terça-feira, 24 de novembro de 2009

Vida pública

Será que uma figura pública tem direito a vida privada? Ou, pelo contrário, tudo o que ele fizer, à mesa, na cama ou no banho é do domínio público? O mundo mudou e nós com ele. Aquilo que seria impensável há 40 anos hoje é quase obrigação (Bob Hope com mais de 90 anos, ao deixar a Califórnia, explicou que o fazia porque a homossexualidade se tornava legal naquele estado e ele temia que se viesse a tornar obrigatória…). Teremos nós o direito de saber os segredos da vida privada do nosso presidente ou da presidente do maior partido da Oposição? Ou Carlos César e Berta Cabral têm o direito a fechar a porta das suas residências aos olhares do público? Que ela não tem direito à televisão pública quando toma posse do mais importante cargo autárquico desta região dita autónoma, parece uma evidência. Por outro lado, pode argumentar-se que, se essa vida privada tiver influência nas nossas vidas, então temos o direito de saber dos defeitos mais recônditos das duas pessoas mais importantes dos Açores de hoje. Isso tem sido admitido, por exemplo (e é razoável) quando os segredos dum político podem permitir que seja chantageado por escroques. Quando foram divulgadas as escutas de Nixon no WaterGate, a linguagem brejeira deste é que o destronou mais do que o seu envolvimento no complot, que se deu a posteriori. Mas foi o Supremo Tribunal que obrigou a essa divulgação, arredando o invocado privilégio executivo dos presidentes. Por estas bandas quem é que pode levantar esse privilégio? O presidente da junta?
Carlos Melo Bento
2009-11-24
Corrupção
Há coisas que não se percebem. Contra o que era uma tradição quase milenar, a investigação criminal começou a adoptar nomes de código para certos processos. No tempo da Guerra os beligerantes tinham a “operação” Félix e a “operação” Sea Lion etc. nós, sem guerra, inventámos a operação Apito não sei quê e a Face não sei quantas. A justiça deixou de ser a pacata senhora que no recato dos palácios de justiça cumpria. Hoje, entrou-se (em democracia!) em estado de guerra com nomes de código e tudo e a justiça tornou-se uma histérica, sequiosa de exibição, qual vedeta espaventosa que prende sem julgamento, condena sem defesa e escuta tudo e todos, incluindo, calcule-se, o Chefe do Governo! Que imagem estamos nós a dar lá fora? A ânsia de imitar o pior que há, com os comunistas, agora sem esse nome, a querer crucificar o primeiro-ministro italiano e a esquerda a querer fazer o mesmo em França com Chirac. Mas o que gostaria de sublinhar hoje, é que se está com a tal Face a querer combater a corrupção. Pois, não se sabe como, o que devia estar em segredo de justiça, transborda na comunicação social só faltando divulgar-se as páginas onde se encontram as coisas investigadas. Ora, sabendo-se que é impossível tais fugas de informação se darem autorizadamente, porque isso é crime, só resta a conclusão de que elas se dão por virtude de alguém que luta contra a corrupção e se deixa corromper, também. Por dinheiro, por militância política, seja pelo que for. Mas corromper. Oh céus! Quando é que isto pára?
Carlos Melo Bento
2009-11-17

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Espantoso

A pessoa de maior responsabilidade dum país, é o presidente do governo. Sobre ele recai o encargo de o levar a bom porto, gerindo recursos, fugindo a escolhos, superando crises, dirigindo a guerra ou gerindo a paz. Churchill e Salazar foram paradigmas disso. Num país rico, essa figura é alvo de ataques mais ou menos sistemáticos nessa coisa enfadonha da vida humana que é a luta pelo poder. Todos querem ser o macho (ou fêmea) dominante! Nixon sucumbiu, abalando para sempre o prestígio da presidência, com a agravante de ser chefe de governo e de estado. Nós, um pobre país que se julga do primeiro mundo e que ainda não o é na verdadeira acepção da palavra, divertimo-nos não só a falar mal do governo (costume antigo) mas a dar-lhe cabo da paciência, da imagem, e dele. No meio duma crise mundial de proporções gigantescas e nunca vistas, era para o timoneiro estar rodeado de respeito e de ajudas de todos os quadrantes, a ver se passávamos a tempestade sem naufragar (imagem que em país de navegadores deveria ser bem compreendida). Não senhor que um primo tal e coisa e o Vara coisa e tal. Que o curso tal que sim e que a TVI tal que não. Bom, se ele ainda tiver tempo para governar um poucochinho que seja, deve ser um génio como não há igual à face da Terra. Sócrates só? Não: Soares, Sá Carneiro, Cavaco, Guterres, Santana também levaram e não foi pouco, a ponto de morrerem ou se porem a milhas ou de fora. Se fosse uma coisa planeada por inimigos, não conseguiam melhor!
Carlos Melo Bento
2009-11-10

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Democracia e Paz

Jorge Miranda disse que o Estatuto dos Açores (autonomia e/ou independência), não tinha sido referendado porque isso entre nós perdeu credibilidade. Primeiro porque era o mesmo que referendar Monarquia e/ou República (prescrição?). Depois, porque a Constituição de 1933/74 tinha sido referendada com as abstenções a contar como votos a favor, uma desonestidade salazarista, insinuou. E o referendo da Escócia? É diferente porque já tinham sido independentes. Diferente será mas na forma como se interpreta a democracia e se aplica o regime que ela pressupõe. Tudo bem e estamos conversados. Agora o que não aceitamos é que se considere esta autonomia como o reconhecimento duma verdade social aprovada pelos destinatários. Ela é apenas aquilo que o poder central teve de conceder e foi arrancado sem anestesia, em 1975. Mais precisamente em Junho. Só não voltará atrás se não puder ser. Vejam-se as actas das Cortes quando o então Príncipe D. Pedro gritou em Ipiranga. Não mudaram nada, louvado Deus! Confessam dificuldade em determinar juridicamente o que seja Povo Açoriano, por mor do Estatuto. Está bem. Olha, é ver como se definiu Povo Português quando das independências do Ultramar. Mutatis mutandis, aprendemos os dois na mesma faculdade. Em ditadura, quem tem o poder fala em nome do povo quer ele queira ou não. Em democracia só falam em nome do povo aqueles que legitimamente lhe granjearam o voto sem subterfúgios. E para esta democracia ser legítima, carece de honestidade integral; quem a tiver, tem-na.
Carlos Melo Bento
2009-11-03