domingo, 14 de agosto de 2011

E o banco?

A maioria das pessoas não se apercebeu mas a tempestade económica está aí a cair com o cortejo de dificuldades de que sempre se rodeia. Produzir e poupar, dizia-se nos anos trinta. Agora não se sabe se isso é bom. Há sábios dizendo que austeridade não é progresso. O tamanho do estado e o consumo como fonte de produção criaram nova lógica. Isso não significa que deixemos de arrecadar aquilo a que temos direito e que deixemos roubar o que nos pertence. Veja-se o muito que sai destas ilhas no jogo. No tempo do jogo do bicho que se fazia à socapa, mudavam de mãos 250.000 contos por semana, uma coisa parecida com um pouco mais de um milhão de euros. Sem impostos mas com sustos. Sempre defendi um jogo nosso e foi com alegria que vi o raspa abrir caminho. Mesmo assim, a miragem dos euromihões, do totoloto e das lotarias tradicionais continua a drenar para fora, milhões, todas as semanas, sem qualquer contrapartida pois as probabilidades são ínfimas para nós. Claro que o cidadão comum não o entende e, com as propagandas encurtando criminosamente distâncias incontornáveis, ei-lo fazendo bichas à porta dos postos de venda quando há jackpot que continua tão distante como o resto. Tudo bem que cada um faz do seu os disparates que quiser. O pior é quando surge o crime organizado. Agora parece que os postos de venda dos totolotos e milhões foram proibidos de vender os raspas. Se vendes os raspas, não nos vendes a nós. Mais ou menos como as cervejeiras que compram ilegalmente monopólios de vendas de certas marcas, emprestando dinheiro para durante anos só poder vender a marca do credor. Sempre há uns espertos que abrem falência e não pagam mas o resultado é a nossa fábrica que tem a melhor e mais barata cerveja do planeta estar às moscas e não é só porque os terceirenses se recusam (vai lá saber-se porquê) a consumir produtos nossos. E o banco?
8.8.2011

Não pagamos?

Uma das boas manifestações da nossa autonomia foi efectuada pelo governo socialista de Carlos César quando ignorou a decisão do governo de Lisboa relativamente à diminuição de 5% dos salários públicos acima de 1.500 euros que tinha sido imposta pelo Primeiro-ministro também socialista, Eng.º José Sócrates. Este, por sua vez, não gostou mas respeitou o poder autonómico, dando uma lição de democracia que pelo menos entre nós ficará como poderoso estímulo para continuarmos o processo de aumentar a livre governação dos Açores pelos açorianos, até se atingir o patamar que sirva plenamente o interesse colectivo do Povo Açoriano, onde quer que ele viva. É que, perante a globalização inevitável que se aproxima, é imperioso que sejamos atingidos por ela na plenitude absoluta da nossa emancipação, sob pena de sermos absorvidos como massa anónima e anódina. Todavia aquela manifestação autonómica tem de ter consequências lógicas. Carlos César reagiu à nova medida decretada de Lisboa, pelo governo agora social democrática, do Dr. Passos Coelho, de tributar o próximo subsídio de Natal, defendendo que essa tributação pertence aos Açores e não ao orçamento do estado, porquanto não contribuímos para o actual défice público. Salvo o devido respeito, o raciocínio não parece estar correcto. Não contribuímos para a dívida, é verdade (tão antiga que vem do tempo de Aristides da Motta). Mas então esse dinheiro também não pertence ao orçamento regional e sim aos que têm direito ao subsídio. Isto é, devido à boa administração César não pode haver lugar à tributação visto que esta só tem justificação, porque alguém, que não fomos nós, gastou de mais. Logo, nós açorianos não temos nada que pagar esse imposto. Pelo que, ao que parece, nem o Governo açoriano terá legitimidade para o arrecadar. Não pagamos?
Carlos Melo Bento
2.8.2011

A Deus

Joaquim Cabral foi o açoriano mais puro que conheci. Nasceu na Lomba do Botão, da sua querida Povoação. Tentou viver afastado da Terra nos doze anos de exílio americano; voltou. Trouxe na bagagem o muito que ali ganhara e a saudade de pais e irmãos. Comprou, estabeleceu-se com Mulher e Filhos e tentou aqui trabalhar com o sonho de ver a sua terra livre, progressiva e ser feliz. Vinda dum país ligado ao futuro, onde tudo ajuda para se caminhar em frente, a Família não se adaptou e regressou. Os filhos que na América eram pessoas integradas, cidadãos prestantes e acarinhados pelo sistema, aqui perante um ensino impreparado para os receber e acolher com vantagem, foram tratados como marginais e não suportaram a hostilidade. Vivem na América e são felizes e progressivos. A Mulher acompanhou-os depois de resistir em vão à saudade. Joaquim ficou, lutando contra os moinhos de vento da nossa indiferença, a ganância dos dinheiros da Europa, o bem estar falso duma riqueza ilusória e passageira. Abraçou a liderança do PDA, apelou aos açorianos, ergueu alto a bandeira da dignidade. Em vão. Obedeceu aos bancos e foi defraudado por um sistema que só vê lucros e nada arrisca, sacrificando no altar destes os próprios clientes com o resultado que se conhece. Enfrentou-os nos tribunais, na imprensa e na rua. Adoeceu gravemente que a saúde não é de ferro. Ainda aí foi enganado por seguros que a única coisa que sabem fazer bem é receber. Quando chega à hora de pagar, só à força e mesmo assim mal e assanhados. A doença agravou-se. Regressa contrariado à América, onde uma medicina de seguros lhe faz dois transplantes renais. Sempre que a saúde lho permite regressa, mata saudades e volta carregado de dores físicas e morais. Mas agora não volta mais que a morte o venceu. Mas o exemplo da sua luta sobreviverá no coração dos que tiveram a dita de o conhecer.