ponta Delgada, é eleita a comissão de propaganda da autonomia composta por Jácome Correia, Fonte Bella, Duarte Andrade Albuquerque Bettencourt, Francisco de Ataíde, José Maria Raposo de Amaral, Aristides da Mota, Caetano de Andrade de Albuquerque, Mont'Alverne de Sequeira, Luís Soares de Sousa e Manuel da Ponte.
Em Abril de 1893, haviam aderido à autonomia os seguintes jornais “Correio Micaelense”, “Persuasão, “Diário dos Açores”, “Diário de Anúncios”, “Vara da Justiça” e “.Aurora Povoacense”. A Lagoa a 4 de Abril de 1893, pela mão de Clemente António de Vasconcelos adere ao Movimento.
Em Maio de 1893, a “Verdade”, de Tomar, aprecia com palavras de justiça a atitude viril as reivindicações dos Açores.
Em 21 de Maio de 1893, anuncia-se que o relatório e projecto de Autonomia dos Açores elaborados pela subcomissão de expediente de que é relator o Dr. Caetano de Andrade estão concluídos; os outros dois elementos desta comissão são Aristides da Mota e Mont'Alverne Sequeira.
Em 8 de Maio de 1893, a Terceira adere à campanha através duma comissão de imprensa liderada por José Fonseca Abreu Castelo Branco.
Em Junho de 1893, é enviado aos deputados o relatório e projecto da autonomia já referidos; neles se prevê uma Junta Geral com um poder regulamentar, fiscal e tutelar em relação a todos os outros corpos administrativos. A apresentação do projecto aos deputados é feita pelo Dr. Dinis Mota, mas leva também a assinatura de dois outros deputados: Mariano Faria e Maia e Francisco Almeida Brito.
A 5 de Outubro de 1893, o «Autonómico» ameaça o governo de que promoverá a eleição de deputados pares Republicanos se a autonomia não for declarada em 1894.
Em 17 de Dezembro de 1893, a Comissão Autonómica que vinha reunindo febrilmente há mais de um mês, organiza-se em todo o Distrito.
Em 18 de Dezembro de 1893, José Maria Raposo do Amaral do Partido Progressista anuncia a adesão deste à autonomia.
A 15 de Janeiro de 1894, Serpa Pimentel, chefe Nacional do Partido Regenerador e sucessor aí de Fontes Pereira de Melo, ao responder à Comissão P. da Autonomia defende a Independência local, nos Açores dos seus apaniguados.
A 17 de Janeiro de 1894, «A Comissão promotora de autonomia administrativa dos Açores, neste Distrito, resolveu em sua sessão, que se realizou hoje às duas horas da tarde, apresentar a sufrágio popular os seguintes candidatos a pares e deputados por este círculo:

Pares do Reino
Conde Jácome Correia
Dr. Caetano Andrade Albuquerque

Deputados
Dr. Duarte Albuquerque Bettencourt,
Dr. Francisco Pereira Lopes Bettencourt.

Apoiamos com entusiasmo a resolução tomada pelos eleitos do comício de 19 de Fevereiro de1893 e estamos convencidos de que o povo há-de fazer triunfar os candidatos, que pela primeira vez vão ao seio da representação nacional defender os nossos direitos postergados”. Ponta Delgada 17 de Janeiro de 1894, in “Autonomia dos Açores”.
O Governador Civil de então tenta anular a candidatura dum dos autonomistas, o que provoca divisões no campo destes, pois Aristides da Mota e Jácome Correia tomam posições divergentes.
A 21 de Janeiro de 1894, anuncia-se a criação do Centro Católico Autonomista, em que o clero adere ao Movimento.
O Governador Civil António Moreira da Câmara Coutinho e a facção que o acompanha (Regeneradores) apresenta como candidatos para Pares: o Dr. Francisco Machado Faria e Maia e o Coronel Sousa Silva; para Deputados: Carlos Gomes Machado, Manuel Correia Medeiros e Henrique de Andrade.

Os Republicanos são o Dr. Teófilo Braga Filomeno da Câmara e João Pais Pinto (19 de Fevereiro de 1894).
Começa a campanha eleitoral e à saída da vila de Agua de Pau, depois dum entusiástico comício, às 10 horas da noite, os candidatos autonomistas são cobardemente atacados por um grupo de miseráveis que do alto da mais elevada trincheira lançaram sobre os carros enorme quantidade de pedra, de grande volume, tendo os cocheiros sido feridos, um com uma fractura no crânio e outro numa perna.
Já durante o comício, 3 ou 4 ébrios assalariados tentaram perturbar a ordem ao que o Regedor se opôs.
O Governador Civil é acusado pelos autonomistas de parcialidade e é ameaçado com a lei, senão proceder como lhe compete. O Governador Civil chefe duma das listas, transfere empregados públicos autonomistas, ameaça-os, corrompe os eleitores com obras públicas de última hora, impõe a força armada e suspende as garantias constitucionais.
A 25de Fevereiro de 1894 os autonomistas proclamam que, qualquer que sejam as ilegalidades e violências do partido no governo, não sairão da legalidade nem se emporcalharão nas imundícies dos outros.
A 18 de Março de 1894, comício na Lagoa dirigido por João Luís da Câmara, presidente do Município. Sem mais incidentes finda a campanha autonomista.
15 de Abril é fixado por edital do Governo Civil como data das eleições.
A 7 de Abril de 1894 o Governador Civil manda tropa para Povoação e Vila Franca afim de intimidar o eleitorado contra os autonomistas; os autonomistas protestam indignadamente.
Os “pobres autonomistas” ganham as eleições; eis os resultados que em 22 de Abril já eram conhecidos:
- Mont’Alverne de Sequeira: 9.466 votos
- Dr. Francisco Bettencourt Ataíde: 9.172
- Duarte Albuquerque Bettencourt: 8.752
- Henrique Andrade Bettencourt: 8.604
- Dr. Carlos M. Gomes Machado: 8.566
- Dr. Francisco Medeiros Pereira: 8.031
-Joaquim Teófilo Braga: 341
- Dr. Filomeno da Câmara: 341
- Dr. João Pais Pinto (Padre): 274
- Conselheiro Ernesto Medeiros Pinto: 106
- Francisco Almeida e Brito: 30
- Francisco Maria Supico: 4
- António Augusto P. Serpa: 1
- Caetano José Velho Cabral: 1
- Visconde do Porto Formoso: 1
-Jacinto de Andrade: 1
- José Silvério Ávila: 1
As vinganças sobre esta vitória não se fizeram esperar:
Na Ribeira Grande, todos os funcionários da Câmara que votaram nos Autonomistas foram despedidos. No Nordeste, dois autonomistas são perseguidos cobardemente.
Pouco depois, os autonomistas visitam a ilha Terceira desfazendo a lenda da rivalidade entre as duas ilhas que os continentais alimentam.
Em 2 de Março de 1895, Hintze Ribeiro assina o relatório do decreto ditatorial que estabelece o regime autonómico e nessa mesma data el-rei assina no Paço. Não é tudo o que se havia pedido mas é muito do que se esperava.
Em 1 de Fevereiro de 1894, a comissão autonomista declara a questão autonómica fora e acima dos partidos.
Em 7 de Dezembro de 1895, véspera das eleições administrativas, Mont'Alverne sugere: a ida às urnas mantendo a ordem e respeitando a lei.
Os autonomistas vencem de novo, o que provocou o pedido de demissão do governador Civil Dr. António Moreira da Câmara Coutinho. Duas derrotas tinham sido demais!

b) A CAMPANHA DE 1925

Do ponto de vista político, a mais importante campanha autonomista surgida após a vitória e 1894 foi levada a cabo em 1925 em pleno crepúsculo da 1.ª República quando os micaelenses e em geral os açorianos, ignoravam, como sempre acontece, o que se passava nos bastidores de Portugal Continental. Julgo poder fazer uma pequena resenha histórica onde apenas focarei o essencial dessa campanha. Torna-se útil tal resumo até porque nos consciencializará do que fizeram os da geração do princípio do século antes do sistema ditatorial que limitou ou deformou sem dúvida, toda a vivência político-administrativa que se lhe seguiu até aos nossos dias.
Depois disso, há que retomar o fio a meada. E digo retomar porque, como é evidente, na prática, houve nos últimos 48 anos um total centralismo completamente incompatível com a autonomia. A todos os regimes centralizadores são pesadas as autonomias, disse eu em 1970. É verdade.
Que o espírito autonómico se tenha mantido intacto, eis o grande milagre açoriano.
Na prática a campanha autonomista começou com a declaração pública feita em Março de 1925, pelo Dr., Franco que nos diz: «Os Açores estão cada vez mais autorizados a reclamar uma mais ampla autonomia».
Na mesma altura o Comandante Jaime de Sousa afirma:”Queremos administrar o que nos pertence: queremos a maior autonomia administrativa e ninguém mais do que os açorianos a tal tem direito».
Por outro lado, o Dr. Hermano de Medeiros defende o conceder mais ampla autonomia administrativa aos distritos insulares e declara em:
19 de Abril de 1925: “Os Açores para os açorianos”.
Em 15 de Agosto de 1925: “Nos Açores a Autonomia é uma necessidade duma tal acuidade que ninguém a poderá contestar ou negar”.
Justo seria que a nós competisse formular e organizar segundo as nossas necessidades as normas reguladoras da nossa vida económica e administrativa.
Para Emerson Ferreira, os Açores não devem, sem culpa sua estar sofrendo as consequências dos egoísmos parlamentares e executivos do Estado.
Em 16 de Setembro de 1925, José Bruno, proclama a ideia dum entendimento entre as forças políticas dos 4 círculos insulanos para a eleição dum bloco parlamentar insulano que “...se apresentasse na Câmara com o mandato e a missão de fazer triunfar as reivindicações dos dois arquipélagos”.
Um dos impulsionadores de toda a campanha e elo de ligação das forças Autonomistas foi o Dr. Gaspar Henriques com a sua: “Emancipação Administrativa”.
A 24 de Setembro de 1925 Mont'Alverne Sequeira declara:”Pugnemos denodadamente pela ampliação da autonomia.
Os autonomistas devem ir as urnas e há-de vencer a maioria, porque os eleitores micaelenses e marienses são homens na sua maioria livres e têm uma consciência que os guia”. E o septuagenário Aristides da Mota, no dia a seguir proclamaria: “Contem incondicionalmente os meus conterrâneos comigo e com tudo que eu possa fazer; sinto que me voltará o vigor da mocidade para ir por toda a parte pregar a nova cruzada.
Quem vier connosco fá-lo-á para honrar e defender a sua Pátria, a sua terra e a ordem social, defendendo ao mesmo tempo a pele em sangue”.
Em 2 de Outubro desse ano, o Partido Regionalista Micaelense aprova uma moção em que apoia as candidaturas independentes dos autonomistas Filomeno da Câmara e Amorim Ferreira.
Os autonomistas negam-se a entrar em acordo com quaisquer partidos continentais para apresentação de candidaturas conjuntas.
A 7 de Outubro, Mont'Alverne Sequeira e Read Henriques promotores da candidatura autonomista agradecem o apoio proclamado pelo Centro Católico em nome de quem assinam José dos Reis Fisher, João Corvelo d'Avila e António da Costa Ferreira.
Filomeno da Câmara proclama-se português de lei e açoriano de raça.
A 17 de Setembro já o Partido Regionalista Micaelense, o partido Republicano Nacionalista Micaelense e a Comissão das Candidaturas Autonomistas convidam os adeptos a vitoriar Filomeno da Câmara à sua chegada a Ponta Delgada.
No primeiro comício autonomista em Vila Franca do Campo falam: Aristides da Mota, Mont’Alverne e o Dr. António Câmara.
A 20 de Outubro, o Dr. Álvaro de Castro declara: “Sou favorável à aplicação nos distritos açorianos e muito em especial a Ponta Delgada, dum regime administrativo de completa descentralização administrativa e financeira”.
A 21, Aristides da Mota dirá: «Nós os ilhéus queremos viver com os nossos irmãos do continente sob o mesmo abençoado tecto, que os nossos comuns antepassados com tanto esforço e dedicação alçaram mas o edifício que ele abriga é muito grande, comporta muitas divisões, em algumas destas ainda que muito pequenas, nós queremos viver, com cozinha à parte, porque para nós é indigesto o esturrado do panelão comum».
A 23, o Partido Republicano Democrático inicia as suas actividades para as eleições.
A 24, António Hintze Ribeiro declara apresentar a sua candidatura e apoia Filomeno da Câmara
A 25, Álvaro da Costa responde a Aristides da Mota: «Cozinha não: Altar!”
A 27, há comícios autonomistas na Lagoa, Agua de Pau e Furnas e os autonomistas, Partido Regionalista, Partido Nacionalista e o Centro Católico confirmam as candidaturas.
A 31 de Outubro divulga-se o convite para um grande comício no Coliseu.
A 5 de Novembro, António Hintze Ribeiro desiste da candidatura pelo Partido Monárquico.
A 6, o Partido Republicano Português apresenta como candidato, Jaime Júlio de Sousa e Virgílio Saque. Um, oficial da marinha, deputado e ex-ministro. O outro, deputado e advogado.
O «Correio dos Açores.: “Chegou a hora da revolta dos escravos; é pois, pelos dois micaelenses ilustres que há-de iniciar-se o “Movimento de Libertação”.
À última hora corre boato de que podem acrescentar-se em 1.º lugar, o nome dum certo candidato não autonomista à lista desta; o Correio dos Açores apressa-se a desmentir.
Resultados das Eleições:
Filomeno da Câmara: 3.485 - Autonomista
Amorim Ferreira: 3.354 - Autonomista
Augusto Arruda: 1.742 - Direita Democrática
Jaime de Sousa: 1.207
J.O. San Bento 785
Virgílio Saque: 783
São as seguintes as listas autonomistas para as eleições administrativas que se seguiram:

Junta Geral

Ponta Delgada:
Dr. Aristides da Mota
Dr. Clemente Pereira da Costa
Dr. Duarte Manuel Bettencourt
Dr. Francisco Xavier Pacheco de Castro
Dr. Luís Bernardo Ataíde
André Pacheco de Castro
António Jacinto Ferreira
Luís Medeiros Albuquerque
Luís Sequeira de Medeiros

Lagoa:
Dr. Read Henriques
Dr. Pereira da Câmara
Dr. Riley da Mota
José da Silva Simões

Vila Franca do Campo
José M. Botelho
Dr. Urbano Mendonça Dias
José Leão
Teotónio Moniz

Povoação
Gustavo Adolfo Medeiros
Dr. Luís Medeiros Câmara
João Vaz Pacheco de Castro

Nordeste
Dr. Adolfo Martins Ferreira
João Maria de Aguiar
Dr. António de Melo
Virgínio Augusto Medeiros Botelho

R.Grande
António Tavares Torres
Francisco C. Botelho
Dr. Freire Leão Tavares
António Oliveira Botelho
Manuel António F. Coutinho
Sebastião Bettencourt do Canto

St. Maria
António Duarte Silva
António Morais Cordeiro
Guilherme Sousa Borges
Dr. Sousa Barroca

Para a Câmara de Ponta Delgada
Entre outros, Joaquim Maria Cabral, João H. Anglin, dr. Silveira Vicente.
Contra esta lista bateu-se a Concentração Democrática que foi evidentemente derrotada sendo o mais votado Autonomista o Dr. Aristides M. Mota 1.639 e o mais votado Democrata da Concentração obteve 495 votos.

c) PEQUENA TENTATIVA DE 1969

Restará agora fazer uma pequena resenha do que foi a ténue e infrutífera tentativa
autonomista de apresentar uma candidatura em 1969 à Assembleia Nacional em que tomei parte activa.
Antigo aluno de Marcello Caetano, devendo-lhe como jurista aquilo que um discípulo pode dever a um Mestre, vivi como poucos a alegria de o ver nomeado para chefe do poder executivo, outrora considerado como o cargo cujo titular exercia na prática o poder absoluto entre nós.
Constitucionalmente existia na verdade um Chefe de Estado que tecnicamente nomeava o Chefe do Governo. Na prática, esta disposição só funcionou duas vezes: a 1.ª quando Carmona nomeou Salazar 1.º Ministro em 1933 e a 2.ª quando o almirante Tomaz designou Marcello Caetano para esse cargo em 1968.
Não obstante, o primeiro discurso público de Marcello Caetano enchera o país de esperança pois aí se falava na restauração das liberdades, que o regime anterior suspendera, ou suprimira e até desrespeitara.
Como o país vivera até aí, pelo menos em certos sectores, com o receio de, com a saída ou morte de Salazar, rebentar uma guerra civil, os primeiros meses do Governo do Prof. Marcelo Caetano não afastaram as esperanças nele depositadas por muita gente.
E foi neste clima que se avizinharam as eleições de 1969. O Chefe do Governo proclamara que haveriam de ser honestas para que não houvesse dúvidas em parte alguma sobre os respectivos resultados.
E quando em Ponta Delgada se iniciaram os primeiros movimentos oposicionistas eu, que entretanto aceitara o cargo de vereador da Câmara de Ponta Delgada e que sempre fui autonomista, decidi-me a tentar impulsionar um movimento que tivesse por base essa ideologia.
Dos companheiros da hora o Dr. José Estrela Rego, distinto médico oftalmologista, foi aquele que mais influência teria na condução dos trabalhos que foram iniciados no escritório de Mariano Arruda Correia à R. do Aljube.
Presentes, além de Estrela Rego e do dono da casa, Joaquim Humberto Botelho Cabral, filho de autonomista e ele próprio grande entusiasta; o Eng.º Ribeiro Moura, tecnocrata cujos trabalhos de equipa haviam chegado ao nosso conhecimento como possível mentor duma reforma económica por que o arquipélago ansiava; presentes também um comerciante e um estudante; núcleo inicial do que pretendíamos pomposamente chamar o Movimento Autonomista.
A segunda reunião teve lugar alguns dias depois no meu escritório da Rua da Cruz, em 22 de Setembro de 1969 e, além do já referidos, esteve também presente o Dr. Jácome Correia, nome que lembrava a imagem de independência de espírito, altamente prestigiada em Ponta Delgada pela absoluta integridade do seu carácter.
Foi opinião geral, que não a minha, que as eleições não iriam ser a sério como as anteriores. E digo que não a minha porque a fé em Marcello Caetano me levara a acreditar na sua palavra e a discordar dos restantes micaelenses presentes.
Além disso, ao ser recebido pelo então Governador Luciano Machado Soares ficou a impressão de que simpatizava com o nosso Movimento, pois teve palavras que poderiam ser interpretadas como que de apoio.
Eu tinha lá ido levar pessoalmente o requerimento pedindo-lhe autorização para reunirmos.
A oposição democrática ultimava os preparativos para a apresentação daquela que foi a única lista que enfrentou aqui a União Nacional durante toda a existência desta.
E com êxito, pois os Drs. Borges Coutinho, Manuel Barbosa e João Silvestre ficariam em segundo lugar na oposição do País logo a seguir a Setúbal. O governo teve de pagar-lhes o custo das listas, conforme determinava, então, a lei eleitoral já que obtiveram mais de 20% de votos.
Nos bastidores da União Nacional, havia certo movimento, sendo aguardados com natural ansiedade os nomes que Lisboa haveria de sancionar da lista de 5 ou 6 candidatáveis que a comissão distrital enviara. Dava-se como certo os nomes de Armando Cândido, Vasconcelos Raposo e Arlindo Cabral.
Os autonomistas redobraram de esforços pois ansiava-se por uma abertura que aqueles nomes por certo não anunciavam possível.
Porém, na véspera do último dia para apresentação de candidaturas, a U.N. indicaria como candidatos os nomes de Magalhães Sousa, Sousa Pedro e Mota Amaral.
Para nós tinha sido de certo modo um êxito pois o movimento de pessoas que não haviam hostilizado o regime, fora dos quadros políticos vigentes na altura, há-de ter ajudado a repensar as propostas iniciais.
A improvisação com que o Movimento necessariamente nascera e a limitação dos prazos legais dentro dos quais todos nós nos queríamos manter, tornou impossível a apresentação da candidatura que ficou apenas como um gesto, para nós todavia de grande significado.
Quando em fins de 1973 fomos contactados para fazer parte de certas comissões da A.N.P. reunimo-nos uma vez mais. Desta feita em casa de Estrela Rego. Pesa-me a culpa da nossa entrada para aquela Associação uma vez que, como não tivesse esperança nem previa a possibilidade de um 25 de Abril, pensava que era melhor defendermos o nosso ideal dentro do regime do que fora dele.
Estrela Rego recusou inicialmente a sua colaboração e só depois de lhe lembrar a actividade de 1969 é que o seu espírito aceitou a participação naquilo de que nos afastáramos durante quase um lustre. Aceitou com a condição de entrarmos todos. A nossa influência foi ao ponto de conseguirmos que Ribeiro Moura fosse designado candidato a deputado em 1973 depois duma recusa formal do próprio Estrela Rego em aceitar o lugar.
Já na ANP, promovemos uma conferência sobre autonomia na Câmara Municipal e proclamamo-nos, autonomistas dentro do regime, no discurso que fiz ao cumprimentar o último governador que a Constituição de 1933 nos trouxe de fora, apesar da nossa oposição a essa nomeação traduzida no resultado dum inquérito que havíamos promovido em todo o Concelho de Ponta Delgada, a filiados e não só, o qual deu como resultado a vontade dos auscultados inclinar-se para a nomeação do Dr. Mota Amaral, para esse cargo.
Apesar deste resultado ter sido encaminhado para o Governo Central através dos deputados e da própria A.N.P. local, ao que julgo, Lisboa mais uma vez desprezou a vontade dos que aqui viviam.
Depois do 25 de Abril, não posso deixar de lamentar ter contribuído de forma tão decisiva para que os companheiros de ideal fizessem parte duma organização agora amaldiçoada cujos membros foram privados de certos direitos políticos.
Resta-me a consoladora esperança de que os meus concidadãos, nestas ilhas, me conhecem o bastante para ajuizarem da sinceridade do que faço e digo. E como o meu labor político só a eles se dirige e a mais ninguém porque os outros, os de fora, não me interessavam neste sentido, aguardarei o seu juízo se alguma vez me for dado a ele sujeitar-me.

3. AS ILHAS DOS OUTROS PAÍSES, COMO VIVEM?

Vejamos agora, antes de em simples esquema avaliarmos as nossas possibilidades de hoje, porque o tempo não dará para mais, qual solução que em outros países se dá a casos como o nosso.
Disponho, por amável deferência dum meu aluno de Princípios de Direito Administrativo da “Constitutional and Administrative Law” de S.A. Smith, professor de leis de Inglaterra, na Universidade de Cambridge, edição de 1973.
A Inglaterra a despeito de ser ela própria uma ilha, tem algumas ilhas à sua volta com uma população branca da mesma raça e origem daquela que habita a Grã-Bretanha.
Umas são as ilhas do Canal, a outra, é a ilha de Man com as suas 221 milhas quadradas e, em 1961, com 50 000 habitantes. Estudemos esta pequena ilha que terá um pouco menos da área e população da Ilha Terceira, do nosso arquipélago, e fica situada entre a Grã-Bretanha e a Irlanda.
O senhor desta ilha em 1765 vendeu os seus direitos à Coroa da Inglaterra por 70.000 libras, e o monarca inglês publicou um Revestment Act dessa data, que é ainda laço constitucional que liga os dois países. A ilha é governada pelo Tynwald que consiste num governador, um conselho legislativo e uma Câmara de Keys com 24 membros eleitos.
As leis aprovadas pelo Tynwald têm a promulgação real. A justiça é administrada por dois conselheiros; há também um Procurador-geral e um magistrado do quadro. Os impostos são inferiores aos da Inglaterra, estando os habitantes isentos do imposto complementar.
Esta ilha é assim uma dependência da coroa inglesa mas não faz parte do reino Unido, sendo por isso um domínio de sua Majestade, e embora caia sob a definição de possessão britânica, não é uma colónia. O seu status é único, é sui generis.
As suas instituições são muito antigas havendo um Privy Council que actua sob a recomendação de comités. O principal canal de comunicação entre a Inglaterra e a ilha são o Ministério e o Secretariado do Interior que são figuras dominantes no Privy Council, o qual muito raro actua como corpo deliberativo; o Order in Council promulga as leis. A maior parte destas são baseadas no costume.
Os recursos são interpostos para o comité Judicial do Privy Council. O Governo do reino Unido é responsável pela defesa e relações internacionais da ilha.
50% dos impostos cobrados na ilha são pagos à Inglaterra para custear as despesas de defesa e representação internacional.
Os produtos da ilha são exportados para a Inglaterra livres de impostos. E os habitantes de Man recusam a omnipotência legislativa do Parlamento Inglês.
Em 1970, foi estabelecido um comité consultivo conjunto, composto por membros em igual número representativos do reino Unido e do Governo da Ilha.
As ilhas do Canal (Jersey e Guerneseys) aquela de 45 milhas quadradas e 52.000 habitantes e esta de 24 milhas quadradas e 45.000 habitantes, são administradas pelos “Comités dos Estados” que formam o Parlamento da ilha. Este é constituído pelo Bailiff que preside, 12 senadores eleitos por 9 anos (4 são substituídos de 3 em 3 anos e tomam-se inelegíveis), 28 deputados eleitos por 3 anos e os notáveis das 12 paróquias que são membros do States por dever de ofício.
O Governador representa a Rainha, tem lugar mas não vota, tendo em teoria o direito de veto.
O tribunal é constituído pelo Bailliff, jurados eleitos por um colégio eleitoral (antes por sufrágio directo), oficiais da coroa e outros funcionários. Muitos deles são ilhéus que prestaram relevantes serviços à ilha. Decide a matéria de facto.
O Bailliff decide a lei aplicável, ele é nomeado pela coroa de acordo com consultas prévias à população local.
Há leis de duas espécies votadas pela Câmara legislativa: as primeiras necessitam do assento régio para vigorar. As outras não.
As leis do Parlamento Inglês só são aplicáveis nas ilhas por consentimento expresso dos ilhéus.

4. AÇORES E AUTODETERMINAÇAO

E nós?
Qual de nós não pensará com tristeza que o mais humilde camponês do continente é mais rico do que o maior ricaço desta terra?
Sim porque esse camponês por escudos 200$00, de comboio, tem à sua disposição especialistas em qualquer doença.
Pelo mesmo preço vai a Lisboa, Coimbra, Porto ou Évora ver se o filho está mesmo a estudar ou se lhe está a gastar o dinheiro suado em fantasias inúteis.
Da mesma maneira vai ao Terreiro do Paço reclamar duma injustiça.
Tem televisão, jornais, teatro, cafés, feiras, circos, cinemas, escolas perto, liceus a dois passos, universidades 5 ou 6, pode conhecer a Europa por dez reis de mel coado, não lhe faltam bibliotecas, nem museus, nem fado, nem Fátima, nem futebol. Sendo pobre tem porém tudo isso à disposição.
E nós? Mar e ar por seis contos a passagem, fora a estadia. E nós? Temos igualzinho mas sem tirar nem por os mesmos impostos e as mesmas leis; resta-nos essa consolação. Ah?! e o mesmo Governo!
Podes morrer com uma peritonite, por falta de médico no cais das Velas em S. Jorge, porque há mau tempo no Canal, podes perder o concurso por não ter avião nem livros nem contactos que te levem à mesma posição dos que no continente te enfrentarão, podes ter um falar diferente (que te escarnecem) e uma nomenclatura medieva; podes perder o exame de admissão à Universidade ou passar fome por a mesada ficar retida em S.Miguel pelo mau tempo, 15 dias; podes parecer um bicho do buraco para te enganarem à chegada a Lisboa, podes ser filho de mãe solteira porque teu pai esteve aqui na guerra do ananás e resolveu enganar a tua mãe e não casar com ela porque não era da terra dele; podes ser funcionário público e estar com o ordenado semanas sem chegar; podes ser preterido no concurso da Caixa por não seres de Lisboa; podes ser obrigado a assinar papéis para entrares na tua terra vindo do continente; podes ser obrigado a falir porque não deixam os teus produtos entrar em Lisboa, podes ter o projecto da tua casa dez anos para ser despachado; podem-te tirar as empresas que eram públicas e deixaram de o ser; podes ter que emigrar para pagar as dívidas apesar de seres honesto e teres trabalhado toda a vida mas temos as mesmas leis e se venderes uma sanduíche por 20 centavos a mais apanhas 18 dias de cadeia porque a tabela em Lisboa é assim; e se venderes revistas dois escudos mais, apanhas 30; se os tribunais de Lisboa te condenarem por não teres apresentado lá testemunhas e não teres constituído um advogado, tens é que te calar e pagar.
Pagas isso porque as leis são as mesmas e os impostos também que isto de igualdade nos deveres é o melhor que há.
Mas então do que precisamos nós? Em 1.º lugar que não venha para cá dar sentenças quem aqui está há dois dias e tenham o mais elementar dos respeitos pela terra e pela vontade das pessoas; porque se restauraram a liberdade, nós somos homens livres e a maior prerrogativa dos homens livres é determinar as leis porque se hão-de reger.
Somos diferentes porque somos ilhéus, distantes e abandonados; séculos.
A nossa cultura evoluiu em certo sentido que não o do continente da República.
As nossas necessidades são diferentes; precisamos de portos de pesca em mais lugares, um aeroporto em cada ilha; Universidade; poder legislar sobre matéria económica e financeira, fiscal, emigração, turismo, etc. etc.
Precisamos ter um Governo escolhido por nós que arrecade tudo o que produzimos mas tudo, que use uma política tributária adaptada às nossas necessidades, isentando o que quisermos beneficiar e reprovando o que não nos convier; um governo que execute leis que formos nós a fazer para as nossas necessidades e que seja destituído por nós quando nos não servir. A lei fez-se para o Homem e não o Homem ara a lei. Mas nós não. Aqui temos que ser fantoches obedecendo a leis que foram feitas pensando em outros.
E temos que ter um tribunal novo e nosso que fixe jurisprudência superior com base nas realidades locais e não esteja ao sabor dos casos continentais.
Pois bem, isso é o que nós pretendemos. Chama-se isso autodeterminação? Deixá-lo pois é disso que precisamos. Acabamos de vez com os tabus e o terror às palavras santas proibidas. As coisas chamam-se pelo verdadeiro nome.
E se daqui a dez anos tivermos universidades, hospitais, fábricas, aeroportos, hotéis, turismo.
VIDA! pois então que seja declarada a nossa independência para que não se torne a repetir a vida de escravos.
Pobres sim mas donos do que é nosso.
Homens sim, mas não escravos, assim queiram Deus! e os homens. Dificuldades vão haver imensas. Primeiro há quem de tal não aproveite. E esses são os que gozam com o actual estado de coisas: aqueles que têm terras e fábricas e vivem no continente beneficiando da ausência da moeda insulana para nos esvaziarem os cofres com o que lá gastam; os que têm os mercados daqui garantidos pois são eles que não nos deixam comprar ao estrangeiro que é mais barato e nós precisamos como é o caso do cimento, ou das companhias de aviação; quem quer comprar aqui não pode fazê-lo senão passando pelo mercado continental; Beneficiam os que tendo influência em Lisboa podem ser nomeados para cargos públicos ou semi públicos aqui, independentemente da vontade dos indígenas.
Beneficiam os que tendo influência em Lisboa, podem obter monopólios de fabrico ou comércio daqui sem o mínimo lucro para nós.
Beneficiam os que cá nunca seriam escolhidos por nós e nos são impostos de fora.
Todos esses vão lançar e já estão lançando, uma campanha de descrédito contra o ideal autonomista, todos esses nos vão tentar dividir com medos, promessas ou ofertas eleiçoeiras. Vão-nos ameaçar com prisões que já não têm, com balas que já não matam e ódios que nós não queremos.
Mas tudo será em vão. É a história que no-lo diz e ensina. O destino dos povos oprimidos por leis injustas é mais forte que o mais poderoso dos exércitos.
É por isso, pois, necessário que surjam autonomistas nas próximas eleições para a Assembleia Constituinte; nas ilhas todas e na América e Canadá donde os nossos emigrantes agora com direito de voto deverão também trazer os seus deputados, é preciso que vá alguém dinamizá-los e ensinar-lhes a nova generosa lei eleitoral;
Seremos uma vintena, aquele grupo de vinte deputados com que sonhava em 1925, Amorim Ferreira «seria, diz ele, uma força que decidirá tudo no parlamento».
Esse grupo terá de defender que da nova Constituição conste um preceito que reze: «Os Açores de agora para futuro ficarão sujeitos a um regime especial de autodeterminação pelo qual o povo açoriano poderá fazer leis próprias, escolher o seu governo e ter tribunais privativos».
«A defesa e representação internacional dos Açores competirão ao Governo da Mãe Pátria portuguesa enquanto as circunstâncias o exigirem ou aconselharem».
E quando o povo açoriano em plebiscito afirmar a Portugal, Pátria querida e imortal, que pretende a sua total independência, então que a Mãe da lusitanidade os proclame livres e independentes e os ajude a caminhar, como tem feito aos outros que procriou, para que deixemos de vez de ser estrangeiros na própria Pátria.

Lagoa, 20 de Novembro de 1974
Carlos Melo Bento

1 comentário:

rapace disse...

Melo Bento, eu sou português e li com interesse o seu artigo. Tal como tu também sou independentista e defendo a vossa independência. Os teus argumentos são: não ser estrangeiro na própria terra, ter direito na própria terra a um lugar de relevo que não seja ocupado por portugueses...
As minhas razões de independentista são: as ilhas dos açores ficam caras, são parcelas sempre a somar, tenho de pagar a luz, água (...) de todos os açorianos, tenho de pagar um governo regional com presidente, deputados, minha nossa senhora, um balúrdio. Por tudo isto tal como tu também sou independentista. Em Portugal começa a haver muita gente que pensa como eu tal como penso que muitos açorianos pensam como tu. Temos de ressuscitar 75, eu sei que foste à luta nessa altura, que foste preso, mas nunca é demais sonhar... Se fizerem hoje nova manifestação, com a crise que está em Portugal, Portugal largará por decerto os açores. Aí ficarão melhor com outro país a custear-vos e nós aqui também com menos despesa, pois os açores ficam num balúrdio. Quanto a cavaco não lhe ligues, a importância do mar para nós é relativa, pois até nessa componente temos de importar peixe. Os políticos não prestam e tu tal como eu sabemos disso como ninguém, vê o que fez mota amaral aquando as vossas reivndicações, vendeu-se a Portugal.
Vamos juntos manter contacto para um sonho em comum: A vossa e porque não também a nossa independência, nem que seja financeira.