Permita-me V. Exa. que saúde duma forma particular a senhora Vereadora da Cultura Dr.ª. Leonor Cristina Matos Lêdo da Fonseca que por motivos ponderosos não conseguiu estar presente nesta sessão de lançamento do livro Outros Sóis da poetisa de Espinho Fernanda Cabral. O apoio que ela dispensou a esta iniciativa e a vossa grata presença aqui, são simbólicos do valor que a sua Administração dá à cultura, único valor perene da nossa civilização. Bem-hajam por isso.
Minhas Senhoras e Meus Senhores
Paulo Bonfim, o príncipe dos poetas brasileiros, descendente dos Botelho Arruda, dos primeiros povoadores do Arquipélago dos Açores, disse, numa das suas frequentes visitas à Mãe Pátria, que uma pessoa verdadeiramente livre é uma ameaça cósmica. E não há pessoa mais livre que um poeta.
Não quero, meus senhores, com isto significar que a nossa poetisa, Fernanda Cabral, seja uma ameaça e menos ainda cósmica, mas que os seus poemas abalam o espírito no sentido mais positivo desta expressão, disso não tenho dúvidas.
Contatei pessoal e intimamente com três grandes poetas açorianos, dois sobejamente conhecidos em todo o mundo português, Vitorino Nemésio e Natália Correia, endiabrados e insubmissos, belos no seu canto poético, profetas da vida e encantadores de alma.
E conheci bem Armando Cortes Rodrigues, o amigo íntimo de Fernando Pessoa, que depois de o acompanhar no Orfeu com poesia modernista, recolheu a penates e louvou o cântico das fontes e descreveu a vida quando o mar, essa planície inquieta, galgou a terra, fechando-se na sua concha açoriana mas criando os mais esmerados poemas que a terra de Antero de Quental produziu.
Todos eles de feitio dificílimo e ao mesmo tempo fascinante, sem respeitarem nada a não ser eles próprios e as suas obras. Só agora conheci pessoalmente Fernanda Cabral, mas desde que li o seu primeiro poema no facebook, fiquei com a ideia de que ela pertencia por legítimo direito, ao fechado clube dos poetas.
O embaixador Pracana Martins, um dos nossos contemporâneos mais cultos, disse de Fernanda que a sua poesia tinha música, beleza e encanto. É isso mesmo que me transmitiram os seus versos. A doçura dum canto espontâneo que não é pretensioso mas encanta pela sua beleza simples. E a simplicidade é a mais difícil das tarefas para quem escreve.
Depois, são os assuntos que Fernanda cultiva nos seus versos. Coloquei propositadamente no título epigráfico de cada poema, um ou outro naco da poesia de nomes consagrados da nossa literatura pátria que demonstram que ela abordou, ou por intuição, ou por neles ter meditado (sabe-se lá o que vai na cabeça dum poeta!) grande número dos temas que são permanentemente visados por aqueles que se dedicam a essa arte de encantar espíritos e mentes.
Não vale julgá-la com preconceito. Quer ideológico quer mesmo cultural. Sintam-lhe a melodia dos versos quando ela, qual filigranista, tece à volta duma ideia uma rede bem desenhada de contornos floridos e coloridos, que acaba numa joia bordada a preceito.
Esqueçam as metáforas e as rimas entrelaçadas outrora tão obrigatórias e tão enfadonhas e deixem-se levar pela melodia duma poesia que a tem por sumo e essência.
Peço-vos desculpa pelo meu pretensioso prefácio em que usei e abusei da nossa poetisa como alavanca para os poetas açorianos dos nossos dias. Se Portugal é um país de poetas, os Açores são um cantinho privilegiado do mundo lusíada, donde em cada canto surgem os Quentais e os Mesquitas, as Natálias, os Botelhos, os Meireles, os Vitorinos e um nunca mais acabar de génios em ebulição poética.
Os poetas cantam os sonhos da humanidade mas eles próprios são tão pouco cantados. E eu atrevi-me a entrar no campo sagrado da poesia sem ser poeta ou escritor porque penso que que a poesia, se é para comer, como quer Natália Correia, então nós devemos saboreá-la com vagar, mesmo que a não saibamos confeccionar, oferecendo-a como banquete a amigos e convidados.
Os Açores foram descobertos por Gonçalo Velho Cabral, comendador de Almourol, e não há açoriano de S. Miguel que não descenda das suas irmãs, cujos filhos acompanharam o tio nessa aventura épica.
É-me, por isso, muito grato vir de tão longe ajudar a divulgar os poemas desta nossa parente, que pinturas tão sugestivas emolduram com tanta graça. E faço votos para que essas belas poesias vos dêem tanto prazer espiritual como me deram a mim.
Num momento em que a nossa pátria enfrenta perigos imensos e em que a ambição desmedida das potências financeiras do planeta se junta para tentar explorar os menos avisados e menos ricos, tenhamos a coragem de irmos para a batalha com alegria, já que tristezas não pagam dívidas.
Não com a alegria cortesã e inconsciente dos jograis de Alcácer Kibir mas com a alegria de quem sabe de ciência certa que, ainda que o mundo acabasse, os versos que se escreveram na nossa amada língua, hão-de perdurar para todo o sempre.
Parabéns Fernanda por ter tido a coragem de tornar públicos os seus belos versos, e por ter aceite a ideia da Fundação Sousa d’Oliveira de os reunir em livro.
Manuel Sousa d’Oliveira foi um açoriano nascido na América para onde seus pais emigraram. Regressado aos Açores, estudou, formou-se em Coimbra, ensinou, dirigiu museus, e bibliotecas, introduziu a arqueologia científica na terra de seus pais, e cultivou-a aqui em Portugal, onde criou clubes de história e inúmeros discípulos em cuja memória permanece. Salvou da destruição e do esquecimento, milhares de objetos antigos e documentos sem preço. Fez palestras cá e no estrangeiro sobre a ciência que cultivou como ninguém.
Criou uma fundação para guardar a sua imensa biblioteca de dezenas de milhares de títulos e os objetos arqueológicos preciosos para a ciência que nos legou, para que a sua obra continuasse depois dele.
Tenho a certeza que esta cerimónia lhe agradaria porque realiza o seu ideal de que só com cultura, espírito crítico e sentido estético da vida há libertação.
Deixem-me acabar, lendo-vos dois poemas da poetisa Fernanda Cabral:
“Olhos azuis radiantes
Tal e qual mil brilhantes
São centelhas a faiscar.
São topázios diamantes,
São histórias de encantar.
Estes olhos fascinantes
Embarcam no meu bergantim,
Levam-me a navegar
Cavalgando sobre o mar
Envolta em lençóis de cetim.
Atravesso lagos e rios
Mares e oceanos
Guardo pérolas em fios
Esmeraldas em panos.
Vejo sombras de navios
Refletidas nas águas,
Vejo estrelas cadentes
Que passam por mim sorridentes.
Estes olhos tão azuis,
Tão claros, transparentes
Vão-me deixar a sonhar…
Neste sonho cor de mar.”
E ainda este outro poema:Não quero, meus senhores, com isto significar que a nossa poetisa, Fernanda Cabral, seja uma ameaça e menos ainda cósmica, mas que os seus poemas abalam o espírito no sentido mais positivo desta expressão, disso não tenho dúvidas.
Contatei pessoal e intimamente com três grandes poetas açorianos, dois sobejamente conhecidos em todo o mundo português, Vitorino Nemésio e Natália Correia, endiabrados e insubmissos, belos no seu canto poético, profetas da vida e encantadores de alma.
E conheci bem Armando Cortes Rodrigues, o amigo íntimo de Fernando Pessoa, que depois de o acompanhar no Orfeu com poesia modernista, recolheu a penates e louvou o cântico das fontes e descreveu a vida quando o mar, essa planície inquieta, galgou a terra, fechando-se na sua concha açoriana mas criando os mais esmerados poemas que a terra de Antero de Quental produziu.
Todos eles de feitio dificílimo e ao mesmo tempo fascinante, sem respeitarem nada a não ser eles próprios e as suas obras. Só agora conheci pessoalmente Fernanda Cabral, mas desde que li o seu primeiro poema no facebook, fiquei com a ideia de que ela pertencia por legítimo direito, ao fechado clube dos poetas.
O embaixador Pracana Martins, um dos nossos contemporâneos mais cultos, disse de Fernanda que a sua poesia tinha música, beleza e encanto. É isso mesmo que me transmitiram os seus versos. A doçura dum canto espontâneo que não é pretensioso mas encanta pela sua beleza simples. E a simplicidade é a mais difícil das tarefas para quem escreve.
Depois, são os assuntos que Fernanda cultiva nos seus versos. Coloquei propositadamente no título epigráfico de cada poema, um ou outro naco da poesia de nomes consagrados da nossa literatura pátria que demonstram que ela abordou, ou por intuição, ou por neles ter meditado (sabe-se lá o que vai na cabeça dum poeta!) grande número dos temas que são permanentemente visados por aqueles que se dedicam a essa arte de encantar espíritos e mentes.
Não vale julgá-la com preconceito. Quer ideológico quer mesmo cultural. Sintam-lhe a melodia dos versos quando ela, qual filigranista, tece à volta duma ideia uma rede bem desenhada de contornos floridos e coloridos, que acaba numa joia bordada a preceito.
Esqueçam as metáforas e as rimas entrelaçadas outrora tão obrigatórias e tão enfadonhas e deixem-se levar pela melodia duma poesia que a tem por sumo e essência.
Peço-vos desculpa pelo meu pretensioso prefácio em que usei e abusei da nossa poetisa como alavanca para os poetas açorianos dos nossos dias. Se Portugal é um país de poetas, os Açores são um cantinho privilegiado do mundo lusíada, donde em cada canto surgem os Quentais e os Mesquitas, as Natálias, os Botelhos, os Meireles, os Vitorinos e um nunca mais acabar de génios em ebulição poética.
Os poetas cantam os sonhos da humanidade mas eles próprios são tão pouco cantados. E eu atrevi-me a entrar no campo sagrado da poesia sem ser poeta ou escritor porque penso que que a poesia, se é para comer, como quer Natália Correia, então nós devemos saboreá-la com vagar, mesmo que a não saibamos confeccionar, oferecendo-a como banquete a amigos e convidados.
Os Açores foram descobertos por Gonçalo Velho Cabral, comendador de Almourol, e não há açoriano de S. Miguel que não descenda das suas irmãs, cujos filhos acompanharam o tio nessa aventura épica.
É-me, por isso, muito grato vir de tão longe ajudar a divulgar os poemas desta nossa parente, que pinturas tão sugestivas emolduram com tanta graça. E faço votos para que essas belas poesias vos dêem tanto prazer espiritual como me deram a mim.
Num momento em que a nossa pátria enfrenta perigos imensos e em que a ambição desmedida das potências financeiras do planeta se junta para tentar explorar os menos avisados e menos ricos, tenhamos a coragem de irmos para a batalha com alegria, já que tristezas não pagam dívidas.
Não com a alegria cortesã e inconsciente dos jograis de Alcácer Kibir mas com a alegria de quem sabe de ciência certa que, ainda que o mundo acabasse, os versos que se escreveram na nossa amada língua, hão-de perdurar para todo o sempre.
Parabéns Fernanda por ter tido a coragem de tornar públicos os seus belos versos, e por ter aceite a ideia da Fundação Sousa d’Oliveira de os reunir em livro.
Manuel Sousa d’Oliveira foi um açoriano nascido na América para onde seus pais emigraram. Regressado aos Açores, estudou, formou-se em Coimbra, ensinou, dirigiu museus, e bibliotecas, introduziu a arqueologia científica na terra de seus pais, e cultivou-a aqui em Portugal, onde criou clubes de história e inúmeros discípulos em cuja memória permanece. Salvou da destruição e do esquecimento, milhares de objetos antigos e documentos sem preço. Fez palestras cá e no estrangeiro sobre a ciência que cultivou como ninguém.
Criou uma fundação para guardar a sua imensa biblioteca de dezenas de milhares de títulos e os objetos arqueológicos preciosos para a ciência que nos legou, para que a sua obra continuasse depois dele.
Tenho a certeza que esta cerimónia lhe agradaria porque realiza o seu ideal de que só com cultura, espírito crítico e sentido estético da vida há libertação.
Deixem-me acabar, lendo-vos dois poemas da poetisa Fernanda Cabral:
“Olhos azuis radiantes
Tal e qual mil brilhantes
São centelhas a faiscar.
São topázios diamantes,
São histórias de encantar.
Estes olhos fascinantes
Embarcam no meu bergantim,
Levam-me a navegar
Cavalgando sobre o mar
Envolta em lençóis de cetim.
Atravesso lagos e rios
Mares e oceanos
Guardo pérolas em fios
Esmeraldas em panos.
Vejo sombras de navios
Refletidas nas águas,
Vejo estrelas cadentes
Que passam por mim sorridentes.
Estes olhos tão azuis,
Tão claros, transparentes
Vão-me deixar a sonhar…
Neste sonho cor de mar.”
“Olho através da vidraça
E vejo a gente que passa.
O vento que uiva,
A chuva que cai
Está frio lá fora!
Ouço passos…
Passos apressados
Passos corridos,
Passos doridos,
Passos cansados,
Passos que passam.
Olho através da vidraça,
E, vejo gente na praça”.
Muito obrigado.
Espinho, 17 de março de 2012
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