quinta-feira, 13 de outubro de 2011

E nós?

A vitória de Jardim faz pensar. Nunca um líder insular tinha tido tanto unanimismo contrário a partir do resto do País. Jornais, revistas, rádios, televisões, todos juntos tentaram tirá-lo do poder. Insuspeitas instâncias ameaçaram-no com processos criminais. O próprio partido dele fora da Madeira lavou as mãos como o romano do Credo. Sozinho, ele ameaçou com a independência: se não querem pagar, então que nos dêem a independência, vociferou ele pelo menos duas vezes. Ninguém tugiu nem mugiu. Também é verdade que ninguém disse que não pagava…e estamos nisto, a ver agora se é mais forte a devoção ou a obrigação. Os madeirenses mantiveram-no. Pelos vistos porque concordam com ele. E o futuro será o tempo de todas as decisões por mais próximas do abismo que ambas pareçam. Isto na Madeira. Por cá, as coisas complicaram-se também. Dizer que as eleições da Madeira não são nada connosco, é errado. Se não fossem, Carlos César não tinha posto fim às dúvidas sobre a sua recandidatura, no último dia da campanha deles. A oposição laranja parecia ter a sua vitória futura dependente disso, numa confissão um tanto disparatada de falta de confiança em si própria. Mas César deu-lhes a volta designando um delfim, embora com uma não candidatura a meia haste porque criou uma situação inédita: mantém o poderoso secretariado e consegue unanimidade sobre o sucessor dentro do PS. Mas o PS não é o eleitorado e não é certo que na passagem da fasquia, a equipa mantenha a mesma velocidade e o mesmo apoio que o prestigiado Presidente teve, dentro e fora do partido. Ávila e Contente foram dois esteios arquipelágicos de peso, eixos sobre os quais girou a indispensável união açoriana e o próprio poder interno no Governo. Com Vasco Cordeiro as coisas nunca serão iguais, caso vença. É o nosso destino que está em jogo, e nas próximas eleições, mais que nunca, não nos podemos enganar.
Carlos Melo Bento
2011-10-11

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Quatro Vultos da História do Santa Clara

Discurso proferido no Centro Cultural de Santa Clara no dia 6 de Outubro de 2011.


O meu inimigo de estimação, antigo e brilhante aluno de História, João Pacheco de Melo, hoje um muito escrupuloso investigador da nossa vida desportiva, e um açoriano saudavelmente radical, desafiou-me a falar sobre quatro dirigentes do Clube Desportivo Santa Clara que ajudaram a conduzir as direcções desta mundialmente conhecida instituição, entre 1927 e 1946.
Não me compete, porque não sei, historiar o glorioso e popular clube a que meu Tio e Padrinho, Cristóvão da Estrela Augusto da Silva, presidiu com tanta paixão e alegria. O único clube açoriano a militar, até hoje, na primeira divisão, primeira Liga ou Liga qualquer coisa, (que a imaginação desportiva não tem limites conhecidos), e que vem merecendo especial atenção dos que, entre nós, vivenciam o desporto rei.
Em 1927, a ditadura militar instaurada pela Revolução Nacional de 28 de Maio, governava com mão de ferro desde o ano anterior, o império português a partir de Lisboa, extinguira o Parlamento ou Congresso, nascido com a Constituição de 1911, proibira os partidos e instaurara a censura prévia à imprensa. Parecia presidir ao Estado o General Gomes da Costa que em breve seria exilado para esta ilha, depois dum golpe de estado palaciano atribuído ao General Carmona.
Aqui, governava o distrito autónomo de Ponta Delgada, o Major Abel de Abreu Sottomayor, e, enquanto os deportados da contra revolução democrática desse ano iam sendo encaminhados para os Açores, o terceirense, capitão Eduardo Reis Rebelo, dirigia-se à Assembleia Geral constituinte do Santa Clara, vindo em passo cadenciado da Lombinha dos Cães, ali ao Jardim António Borges, onde morava, para o lugar em que os entusiastas do que viria a ser o desporto rei se reuniram, à Rua do Brum, para criar o agora nosso mais importante clube desportivo. Saiu o nosso bondoso capitão da reunião, eleito por aclamação como presidente da direcção interina que se encarregou de formalizar a nova instituição, dando-lhe o impulso que a elevaria ao trono que hoje ocupa.
A aclamação era uma forma de eleição unanimista muito em moda depois, e durante o Estado Novo quando quase ninguém se atrevia a contrariar as orientações superiores. Em 1927, era porém uma forma espontânea de manifestar o acordo de todos.
O brilhante advogado e professor e escritor Agnelo Casimiro e o sempre devotado Solicitador Inácio de Sousa foram encarregados de elaborar os estatutos.
Longe vinham os tempos em que, com 27 anos, viera Reis Rebelo da sua Angra natal para a maior cidade açoriana. Aqui encontrou o venerando Deão da Sé de Angra, o Dr. Reis Fisher que fora deportado para S. Miguel, no auge da luta anti religiosa dirigida ferozmente por Afonso Costa.
Da Lombinha dos Cães mudaria a sua residência para a 2.ª Rua do Conde, hoje, denominada João Jacinto de Sousa, o militar que governou o nosso Distrito e que haveria de morrer em África, em combate, no início da primeira guerra mundial, para consternação do nosso Distrito.
Nesta rua, Eduardo Reis, em 1952, nos alvores da radiosa primavera micaelense, acabaria os seus dias, rodeado de imponente cerimónia militar, em que as suas condecorações e espada de aparato, depois de expostas em bandeja de prata, sobre almofada de brocado de seda, foram solenemente entregues ao afilhado e parente mais chegado Jorge Reis que nos deu a honra da sua presença aqui, hoje. Pelo meio, além da intensa dedicação ao Santa Clara, ficavam os verões na sua reconfortante casa das Furnas, que só não foi solitária porque além da mulher e fiel companheira, este afilhado e praticamente filho adotivo, a preencheu com o calor humano, agindo quase mais que um avô, o nascimento da filha daquele. Jorge Reis foi desde muito novo a mascote do clube a que o padrinho emprestou dignidade e ordem.
Seria Eduardo Reis Rebelo durante 8 anos, a máxima autoridade do clube, função que abandonou, acabada que foram as obras de adaptação da actual sede do Clube, em 1935.
Nesse ano trocou a presidência da Direcção pela da Assembleia-geral durante um mandato anual, e depois transitou para o Conselho Fiscal até rebentar a segunda guerra mundial. Nos anos da guerra ou seja de 1939 a 1945, fica afastado das lides desportivas, regressando ao órgão de fiscalização do Clube em 46 e 47, aqui terminando a sua acção como responsável no Santa Clara.
A sua gestão não foi isenta de conflitos porque nenhuma é. Afastou-se em 1939 já que o gasto de 20 contos, o equivalente a 100 euros de hoje mas valor muito elevado para a época, foi considerado por alguns como excessivo. Ele porém, entendia que o Santa Clara merecia o melhor.
Coincidentemente com o seu afastamento provisório, rebentou, como disse, a segunda Grande Guerra. Durante esta pavorosa catástrofe humana, Reis Rebelo, por razões que desconhecemos, não estaria em Angola no Corpo Expedicionário Açoriano, sob o alto comando de Moniz da Ponte, ali defendendo a soberania portuguesa. Ao mesmo tempo que Salazar afastava os militares açorianos dos Açores, outros tantos 20.000 continentais nos impediam aqui do que ele suspeitava (aliás sem razão) de veleidades emancipalistas pró americanas.
Mas se Reis Rebelo não foi em missão bélica para África, na 2.ª Guerra, tinha estado vinte anos antes como tenente na 1.ª, ligado à Administração Militar, onde recebeu lisonjeiro louvor pela “grande actividade e são critério” com que desempenhou essas complexas funções, na horrorosa e fatal frente da Flandres. Foi homem integérrimo e sem medo, não vacilou em denunciar a situação ilegal em que se mantinha o então poderoso Comandante da Polícia, Magro Romão, que cumulava o vencimento desse comando com o de oficial de exército que também era. Daí à transferência do rigoroso colega foi um passo.
Como presidente do Clube Desportivo do nosso Bairro operário, pois em Santa Clara sempre teve as suas mais robustas raízes, presidiu Reis Rebelo ao início da mudança do equipamento e do símbolo do leão para uma mestiçagem benfiquista que se haveria de transformar na imitação desnecessária do grande clube português.
Como disse, na ausência duma história do desporto açoriano, não é fácil ainda perceber as razões porque tantos militares se juntam à volta duma iniciativa desportiva deste género mas a verdade é que os políticos sempre as rondaram para, através destas associações, angariarem votos ou simpatia popular. E a existência anterior de outros clubes de futebol sob a invocação da franciscana Santa Clara, a que pertenciam altas figuras do proibido e extinto Partido Democrático, faz pensar que a ditadura militar que dominava agora o País, não se quis deixar de fora do processo desportivo, pelo que, alguns militares disciplinadamente avançaram para os postos desportivos determinados talvez por eventuais ordens superiores.
É ainda interessante lembrar que o Major Reis, posto em que terminou a carreira, pertencia à Maçonaria, mais precisamente à Loja Companheiros da Paz que funcionava em Ponta Delgada, e o nosso homem adoptou ali o pseudónimo de irmão Modesto (famoso pintor de origem espanhola), e nessa organização quase secreta tinha um modesto e mediano grau 14, com a função de “orador”. Maçons da mesma loja eram Dinis José da Silva, o irmão Guerra Junqueiro, e João Joaquim Vicente Jr, o Irmão António José de Almeida, de que falarei a seguir, mas este só três anos depois da inauguração da nova sede seria iniciado nos segredos da irmandade do triângulo do esquadro e do avental. Tratava-se portanto de pessoas que se interessavam pelo bem comum e pelos seus semelhantes.
A outra personalidade que homenageamos hoje, é também militar, o Major João Joaquim Vicente Jr. Fica na nossa história porque preside à Assembleia-geral que decide fundar o clube, e acompanha o Major Reis durante dois anos como seu vice-presidente. O então jovem militar, tem 33 anos, pois nascera em plena campanha para a primeira Autonomia, no seio duma família muito culta e respeitada desta cidade. O seu desporto favorito era precisamente o futebol mas não desdenhava nem a equitação nem a caça.
Como militar foram-lhe conferidas missões delicadas que cumpriu com lisura e eficiência. Em Angola, como alferes, posto em que o colocaram quando ainda frequentava a Escola de Guerra, e, em plena missão expedicionária guerreira, desempenhou-se de tal maneira durante dois longos anos das suas tarefas que, mais tarde, durante o complicado período da 2.ª Grande Guerra, foi o responsável pela então gigantesca Administração Militar nos Açores onde certamente conheceu o Major Reis Rebelo.
Havia mais tarde de frequentar os Altos Estudos Militares mas a morte levou-o quando esperava a justa promoção a Coronel, posto que, por isso, não chegaria a atingir, partindo até sem saber que tinha sido aprovado com distinção no concurso.
A sua cidade natal, ficar-lhe-ia a dever a entrega voluntária ao Asilo de Infância Desvalida que tão assinaláveis serviços prestou a esta terra com quase nenhuns apoios do Estado. Também a Cruz Vermelha de Ponta Delgada beneficiou do seu valioso contributo para o bem-estar dos seus concidadãos, numa época em que a iniciativa particular sustentava praticamente sozinha a obra da assistência social.
Pessoa muito prudente, ficou célebre a forma como se desempenhou na intervenção militar que comandou aquando dos distúrbios na Povoação, ao tempo ainda o celeiro da ilha que, aparentemente estaria vazio, pois casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão. Mostrou autoridade e ao mesmo tempo compreensão, debelando os distúrbios sem ter que usar a força, fenómeno raro numa época de autoritarismo exacerbado que neste país à beira mar plantado raramente se fazem as coisas com equilíbrio.
A sua vida familiar correspondeu aos padrões duma família modelar e feliz da sua época. Tiveram três filhos cuja descendência hoje constitui a melhor sociedade desta terra.
Quando Eduardo Reis abandonou a presidência do Santa Clara, já iam longe os distúrbios que tinham levado à demissão e prisão do Governador Civil, Dr. Jaime do Couto cuja simpatia e prestígio levava à cadeia da Boa Nova a elite social e política da terra, pois o medo a Salazar não foi tanto que impedisse a amizade e admiração por um dos maiores baluartes açorianos contra o centralismo.
Vai então assumir a presidência do nosso melhor Clube uma figura de relevo na advocacia micaelense, Alberto Paula de Oliveira o grande orador forense e político. Magro, elegante, sempre vestido a rigor (que diria ele se me visse aqui hoje sem gravata!), voz sonora, olhar penetrante, jurista de eleição e litigante perfeito. Sempre admirei este vizinho simpático e educado, cuja casa frequentei desde tenra idade e não sei mesmo se também não foi por sua causa que enveredei pela profissão que tenho. Mas, se o imitei na oratória, mal de mim que nunca lhe ganhei uma única causa...Era o primeiro civil que dirigia o Santa Clara fundado e dirigido por militares no activo. Comissário Provincial da Mocidade portuguesa, onde o seu colega de curso, Marcello Caetano, era o mais alto dirigente nacional, digamos que não lhe foi difícil adaptar-se à disciplina reinante no popular clube. Mas durou muito pouco o seu reinado, pois a saída de Reis, criticado por ter ambicionado uma sede luxuosa para o clube que ajudara a criar, não deve ter deixado no espírito sensível de Alberto de Oliveira, uma situação cómoda, que a tumultuosa actividade forense desta cidade não facilitava.
No mesmo ano, retira-se para a presidência da Assembleia-geral do Santa Clara para, 3 anos depois, no início da guerra, dirigir o Conselho Fiscal, retomando a presidência do clube durante 1940 e 1941 de cujo primeiro elenco faz parte.
Depois de ter exercido o cargo de vereador, foi presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada no tempo em que Salazar, em plena 2.ª Grande Guerra Mundial, mandava celebrar os dois centenários mais importantes da história de Portugal, em 1940, o da restauração da independência nacional e em 1943, o da fundação do País. Alberto de Oliveira cumpriu o seu consulado presidencial rodeado de simpatia popular, temperando a dureza policial da época com uma gentileza natural, com convites à população que substituíam os decretos, os despachos e as ordens de serviço tão em voga nesses tempos de autoritarismo institucional.
Teve uma acção administrativa muito afectada pelo plano de urbanização do arquiteto Aguiar que pretendia destruir meia cidade para implantar no burgo quinhentista megalómanas avenidas que obviamente não tiveram futuro mas ainda assim deixaram cicatrizes em Ponta Delgada, para além das demoras que impôs às obras projectadas pelos particulares durante décadas. Soube também dar notável apoio ao Bairro Económico de Santa Clara, de tanta qualidade que hoje alberga uma bem estabelecida classe média.
Politicamente, era defensor do centralismo, por isso suportou com vigor uma pública polémica com o grande defensor da autonomia, José Bruno Carreiro. Alberto de Oliveira era natural do Algarve onde seu pai fora Chefe de Finanças, e nasceu dois meses depois de matarem o Rei e o seu filho primogénito sendo dos poucos políticos açorianos do seu tempo que percebeu a importância do governador do Distrito Autónomo de Ponta Delgada, o capitão Sérgio Vieira, continental a quem Ponta Delgada tanto deve, promovendo a concessão do prestigiado galardão de cidadão honorário da nossa cidade, título que lhe iria ser também concedido pela nossa respeitada edilidade.
A Alberto de Oliveira se ficou a dever a salvação do vetusto edifício da Câmara Municipal, arrebatando-o da sanha demolidora que se instalara aquando da construção da discutida Avenida Marginal, tudo na sequência do alerta levantado pelo grande jornalista Manuel Ferreira.
Íntegro chefe de família, Alberto de Oliveira, sem nunca deixar de advogar, chefiou a Secretaria da Junta Geral do Distrito Autónomo de Ponta Delgada. Isso porém não o impedia de pontificar na famosa tertúlia do Café Nacional na Rua Açoriano Oriental onde se reuniam desde há muito os salazaristas mais notórios da cidade, rodeados por pinturas de Luís Bernardo e João Rebelo, filho do grande Mestre Domingos Rebelo.
Faleceria Alberto de Oliveira aos 74 anos, já em plena democracia em cujo funcionamento perfeito nunca acreditou. Sempre elegante e sempre educado, sem nunca deixar o cigarro que o havia de vitimar quando tanto ainda podia ter dado à advocacia que tanto honrou nesta terra. Deixou larga descendência que honra a cidade em todos os ramos de actividade a que zelosamente se dedica.
Vejamos agora a última personalidade que nos vai ocupar hoje. Político da primeira república, convertido aos novos ventos do Estado Novo, precisamente aquele que vitimado pelos sobreditos distúrbios iria provocar, em 1933, uma repressão duríssima dos militares com o triste saldo de três mortos, enterrados à pressa e dissimuladamente, para fugir aos confrontos que doutra forma seriam inevitáveis. Trata-se de Diniz José da Silva.
Este activo cidadão nasceu no Nordeste já no reinado de D. Carlos e aos 38 anos, viria a substituir o advogado ilustre que conduziu o Clube Desportivo Santa Clara alguns meses depois dos decisivos primeiros anos de Reis Rebelo, o qual como vimos, lhe deixara como herança uma sede social condigna. A melhor sede desportiva de que a ilha do Arcanjo dispunha e, parece-me, ainda hoje dispõe.
Diniz da Silva começa a sua vida profissional como empregado de comércio. A república apanha-o aos 21 anos e a sua aproximação da Maçonaria ir-lhe-ia permitir largos voos. De simples funcionário administrativo e guarda amanuense, parte para Administrador do Concelho da Povoação, Ribeira Grande, culminando a sua carreira política e administrativa como Presidente da Câmara do Nordeste. Ficaria na história do concelho (que nos nossos dias vai despontar para a ilha que sempre o considerou outra ilha), como aquela personalidade que mais se bateu para elevar a velha Fazenda, a primeira que houve em S. Miguel, a freguesia, berço de tanta gente ilustre, de que me permito destacar, o Reitor da Universidade de Matemática da Califórnia!
Jaime Hintze, Governador Civil afonsista e Democrático do distrito oriental fá-lo-ia, nos anos 20, seu secretário.
De Relator Fiscal, no último ano em que o Major Reis Rebelo serviu, ele é erguido, depois da saída de Alberto de Oliveira, ao cargo máximo, embora por apenas um ano. Depois, durante 9 anos presidirá à Assembleia-geral.
Claro que foi durante a sua gestão que o Santa Clara se abriu a outras actividades que não apenas o desporto: música com aulas de dança, teatro onde o grande José Barbosa deu grande impulso, palestras, serões dançantes que tanto encantariam os mais novos das classes menos favorecidas com meios de fortuna mas milionários na alegria e na falta de preconceitos que dominavam como lepra social a fechada e classista sociedade micaelense dos meados do século XX.
Mas iria ser como jornalista que Diniz José da Silva haveria de celebrizar-se, em campanhas contundentes de defesa dos interesses locais. Ficou célebre a sua luta antimurina, sensibilizando gregos e troianos, contra o pequeno roedor que tantos e tão graves prejuízos provoca nas nossas culturas agrícolas. Se o tivessem ouvido, muitos açorianos não teriam sucumbido à leptoespirose e podiam ainda estar vivos.
Foi um dos que teve a honra especial de dirigir o mais antigo jornal português em publicação contínua, O Açoriano Oriental, rodavam os movimentados anos sessenta de dolorosa memória e havia falecido o denodado Ferreira de Almeida que o manteve contra ventos e marés como coisa sua, tudo arriscando para manter vivo, o que afinal era património cultural de todos nós.
Dinis da Silva não era pessoa de meias tintas, tornando-se com o tempo, ainda mais radical na defesa dos seus pontos de vista.
A nossa história vai registar a sua adesão radical ao salazarismo e à igreja tradicionalista. Ficou célebre a polémica que suportou com o Padre Dr. Hermínio Pontes sobre a pessoa e as teorias de Teilhard de Chardin, um dos ícones mundiais do progressismo católico que os mais conservadores consideravam peixinhos vermelhos em pias de água benta.
Dinis da Silva iria tornar-se radical contra a Oposição ao Estado Novo mas isso não impediria que as excursões do Clube Desportivo Santa Clara do seu tempo parassem sempre na Gorreana onde o seu antigo chefe, o Democrático Jaime Hintze, residia.
Embalado o Santa Clara com vitórias que o tornaram campeão de S. Miguel durante sete anos seguidos, o clube mantém a invencibilidade durante o mandato de Dinis José da Silva, no ano desportivo de 1936/1937, quando a Espanha entrava para a mais sangrenta guerra civil da sua conturbada história que haveria de vitimar mais dum milhão de pessoas oriundas de todo o mundo.
Conheci-lhe três filhos. Um foi presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada e dirigiu o Instituto Geográfico Cadastral, com obra científica de alto valor publicada. O outro, açoriano radical a quem esta terra e a presente autonomia tanto devem. Sua filha, casada com um médico ilustre desta terra, também tem descendência que exerce a mesma arte, depois de servir a Pátria em longes e quase esquecidas terras.
Dinis José da Silva viria a falecer a 4 de Maio de 1973, com 84 anos incompletos, em Santa Clara onde morava à Rua José Bensaúde, o cientista micaelense que fundou o Instituto Superior Técnico.
Não sei se consegui, nesta breve aguarela dar uma ideia ainda que pálida destes homens a quem o Santa Clara encarregou de dirigir os seus destinos em tempos tão especiais da nossa história. Foi o que pude recolher no pouco tempo que tive para isso. Falta uma história do desporto açoriano e é bom que alguém lance ombros a tão meritória tarefa para que se não perca o rasto daqueles que tão apaixonadamente vivem o mais encantador dos entretenimentos humanos e um dos pilares da união entre os homens de boa vontade.
Ponta Delgada, 6 de Outubro de 2011
Carlos Melo Bento


quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Oxalá

Esta questão da Madeira está a ficar preocupante porque nos prejudica. Com a mania, dos políticos portugueses confundirem os dois arquipélagos, tendência que a maior parte da população compartilha porque para eles, é tudo “a ilha”, há que ter cuidado. Nem tudo é justificável em política partidária. Já não falo nos insultos ou insinuações ou exageros ou até mentiras. Porque na luta pelo poder temos visto os eleitores engolirem de tudo e gostarem. Como o destino das eleições é para o comum das gentes, escolher o próximo de que se irá falar mal, não vai nisso nenhum mal ao mundo e o povo que se desenrasque que cada um tem o governo que merece. O problema agudiza-se quando, por falta de escrúpulos, se ofende o principal. Num daqueles exageros que cometi no tempo da luta pela independência, proclamei que “acima dos Açores, só Deus”. Em certa medida, queria significar que os Açores (e dentro deles os açorianos) são um valor absoluto, pelo menos para nós. Tudo o que bulir com isso, deve ser inadmissível. Caso contrário, é a mesma coisa que vermos bater num filho e não fazer nada. É contra natura. A dívida da Madeira é muito grande e terá sido contraída à revelia do governo central (como se este nunca tivesse feito nada à nossa revelia!) mas há que não esquecer que os madeirenses beneficiados com ele são mais dum milhão e nós vemos dívidas de empresas públicas portuguesas muito mais elevadas e servindo muito menos gente. Penso que um governo de mais de 30 anos, como o da Madeira, não é saudável porque os governos muito longos baseados numa só pessoa geram distorções perigosas para uma democracia que se quer sã. Mas a campanha miserável e unânime que do continente é movida contra Jardim, se fosse nos Açores, provavelmente teria o efeito contrário ao pretendido. E, aqui para a gente, oxalá que sim.
Carlos Melo Bento
2011-10-03

sábado, 24 de setembro de 2011

A quem e em quê?

Nesta tormenta financeira que nos envolveu e que tantas arrelias nos vem trazendo, há duas perguntas que parecem legítimas sobre as dívidas que nos são reveladas em catadupa todos os dias. Gastaram 500 toneladas de ouro da pesada herança salazarista das 800 que ele deixou aferrolhadas. Da Europa, em ajudas, caíram para aí qualquer coisa como 200.000 milhões de euros. A dívida pública parece que anda também a rondar os mesmos 200.000 milhões. Desculpar-me-ão os leitores se não dou números mais precisos mas acho que ninguém sabe a quantas andam, ou sabem e não querem dizer. Estamos pois a falar duma coisa parecida com meio bilião de euros, número que dá vertigens só de pensar. Dinheiro que juntamente com os milhares de milhões dos impostos entrou nos cofres do estado e que, aparentemente, saiu deles. A primeira pergunta que parece legítima é saber a quem é que se deve tanto dinheiro? Quem é o felizardo a quem teremos de pagar essas dívidas? Depois, e é a segunda pergunta, em que é que foi gasto tanto dinheiro? É que é muita pasta! Somadas as auto estradas, as escolas, hospitais e respectiva manutenção, bairros sociais e subsídios de toda a sorte, parece-me que não chegamos a tanta massa. Mesmo juntando os mistérios que para aí andam como almas penadas, ou sejam, os bancos fantasmas e outras “legalidades” tais como ordenados milionários (refiro-me a milhões e não aos miseráveis centenas de milhares de “€”), continua a ser muita massa. Outro fantasma monetário é o chamado offshore que ainda ninguém explicou com clareza do que se trata. Seja lá como for, há aí muita marosca inexplicada de que nenhum responsável do governo central pode ser absolvido, a não ser como ensinava Jorge Amado na D. Flor, no colectivo ninguém tem culpa…Duma maneira ou doutra, será que Jardim não teve razão? Haja moralidade ou comem todos…
Carlos Melo Bento
2011-09-20

sábado, 10 de setembro de 2011

E o Banco?

A maioria das pessoas não se apercebeu mas a tempestade económica está aí a cair com o cortejo de dificuldades de que sempre se rodeia. Produzir e poupar, dizia-se nos anos trinta. Agora não se sabe se isso é bom. Há sábios dizendo que austeridade não é progresso. O tamanho do estado e o consumo como fonte de produção criaram nova lógica. Isso não significa que deixemos de arrecadar aquilo a que temos direito e que deixemos roubar o que nos pertence. Veja-se o muito que sai destas ilhas no jogo. No tempo do jogo do bicho que se fazia à socapa, mudavam de mãos 250.000 contos por semana, uma coisa parecida com um pouco mais de um milhão de euros. Sem impostos mas com sustos. Sempre defendi um jogo nosso e foi com alegria que vi o raspa abrir caminho. Mesmo assim, a miragem dos euromihões, do totoloto e das lotarias tradicionais continua a drenar para fora, milhões, todas as semanas, sem qualquer contrapartida pois as probabilidades são ínfimas para nós. Claro que o cidadão comum não o entende e, com as propagandas encurtando criminosamente distâncias incontornáveis, ei-lo fazendo bichas à porta dos postos de venda quando há jackpot que continua tão distante como o resto. Tudo bem que cada um faz do seu os disparates que quiser. O pior é quando surge o crime organizado. Agora parece que os postos de venda dos totolotos e milhões foram proibidos de vender os raspas. Se vendes os raspas, não nos vendes a nós. Mais ou menos como as cervejeiras que compram ilegalmente monopólios de vendas de certas marcas, emprestando dinheiro para durante anos só poder vender a marca do credor. Sempre há uns espertos que abrem falência e não pagam mas o resultado é a nossa fábrica que tem a melhor e mais barata cerveja do planeta estar às moscas e não é só porque os terceirenses se recusam (vai lá saber-se porquê) a consumir produtos nossos. E o banco?
Caros Meo Bento
8.8.2011
Apátridas
Da Vinci dizia que o emigrante é-o em dois lugares: na terra para onde emigra e na de onde emigrou. Infeliz verdade que atormenta gerações de gente desta terra, obrigadas pela necessidade ou aventura a partir. A América, terra estranha e de estranhos, fria e pouco própria para os nossos costumes, foi a escolhida dos açorianos, pela caça à baleia, pela febre do ouro ou pelo trabalho mais bem pago. Depois, as cartas de chamada tornaram-na no lugar de residência da maioria da nossa população. Recebem-nos bem mas sem grandes preocupações de legalização, pois os ilegais são mais domesticáveis, baratos e descartáveis. Já é a segunda vez (que saiba) que o governo daquela grande e poderosa Nação repatria açorianos. A primeira, foi no tempo do presidente Roosevelt e da grande depressão e agora. Temos aí mais dum milhar de pessoas inadaptadas à nossa pacatez de vida e sem familiares próximos, arrancados aos seus por uma política economicista que ignora os mais elementares sentimentos familiares, no respeito dos quais, aliás, a América é pioneira. Desintegrados, os repatriados estão a transformar-se num problema muito grave em terra muito pequena e sem meios. A nossa política nesse sentido tem tido, em relação a alguns casos mais chocantes, resultados frustrantes. Eles traficam, eles agridem, eles consomem, eles assaltam, eles ocupam casas semi abandonadas. Enfim, não têm medo e causam medo. Já não vivemos como vivíamos antes deles e não é melhor agora. Juntá-los em casas no centro da cidade foi um erro de palmatória e subsidiá-los cegamente foi outro. Assinalei a seu tempo a necessidade de os defender nos tribunais americanos e de os reencaminhar para países de língua e costumes ingleses. Não concordaram mas a situação está a ficar insustentável e alguma coisa de muito urgente tem de ser feita.
Carlos Melo Bento
23.8.2011

Censuradas

A RDP e a RTP Açores têm vantagem sobre as suas congêneres: não esmagam com anúncios. Outra qualidade é dedicarem-se aos Açores. A questão põe-se porém em saber se o tempo que nos dedicam é o suficiente e, mais importante, se é bem aproveitado. Se falarmos em tempo cronológico e atmosférico, batem as outras, pois, embora seja a única estação televisiva que começa as notícias minutos depois da hora, sem dispensar o cronómetro, dão o boletim meteorológico (mesmo em rodapé, tipo breakimg news), frequentemente. Questões económicas e bandas de música, também. Anúncios do Governo Regional são quase tantos como a publicidade comercial das outras. Não é uma crítca, é uma constatação. Só que o actual estado de coisas nessas estações (nossas porque têm o nosso nome) não lhes dá credibilidade por melhor que sejam (e são) os seus profissionais. Diz-se que é falta de dinheiro mas penso que posso desacreditar essa afirmação lançada para encobrir uma censura centralista. A informação veiculada peca por não ser totalmente livre, o que lhe retira interesse, transformando-as em sensaborias. Promovem concursos locais interessantes e aliciantes, mesmo diferidos? Foruns matinais diários sobre questões de interesse local (mas não económicos: droga, repatriados, sem abrigo, prostituição infantil, desemprego fraudulento, subsídios sem fundamento, insegurança, etc) com intervenção directa deste povo? Debates diários sobre questões políticas açorianas, envolvendo jornalistas e políticos polémicos? Programas intensivos com os jogadores, treinador e dirigentes das equipes mais qualificadas, de modo a criar um clima que leve aos estádios os aficionados? Para quê a emissão de enlatados? As nossas notícias em horário nobre, não as dos outros. Açorianizar só no nome, ao serviço de interesses mesquinhos e avaros é coisa desprezível.
Carlos Melo Bento
30.8.2011

Poupança

Poupança
O Estado tem de poupar. Verdade de La Palisse que nem por isso é aceite universalmente. Numa primeira fase, começou por ser interpretada como, o Estado tem de ganhar mais e caiu-se numa política contrária aos costumes da direita, aumentando-se os impostos sobre os particulares. Como estes reagiram muito mal a este dislate, o governo apressou a divulgação de mensagens de que ia cortar na despesa e oxalá o façam com sensatez e não com critérios de oportunidade conjuntural que tem sido infelizmente o timbre da política reinante. Mas, já agora, acho que chegou o momento próprio para extinguir o cargo e o gabinete do Representante da República nos Açores. Trata-se duma despesa absolutamente inútil. O Representante da República começa por não representar república nenhuma (aliás isto aqui é uma Região Autónoma não é uma monarquia onde a república tenha de estar representada por órgão não eleito). Depois, cheira a colonialismo humilhante e ultrapassado que nenhum povo civilizado aceita sem protesto. Duma presença castradora da autonomia que era no princípio, essa função passou a ser exercida com proveito pelo Tribunal Constitucional, deixando tal cargo de ter qualquer utilidade política ou prática. Em casos como o de Laborinho Lúcio cheguei a defender que não se bulisse com ele pois seria útil, como penso que foi. Excepcionalmente pode acontecer. Excepção que aqui serve para confirmar a regra. Do ponto de vista económico, é um dispêndio absurdo, são milhões que se poupam todos os anos se desaparecer. Se se fizesse um referendo entre os açoreanos para saber se queriam o Representante ou a Televisão açoreana, penso que ninguém tem dúvidas sobre o qual o resultado dessa consulta. De resto, se é para impedir a independência, julgo não haver razões para tais receios, pois não estou a ver o Dr. José de Almeida proclamá-la logo que o cargo desapareça.
Ponta Delgada, 6.9.2011
Carlos Melo Bento

domingo, 14 de agosto de 2011

E o banco?

A maioria das pessoas não se apercebeu mas a tempestade económica está aí a cair com o cortejo de dificuldades de que sempre se rodeia. Produzir e poupar, dizia-se nos anos trinta. Agora não se sabe se isso é bom. Há sábios dizendo que austeridade não é progresso. O tamanho do estado e o consumo como fonte de produção criaram nova lógica. Isso não significa que deixemos de arrecadar aquilo a que temos direito e que deixemos roubar o que nos pertence. Veja-se o muito que sai destas ilhas no jogo. No tempo do jogo do bicho que se fazia à socapa, mudavam de mãos 250.000 contos por semana, uma coisa parecida com um pouco mais de um milhão de euros. Sem impostos mas com sustos. Sempre defendi um jogo nosso e foi com alegria que vi o raspa abrir caminho. Mesmo assim, a miragem dos euromihões, do totoloto e das lotarias tradicionais continua a drenar para fora, milhões, todas as semanas, sem qualquer contrapartida pois as probabilidades são ínfimas para nós. Claro que o cidadão comum não o entende e, com as propagandas encurtando criminosamente distâncias incontornáveis, ei-lo fazendo bichas à porta dos postos de venda quando há jackpot que continua tão distante como o resto. Tudo bem que cada um faz do seu os disparates que quiser. O pior é quando surge o crime organizado. Agora parece que os postos de venda dos totolotos e milhões foram proibidos de vender os raspas. Se vendes os raspas, não nos vendes a nós. Mais ou menos como as cervejeiras que compram ilegalmente monopólios de vendas de certas marcas, emprestando dinheiro para durante anos só poder vender a marca do credor. Sempre há uns espertos que abrem falência e não pagam mas o resultado é a nossa fábrica que tem a melhor e mais barata cerveja do planeta estar às moscas e não é só porque os terceirenses se recusam (vai lá saber-se porquê) a consumir produtos nossos. E o banco?
8.8.2011

Não pagamos?

Uma das boas manifestações da nossa autonomia foi efectuada pelo governo socialista de Carlos César quando ignorou a decisão do governo de Lisboa relativamente à diminuição de 5% dos salários públicos acima de 1.500 euros que tinha sido imposta pelo Primeiro-ministro também socialista, Eng.º José Sócrates. Este, por sua vez, não gostou mas respeitou o poder autonómico, dando uma lição de democracia que pelo menos entre nós ficará como poderoso estímulo para continuarmos o processo de aumentar a livre governação dos Açores pelos açorianos, até se atingir o patamar que sirva plenamente o interesse colectivo do Povo Açoriano, onde quer que ele viva. É que, perante a globalização inevitável que se aproxima, é imperioso que sejamos atingidos por ela na plenitude absoluta da nossa emancipação, sob pena de sermos absorvidos como massa anónima e anódina. Todavia aquela manifestação autonómica tem de ter consequências lógicas. Carlos César reagiu à nova medida decretada de Lisboa, pelo governo agora social democrática, do Dr. Passos Coelho, de tributar o próximo subsídio de Natal, defendendo que essa tributação pertence aos Açores e não ao orçamento do estado, porquanto não contribuímos para o actual défice público. Salvo o devido respeito, o raciocínio não parece estar correcto. Não contribuímos para a dívida, é verdade (tão antiga que vem do tempo de Aristides da Motta). Mas então esse dinheiro também não pertence ao orçamento regional e sim aos que têm direito ao subsídio. Isto é, devido à boa administração César não pode haver lugar à tributação visto que esta só tem justificação, porque alguém, que não fomos nós, gastou de mais. Logo, nós açorianos não temos nada que pagar esse imposto. Pelo que, ao que parece, nem o Governo açoriano terá legitimidade para o arrecadar. Não pagamos?
Carlos Melo Bento
2.8.2011

A Deus

Joaquim Cabral foi o açoriano mais puro que conheci. Nasceu na Lomba do Botão, da sua querida Povoação. Tentou viver afastado da Terra nos doze anos de exílio americano; voltou. Trouxe na bagagem o muito que ali ganhara e a saudade de pais e irmãos. Comprou, estabeleceu-se com Mulher e Filhos e tentou aqui trabalhar com o sonho de ver a sua terra livre, progressiva e ser feliz. Vinda dum país ligado ao futuro, onde tudo ajuda para se caminhar em frente, a Família não se adaptou e regressou. Os filhos que na América eram pessoas integradas, cidadãos prestantes e acarinhados pelo sistema, aqui perante um ensino impreparado para os receber e acolher com vantagem, foram tratados como marginais e não suportaram a hostilidade. Vivem na América e são felizes e progressivos. A Mulher acompanhou-os depois de resistir em vão à saudade. Joaquim ficou, lutando contra os moinhos de vento da nossa indiferença, a ganância dos dinheiros da Europa, o bem estar falso duma riqueza ilusória e passageira. Abraçou a liderança do PDA, apelou aos açorianos, ergueu alto a bandeira da dignidade. Em vão. Obedeceu aos bancos e foi defraudado por um sistema que só vê lucros e nada arrisca, sacrificando no altar destes os próprios clientes com o resultado que se conhece. Enfrentou-os nos tribunais, na imprensa e na rua. Adoeceu gravemente que a saúde não é de ferro. Ainda aí foi enganado por seguros que a única coisa que sabem fazer bem é receber. Quando chega à hora de pagar, só à força e mesmo assim mal e assanhados. A doença agravou-se. Regressa contrariado à América, onde uma medicina de seguros lhe faz dois transplantes renais. Sempre que a saúde lho permite regressa, mata saudades e volta carregado de dores físicas e morais. Mas agora não volta mais que a morte o venceu. Mas o exemplo da sua luta sobreviverá no coração dos que tiveram a dita de o conhecer.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Lixo são eles

Vasco Garcia dixit: as Moodis e companhia nem sonharam com a bolha do mercado imobiliário que lhes rebentou nas mãos (salpicando-nos a todos, digo eu). Desconheceram completamente a questão da Lehman Brothers que levou à cadeia um dos homens mais ricos do mundo (prisão perpétua, seja lá o que isso significa na América) e à ruína de milhares de pessoas que acreditaram nesses energúmenos. Depois, cantaram loas aos bancos islandeses, um dia antes deles irem à vida completamente falidos. Para esses “honestos” trabalhadores do capitalismo selvagem e imoral, é ignorância a mais mas a suficiente para que o País possa descansar na firmeza de acertar as contas, colocando as despesas ao nível das receitas e ir pagando o passivo que um calculismo criminoso de credores desonestos criou com o beneplácito de todos (ninguém conseguiu recusar as benesses do estado social ainda que os mais prudentes vissem logo que era muito queijo por um escudo). Vieram aqueles desgraçados classificar-nos de lixo. Bom, lixo é a tiazinha deles e talvez a mãe que o pai certamente não sabem quem é. Como sempre defendi, os nossos governos não têm poder contra as manigâncias internacionais e são mais vítimas que autores duma situação que não é tão má como a pintam pois a superprodução continua e há mais bens que pessoas; a situação é apenas de distribuição de riqueza e não de crise económica. Como disse alguém, isto é terrorismo financeiro que deixa cair uma bomba aqui (Grécia) ou ali (Portugal), a ver se pega alguma bancarrota e, como não pegou, aguenta-te Itália que já lá vamos. Se a dívida não for reestruturada e perdoada em parte, como tem de ser, porque o que é roubado não é lucrado (e os juros criminosos merecem é castigo pesado), isto continua. Senão, tirem o velho Marx da gaveta porque o colapso do capitalismo está aí, ao voltar da esquina e então vai tudo ao ar.

Carlos Melo Bento

2011-07-12

terça-feira, 12 de julho de 2011

Dignidades

Ouvi na rádio uma senhora bem intencionada e boa cristã, sobre os sem abrigo que por aí andam deitados nas ruas, dormindo à porta deste e daquele e ali fazendo as necessidades, descompondo-se diante de crianças e velhos e de todos os outros, tudo acompanhado dos palavrões que a rica língua de Camões conhece e aplica. Dizia aquela boa alma que a dignidade deles estava acima dos seus vícios! Bom e já agora eu diria os direitos (certamente constitucionais) e a nossa obrigação de tolerar aquilo tudo e de lhes pagar uma pensão (não fiquem eles com sede), cama, mesa e roupa lavada e trocos para gastos que me abstenho de especificar. Será que a nossa dignidade está abaixo da deles e dos seus vícios? Será que teremos de engolir todos esses desaforos, gemendo e calando em nome não sei bem de quê? Mas então se o que viola a lei penal tem fica sem o direito à liberdade quem assim procede não pode ser obrigado a tratar-se quer queira quer não? Não é esta uma terra de turismo que dá pão a milhares e justificou o investimento de milhões? Não terão os pais e mães de direito de andarem pelas ruas da sua terra sem terem de ver e ouvir esse triste espectáculo do homem e da mulher degradados até à expressão mais elevada? E não terão as autoridades políticas e administrativas a obrigação de tomar medidas adequadas para que esse espectáculo acabe duma vez? Este laxismo é que não pode continuar. Bem sei que remover aquela gente para um hospital psiquiátrico ou outra instituição adequada não dá tanto lucro como as multas de trânsito mas convenhamos que o espectáculo a que assistimos enojados há tempo de mais é uma triste imagem dos que exercem o poder e que têm a obrigação de zelar pelos interesses colectivos. O direito a uma convivência sã, o direito à existência normal e decente não é privilégio de direita ou de esquerda ou (já agora) do centro mas um direito que foi conquistado pelas sociedades verdadeiramente civilizadas.

Lixo São Eles

Vasco Garcia dixit: as Moodis e companhia nem sonharam com a bolha do mercado imobiliário que lhes rebentou nas mãos (salpicando-nos a todos, digo eu). Desconheceram completamente a questão da Lehman Brothers que levou à cadeia um dos homens mais ricos do mundo (prisão perpétua, seja lá o que isso significa na América) e à ruína de milhares de pessoas que acreditaram nesses energúmenos. Depois, cantaram loas aos bancos islandeses, um dia antes deles irem à vida completamente falidos. Para esses “honestos” trabalhadores do capitalismo selvagem e imoral, é ignorância a mais mas a suficiente para que o País possa descansar na firmeza de acertar as contas, colocando as despesas ao nível das receitas e ir pagando o passivo que um calculismo criminoso de credores desonestos criou com o beneplácito de todos (ninguém conseguiu recusar as benesses do estado social ainda que os mais prudentes vissem logo que era muito queijo por um escudo). Vieram aqueles desgraçados classificar-nos de lixo. Bom, lixo é a tiazinha deles e talvez a mãe que o pai certamente não sabem quem é. Como sempre defendi, os nossos governos não têm poder contra as manigâncias internacionais e são mais vítimas que autores duma situação que não é tão má como a pintam pois a superprodução continua e há mais bens que pessoas; a situação é apenas de distribuição de riqueza e não de crise económica. Como disse alguém, isto é terrorismo financeiro que deixa cair uma bomba aqui (Grécia) ou ali (Portugal), a ver se pega alguma bancarrota e, como não pegou, aguenta-te Itália que já lá vamos. Se a dívida não for reestruturada e perdoada em parte, como tem de ser, porque o que é roubado não é lucrado (e os juros criminosos merecem é castigo pesado), isto continua. Senão, tirem o velho Marx da gaveta porque o colapso do capitalismo está aí, ao voltar da esquina e então vai tudo ao ar.

Carlos Melo Bento

2011-07-12

sábado, 18 de junho de 2011

Orfeão Edmundo Machado de Oliveira

DISCURSO PROFERIDO NO COLISEU MICAELENSE AQUANDO DOS 25 ANOS DO ORFEÃO EDMUNDO MACHADO DE OLIVEIRA

Senhora Presidente da Câmara
Senhor Director Regional da Cultura
Minhas Senhoras e meus Senhores
Quando há 25 anos um grupo de amantes da música resolveu fundar nesta terra um conjunto coral, nem sonhavam no êxito que a sua iniciativa iria obter nem com o impacto que a sua criação teria no meio musical açoriano, no da sua diáspora e em Portugal todo.
Tinha falecido há escassos 4 anos o mentor e patrono do Orfeão (no meu tempo de estudante IiceaI chamava-se “orfeon”, era mais chic!) e não é fácil saber hoje qual a verdadeira dimensão da sua influência sobre os fundadores, mas é de crer que tivesse sido um contributo decisivo para a iniciativa.
O seu ensino, o seu carisma, a sua cultura, e a capacidade de galvanizar os seus discípulos foi decisivo para que uma mão cheia deles sentisse alegria em batizar o novo ser que o seu entusiasmo gerou com o nome do pai espiritual. E foi na sede da Associação que 13 anos depois colocaram o seu busto eternizando em bronze a figura veneranda do velho mestre que tantas alegrias proporcionou ao espírito dos discípulos que “disciplinou” através da música.
Por outro lado, se José Gabriel ÁviIa preside à primeira direcção com a sua serena discrição, quem vai conduzir a multidão dos cantores que entretanto se reuniu à volta da ideia, é uma figura singular e estranha. Baixo, franzino, com um sorriso irónico permanente, voz de falsete, olhar penetrante, hiperactivo e postura desengonçada na regência, tudo nele fazia prever um inevitável fiasco.
Pois até aí ele enganou o destino. Alguém já disse que a música é a matemática do universo e eu direi sem receio de errar que José Rodrigues é um dos seus divinos cultores.
A sua paixão pela arte de Euterpe fê-lo o cimento que congregou todos os que se deixaram conduzir pela sua batuta através dos caminhos encantados dos sons musicados. Senhor duma poderosa vontade, o Maestro galvanizou os orfeonistas à volta de composições belas e difíceis, empolgando multidões de encantados espectadores que nunca lhe negaram enérgicas e demoradas ovações e inolvidáveis triunfos.
Certo dia, pediu-me que participasse num dos seus lendários ensaios, declamando alguns versos porque entenderam, ele e certamente os seus colaboradores mais próximos, que a minha voz encaixava em certa composição. Achei estranho o convite, pois o meu professor de música no ensino básico me proibira de cantar no coro da Mocidade, tais eram as fífias que dava e provocava nos meninos cantores desses tempos tenebrosos do fascismo cantando e rindo. Pelos vistos eu era melhor rindo do que cantando…
Mas o seu prestígio já era tão grande que aceitei o desafio e lá fui. A Igreja de S. José era o fantástico palco onde se desenrolaram os trabalhos que não foram nada fáceis contrariamente ao que eu esperava.
Saiu a primeira actuação tão perfeita na impecável acústica do nosso maior templo, tão maviosa e tão bela que pensei ir o ensaio durar pouco. Qual quê!? – Não está bom, mas não está nada bom, mesmo!, vociferava o pequeno maestro que na sua fúria se elevava a alturas não sonhadas.
E repetia e mandava repetir. Para os meus pobres ouvidos eram sempre belamente iguais aquelas passagens tantas vezes cantadas. Até que, finalmente, José Rodrigues ficou com a expressão de quem acaba de ter uma visão celestial, cerrando os olhos, sorrindo gozosamente para si próprio, ao passo que, nos bicos dos pés, erguia os braços virados para o céu com as palmas das mãos abertas e tremendo como se aguentasse nelas o firmamento, balbuciava baixinho quase imperceptivelmente: - Agora sim, agora sim!!!, e abraçava-se a si próprio como se envolvesse o orfeão num amplexo amoroso contagiante, ao passo que este o aplaudia como se tivessem descoberto o caminho marítimo para a Índia ao lado de Vasco da Gama.
Não disse nada, mas comentei para os meus botões: - Mas que raio de diferença teria ele ouvido em todas aquelas repetições que me escapara completamente? Por mero acaso, ao ler um prémio Nobel da literatura percebi que havia uma coisa chamada ouvido absoluto.
É que, alguns músicos com ouvido absoluto muito fino são capazes de reconhecer se uma obra está desafinada com respeito à afinação comum a uma distância de poucos savarts. Um Savart é a unidade de afinação, ou seja, a quantidade de desafinação que pode perceber um ouvido. Equivale a 4 cents. Um cent é a centésima parte de um semitom.
Estima-se que apenas uma em cada 650 pessoas no mundo possuam tal capacidade. E foi então que percebi duas coisas: José Rodrigues ouvia sons que eu nem sabia que existiam (nem tinha hipóteses de vir a saber) e tinha capacidade de pôr os outros a produzir esses sons em harmonia absoluta. Para mim isso valia pouco pois longe da vista longe do coração, para ele isso era tudo.
Passei então a admirá-lo e à sua obra, praguejando aos céus contra o facto de me não ter dado esse dom a mim, pois a música é algo que a minha alma anseia desde que me conheço.
Daí que não fosse surpresa o êxito alcançado pelo Orfeão por esse mundo fora: Portugal, de norte a sul, Brasil, Canadá, América, França. Trata-se duma instituição de altíssima qualidade.
Depois de o ouvir e apreciar, percebi que tinha de lhe pedir para actuar em festa da minha Família pois que as probabilidades duma iniciativa que envolvia tanta gente à volta duma operação amadora, dificilmente duraria tanto tempo, pelo menos com tanta qualidade. Ia enganar-me outra vez.
Na verdade minha mulher deu-me o último filho, a Maria, quando já éramos quarentões e eu temia não ter tempo para lhe fazer o casamento. Pedi então ao Maestro e colega encarecidamente que actuasse no batizado. Com aquela habilidade de advogado ágil, ele convenceu-os a participar e devo dizer-vos que nem os príncipes de Inglaterra tiveram direito a uma Aleluia tão electrizante como nós tivemos numa inesquecível e tão aplaudida actuação na nossa Matriz.
Quem diria que hoje o Orfeão Edmundo Machado de Oliveira, passados 25 anos, ainda estaria activo e bem activo embora sob a batuta de Cristiana Spadaro, a italiana formada em Triestre que se aperfeiçoou em Geneve e em Lisboa, cumprindo os altos padrões melódicos do seu primeiro maestro e demonstrando que os alicerces por este construídos foram fortes e bem feitos.
Com ele, o Orfeão cantou os 500 anos da descoberta do Brasil, inaugurou o Centro Cultural de Belém, ganhou prata com a UNICEF e da própria LAVA FEZ MÚSICA . Só ou acompanhado com prestigiadas instituições similares.
Começou José Rodrigues a advocacia dez anos depois de mim, e, mais esperto que eu (também não era difícil), deixou a advocacia 10 anos antes de mim e, sempre fascinado pela música, fundou o Stella Maris no Canadá, revolucionando ali também o ambiente musical. A sua presença hoje nesta maravilhosa sala de espectáculos, sob obras primas de Canto da Maia e Domingos Rebelo, é motivo de júbilo para todos quantos ele guiou pelos cantos sagrados da matemática universal e dos que tiveram a dita de o ouvir. Bem-haja.
Uma instituição como esta, obviamente que não vive apenas de cantores e maestros. Aqueles que tratam da organização dum tão grande grupo e que cuidam da logística infernal das deslocações e da preparação dos espectáculos para que tudo corra sem incidentes de maior, merecem também a nossa admiração e respeito.
As equipes responsáveis pela realização desses objectivos não devem ser esquecidas. Já falei da que foi presidida por José Gabriel Ávila, mas não posso deixar de falar em Gabriel Moreira da Costa, em José Augusto Borges, em José Oliveira Melo, em Laudalina Rodrigues que com o Maestro partilha a mesma incondicional paixão pela música tudo sacrificando no seu altar sagrado. Falarei também da de José Manuel Aguiar e, neste momento, de Aida Medeiros a cuja equipa devemos estas comemorações e este magnífico espectáculo.
Registe-se que uma instituição como esta não vive sem juventude que garanta a continuidade e a vida duma obra tão complexa. Por isso, não foi descurada a criação do coro infantil juvenil cuja direção musical foi garantida ao longo dos anos por Carlos Sousa, Osvaldo Costa, Carlos Dias, Ana Beatriz Moniz, José Manuel Graça e, nos dias de hoje, por Rita Andrade. Está assim fechado o círculo que garante a perpetuação duma ideia que tem sido realizada com alta qualidade. E, acreditem, só a qualidade, (que não a quantidade como queria Lenine), garante o êxito e a perenidade da obra humana, no incessante esforço de se aproximar do divino.
A nossa terra e o nosso povo não poderão nunca progredir se a alta qualidade não constituir o diapasão das nossas ações em todos os ramos da atividade humana com relevo especial para as do espírito.
Parabéns a todos quantos e longa vida.
Carlos Melo Bento
17.junho 2011