sábado, 30 de outubro de 2010

Sobre o centenário da República no Nordeste 1910-2010

Conferência proferida na Escola Secundária do Nordeste
Monarquia é, como se sabe, o governo dum só, por graça de Deus, até à Revolução Francesa e daí para diante por mandado do povo que diz quem manda. Na história, os Monarcas aguentam-se ou não conforme as circunstâncias. O nosso que vinha pelo menos desde 1143, acaba assassinado em 1908 – chamou-se a esse crime: o regicídio. Dois anos depois vêm os republicanos e a última Família Real reinante (com o rei impreparado de 19 anos de idade) foge para sempre.
Durante a monarquia, os açorianos foram muitas vezes chamados a altos cargos. Manuel Pamplona Corte Real matemático da Terceira, general do exército, conde Subserra é primeiro ministro de D. João VI (Ministro assistente ao despacho) à volta de 1821.
António José de Ávila, de filho de modesto sapateiro do Faial, forma-se em filosofia em Coimbra e chega a duque de Ávila e Bolama e primeiro ministro de D. Luís.
Ernesto Hintze Ribeiro (1849-1907), filho dum comerciante de Ponta Delgada, doutora-se em direito e chega a primeiro ministro de D. Carlos em 1893.
Começa a sua vida política parlamentar como deputado pelo Nordeste, em 1878, devido à sua amizade com António Alves de Oliveira 1847-1936, a quem se mostrou sempre grato, dotando o concelho com obras muito importantes (Câmara, Viaduto, Farol, estrada da Tronqueira, etc.).
A decadência da monarquia: o regime monárquico foi-se degradando, a partir de determinada altura. Ditados populares traduzem essa degradação que era manifesta na primeira década do século XX: “Pai rico, filho barão, neto ladrão”. Ou este outro: “Foge cão que te faço Barão; mas para onde se me fazem visconde?”.
Não obstante, os titulares foram sempre escolhidos entre pessoas de valimento quer cultural (Visconde Camilo de Castelo Branco), económico, como o Barão da Fonte Bela, ou político como o Visconde da Palmeira: Manuel Jacinto Lopes nascido nesta Vila do Nordeste, na rua com o seu nome em casa que ofereceu ao Município. Muito jovem parte para a Vila Franca, trabalha no comércio, estabelece-se por sua contra e casa com uma viúva muito rica da alta nobreza micaelense, Maria Carlota Moreira da Câmara, Viúva de Arsénio Botelho de Gusmão de quem não teria filhos. Desenvolve a fortuna, e, no ano em que o amigo de seu amigo Alves de Oliveira (Ernesto Hintze Ribeiro) chega a primeiro ministro, fá-lo Visconde da Palmeira, que era já grande benemérito e lúcido político regenerador. Estava ele como administrador do Concelho de Vila Franca do Campo quando chegou a República pelo telégrafo. Logo dá posse ao académico Mariano Arruda e é também aclamado pelo povo. Aderiu a 12 de Outubro à República tornando-se um dos inumeráveis “adesivos” nome porque ficaram conhecidos os monárquicos que rapidamente aderiram à República.
Todavia, não vai ser nordestense o primeiro cidadão nomeado para governar a décima ilha. Com efeito, João Vaz Pacheco de Castro, é o primeiro líder republicano no Nordeste para onde fora há pouco nomeado notário. Francisco Luís Tavares, o novo governador, talentoso advogado do partido Regionalista Micaelense, do grupo de António José de Almeida, encarrega-o de organizar o novo regime neste concelho. Político ousado – caudilho temido, Castro vai chamar para junto de si Horácio Moniz de Medeiros, Francisco de Medeiros Botelho, António Machado Macedo e Jacinto de Medeiros.
Enquanto Francisco Luís Tavares, com Luís Bernardo e Evaristo Menezes se encarregam, em Ponta Delgada, de expulsar as irmãs de S. José de Clunny que dirigiam os colégios femininos mais importantes da ilha e a Sinagoga da cidade faz uma bênção especial ao Presidente da República e ao governo, presidido por Teófilo de Braga, o micaelense que chegara a professor da Universidade e que se torna assim no quarto açoriano a ocupar esse elevado cargo.
A Câmara Municipal do Nordeste resolve então mudar o nome das ruas, táctica usada em todo o país. A Rua da Vera Cruz passa a 5 de Outubro; a do Prior Pereira passa a Cândido dos Reis, o almirante suicida; a do Capitão-Mor toma o nome de Miguel Bombarda que um louco, seu doente, assassinara naquela altura; a Rua do Capitão Machado muda para Machado dos Santos em homenagem ao herói republicano da Rotunda. A multi secular Praça do Município muda para da República e o Largo da Igreja passa a ter o nome oficial de Largo Teófilo de Braga.
Estão por estudar as consequências políticas da implantação da República no Nordeste mas não foi pacífica, obrigando à intervenção duma força militar que se terá demorado mais tempo que o esperado. Comandou essa força o capitão Alfredo da Câmara que foi alvo de chacota dos jornais humorísticos, como O Direito do Povo. Numa secção que intitulava Os impossíveis, este jornal de Ponta Delgada, considerava impossível saber-se como tem passado pelo Nordeste o capitão Choradinho ou impossível não se dar bem nesta Vila pois já tinha mandado fazer um pátio para as galinhas oferecidas. Como era impossível ser preciso continuar por estes sítios o terrível exército, a não ser por uma questão de veraneio. Mas a questão não é essa. No Nordeste tinha sido muito contestado o Registo Civil obrigatório, que até aí era apenas feito gratuitamente na Igreja, e que passa a ser pago.
Há alusões na imprensa da cidade a facciosismos da Câmara Municipal do Nordeste na publicação dos seus anúncios na imprensa local, no que os outros jornais chamam “o caso do Nordeste”.
Manuel Augusto de Amaral, o poeta de Água de Pau, que morava na Ladeira dos Pinheiros, em Ponta Delgada, publica então um poemeto intitulado Pátria Nova, que a Farmácia Duarte tem à venda nesta Vila.
Os nordestenses não ficam parados tentando lutar contra o seu pior inimigo: o isolamento. E a Junta Geral é obrigada a aprovar uma estrada de rodados para o Nordeste, sendo certo que o concurso do lanço Feteira Achada ficou sem empreiteiro concorrente.
Vejamos agora duas importantes figuras da República que nasceram neste concelho e aqui se criaram mas que se iriam transformar nas personalidades mais em destaque da política da 1.ª República nos Açores. Antiga família da Achada, os Francos, chegam ao século XIX, situados na classe média alta. São figuras proeminentes dessa família, o poeta e malogrado sacerdote, Manuel de Medeiros Franco que iria ter um destino misterioso e trágico, que Almeida Mello divulgou num dos seus saborosos livros, e o professor Júlio de Melo a quem certamente ficaram a dever as primeiras letras. A mãe de António e Horácio Franco destinou-os ao Seminário de Angra onde estiveram alguns anos. Todavia não era a sua vocação, tendo através das irmãs conseguido que a mãe aceitasse outro destino para os filhos. Vieram para o liceu de Ponta Delgada estudar e daqui seguiram para Coimbra onde se formaram os dois em direito. Pediram dinheiro emprestado ao Marquês Jácome Correia que pagaram religiosamente próprio e juro depois de formados. Ajudaram ainda no dote das irmãs. Foram ambos notários e advogados e políticos do Partido Republicado Português que ficou na história como partido democrático de Afonso Costa.
O mais velho deles António de Medeiros Franco, 1882-1959, forma-se em 1911; orador eloquente, poeta inspirado (Quando se acorda de um sonho/Feito de Luz e Esperança/É doce o hino risonho/dos beijos duma criança), grande escritor e músico notável, tendo chegado a reger o Órfeon Académico de Coimbra, em Paris.
Deputado (1915/17), Senador da República 1922-1925 (chega a ser convidado para Ministro, lugar que recusou), consegue ampliar os poderes das Juntas Gerais permitindo-lhes vender bens sem autorização prévia de Lisboa para aquisição de material hospitalar. É nomeado Governador Civil de Ponta Delgada em 1917 quando a revolução de Sidónio Pais o afasta.
A escola da Achada tem o seu nome.
Seu irmão mais novo, Horácio de Medeiros Franco, 1888-1952, é ajudado por ele e, segundo promessa feita no leito de morte de seu Pai, terá o mesmo percurso profissional e político. Foi Governador Civil de 1921-1923. Era maçon iniciado em 1914, com o nome secreto de Augusto Conte, da Loja Companheiros da Paz, de Ponta Delgada, onde teve a categoria de venerável no período mais difícil da existência daquela organização clandestina: 1926-1932. Salazar não lhe perdoou a ousadia e acabou castigando-o através dum processo cujos contornos ainda hoje estão por esclarecer.
Foram tão importantes no seu tempo, estes irmãos Francos que os adversários diziam que a Junta Geral que eles dominavam, valia pouco: - Só dois francos, que ao tempo era a moeda francesa.
Gostava, para acabar, de lhes ler agora um decreto forjado pelo jornal humorístico Direito do Povo, que mostra bem o clima da época, na altura em que se deu o contra ataque dos monárquicos e em que tudo parecia incerto, nas hostes republicanas:
D E C R E T O
Considerando, quão funesta foi a monarchia, demolida em 5 de outubro de 1910; e considerando que o novo regimen precisa de uma vez para sempre ficar ficar implantado em Portugal e nas ilhas adjacentes…
Considerando que, para tanto é preciso eliminar tudo o quanto recorde o antigo regímen
“O Direito do Povo, jornal de maior circulação em S. Miguel faz saber que de accordo com o Governo Provisório da Republica Portuguesa, decreta para valer como lei o seguinte:
Art.º 1 – É abolido para todo o sempre a realidade dos factos…
ART.º 2 – O adverbio realmente, passando-se provisoriamente a dizer: democraticamente.
ART.º 3 – Nas escolas fica banido o ensino da prova real…
ART.º 4 – Nos jogos de cartas não podem figurar os Reis, sendo em S. Miguel substituidos pelos democratas: Martins – az de paus, Pedro – de espadas, Amâncio – de ouros, - e Cláudio – de copas…
ART.º 5 – É abolido o real d’agua e todos os Corte Real…
ART.º 6 – Não são válidos desde o presente decreto os nomes Luiz dos Reis, Germano S. dos Reis, Anthero dos Reis e outros, podendo ser substituidos por nomes de revolucionarios.
ART.º 7 – Nas propagandas republicanas não se pode dar vidas ao Sr. Capitão Reis, podendo dizer-se Viva o Sr. Germano Republicano.
ART.º 8 – São abolidas as corôas e os 500 reis passando em S. Miguel a valer 500 Franciscos, Brunos etc…
ART.º 9 – Pelo preceituado no art.º anterior os padres passarão a abrir em vez da dita um R grande quer dizer republica (que diz só Custodi).
ART.º 10 – Pela mesma razão são abolidas as coroas funerárias.
ART.º 11 - Fica proibido d’hoje para o futuro fazer-se corte seja a quem for…
ART.º 12 - As bandas fanfarras tunas, deixarão de ter regentes…
ART.º 13 - Fica banida a epocha do Carnaval por ser o tempo da Reinação.
ART.º 14 – A agua das Lombadas passará a chamar-se em vez da Rainha das aguas a cidadã agua do Salazar.
ART.º 15 – É proscripto para todo o sempre as palavras Deus… santo… e reino dos ceus. Assumindo aquela presidência o Evaristo com a língua de fora.
ART.º 16 – Nos jornaes não se dirá: amanhã realisa… uma conferencia F… mas amanhã Francisca-se… Germanisa-se…Martinisa-se etc.
ART.º 17 –Fica revogada a legislação em contrario.
Que todas as auctoridades façam imprimir, publicar aos jornaes em circulares e fixar nos logares públicos.
Dado na Rua do Gaspar na presença da policia toda, aos 13 de maio de 1911. Pelo Governo Provisorio
O Jornal O Direito do Povo
E agora a sério, transcrevo um anúncio importante do Diário dos Açores de Outubro de 1910:
Aos bons republicanos: vinho de cheiro do melhor só na rua da Louça!”
Tenham um bom centenário.
Carlos Melo Bento - 4 de Outubro de 2010

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