domingo, 10 de fevereiro de 2008

José Bruno Carreiro

AUTONOMISTA E ESCRITOR
INSVLANA-Separata
Ponta Delgada-1995
Conferência proferida na Junta de Freguesia da Fajã de Baixo


Nascido em Coimbra do Mondego, em 1880, dos amores dum estudante micaelense, veio José Bruno Tavares Carreiro para Ponta Delgada, ainda criança, na companhia de seu Pai – o grande médico operador Dr. Bruno Carreiro – cujos pergaminhos passavam por um estágio em Paris, ao tempo a "capital das luzes", onde a ciência médica possuía os seus maiores expoentes.
Regressou ao continente da República ainda adolescente, para fazer os seus estudos no Instituto dos Padres do Espírito Santo, em Braga, mas terminando o secundário num colégio privado do Porto, de onde regressava a São Miguel apenas no Verão, cumprindo assim a via sacra dos estudantes universitários açorianos até há bem pouco tempo.
Era, portanto, menino e moço quando eclodiu a "revolução pacifica" (1) do movimento autonómico de 1893 – 1895, mas é lícito supor nunca mais se ter varrido do seu espírito a loucura do ideal autonómico que o acompanhou toda a sua vida e serviu de pano de fundo para toda a sua obra.
Não sendo um militante profissional da política, os políticos toda a vida o namoraram e a sua palavra fez lei durante muito tempo nesta terra, tal foi o prestígio que alcançou perante os seus contemporâneos.
Em 1889, matriculou-se na Faculdade de Direito portuguesa que ao tempo unicamente existia na Coimbra onde nascera.
Numa universidade, nessa altura em constante ebulição, para além dos estudos específicos de cada curso, era praxe vital a cultura literária intensa, as preocupações com os grandes problemas da existência e uma actualização completa dos conhecimentos culturais da época em que se vivia.
Antero, que se formara em Direito, 50 anos antes dele, dera o mote e subira aos píncaros do saber e do prestígio. Analisando a obra de José Bruno julgo não mentir se disser que em Coimbra a sua figura tutelar foi Antero, de sangue açoriano como ele, culto e actualizado, líder e irrequieto, cuja inteligência e talento não temiam comparação.
São dele estas palavras sobre a Universidade de Coimbra: "ultra conservadora e ultra católica, era não só uma escola de revolução politica mas uma escola de impiedade moral" (prefácio de "Uma Véspera de Feriado").
Aos 22 anos conhece a obra de Eça tão completamente que o maior dos seus romances, "Os Maias", sabe de cor. Numa viagem de comboio de Santo Tirso para Lisboa, teve a ideia, meteu atestado durante 3 dias, e adaptou para teatro esse trabalho imortal do genial escritor. A Companhia Rey Colaço – Robles Monteiro, de fama internacional, levou à cena esse trabalho de José Bruno com um êxito espectacular. Julgava-se perdido o original no incêndio do teatro D. Amélia, hoje S. Luís, mas um feliz acaso levara-o entretanto para Paris pela mão de João Chagas, de onde regressou incólume, tempo depois. É editado em 1984, pela Antília, com um notável prefácio do Prof. Doutor Almeida Pavão e um curioso estudo do crítico Carlos Reis. Enquanto o original não apareceu, "Os Maias", com base em 3 actos que José Bruno conservava, foram levados à cena no Teatro Micaelense, no tempo em que os micaelenses ainda se interessavam por ele, sob o nome de "Maria Eduarda". José Bruno nessa altura não se lembrava como tinha concluído a sua peça, o que confessava sem nenhum falso constrangimento (2).
Dois anos depois da teatralização de "Os Maias", aos 24 anos de idade, finalista de Direito, compõe outra peça de teatro, desta vez da sua autoria, "Uma Véspera de Feriado", que foi logo publicada e esgotada, com a 2ª. edição, 30 dias depois e a 3.ª em 1929, pela Coimbra Editora, em que o autor corrigiu as "partes rimadas". Diz José Bruno que a fez sem preocupações literárias, rabiscada em mesas de cafés e durante as aulas…
Guardou para si o papel de Faria, estudante de Teologia. É uma saborosa comédia de costumes coimbrões que ainda hoje se lê com agrado e encantamento e pena é que não seja representada para a apreciarmos viva e engraçada, como a apreciaram no Brasil, em África, e até os Reis D. Carlos I, e D. Amélia, na bela festa que os estudantes de Coimbra encenaram no Teatro S. Carlos a favor da Assistência Nacional aos Tuberculosos, recebendo o autor da mão da Majestade Real uma bela cigarreira de prata como inesquecível recordação que seus filhos o netos guardam com indisfarçável satisfação. O êxito dessa peça contrasta com o 2.º lugar que a comissão oficial de festas da "Queima" Ihe atribuiu, favorecendo outra de que nunca mais se ouviu falar.
Regressando a São Miguel após a formatura, logo os jornais locais se fizeram eco dessa conquista, ao tempo rara. Em 1905, estreia-se nos tribunais, como subdelegado do Procurador Régio, em audiência em que "brilhou", tendo aberto banca de advogado em sua casa na Rua que tem o nome de seu Pai e que antes ostentava a do cirurgião quinhentista "Gaspar". Dá-se por esta época a sua episódica entrada na política activa com a criação de "O Distrito", órgão do Partido Regenerador chefiado pelo micaelense Hintze Ribeiro, o I.º Ministro de D. Carlos que em 2 de Março de 1895 nos concedera a Autonomia. Este jornal irá durar 3 anos, nele defendendo José Bruno a Autonomia contra os ataques do Centralismo e pondo os interesses da Terra acima de todos os outros.
É desde então muito activa a sua participação na vida micaelense. Em 1907 com o Visconde do Porto Formoso, Ferreira Cordeiro, Jaime Hintze e Victor Cabral, é eleito pelos sócios da Assistência Nacional aos Tuberculosos, de que a Rainha é Presidente, para a comissão encarregada de estudar a luta contra aquele flagelo então incurável. Em 1908, proferiu no Ateneu de Ponta Delgada uma importante conferência subordinada ao tema: "Erros Judiciários", prelúdio duma importante obra de que falaremos em breve.
Entretanto, não perde ocasião de viajar. Nesse mesmo ano vai à Itália, onde se demora 3 meses. Em Março de 1910, o Partido Regenerador, após a morte de Hintze e o assassinato cruel e impiedoso do Rei, está muito desorganizado. A adesão do Marquês Jácome Correia, escritor, benemérito, portentosamente rico e grande amigo de José Bruno, vai reanimar-lhe as hostes. José Bruno promete colaborar n' "O Distrito", que se pretende ressuscitar, sob a direcção de Manuel da Câmara. Em 28 de Agosto parte José Bruno de barco à vela, para Vila Franca do Campo em campanha eleitoral. É recebido pela Banda Lealdade e empolga os eleitores, correndo a sessão pacificamente, o que não aconteceu a outros políticos em outros lugares da mesma campanha eleitoral.
Depois, ainda tem tempo de proferir no Ateneu de Ponta Delgada uma conferência a propósito do centenário de Herculano.
Em Outubro de 1910, a queda da Monarquia apanha-o em Lisboa, a bordo do Funchal, onde tem de permanecer 3 dias antes de poder singrar para os Açores.
Em Novembro é nomeado, depois de concurso que ganhou, Secretário-geral do Governo Civil, lugar que ocuparia até à sua reforma em 1949.
Em 1911 perderia o seu bom pai; a quem os açorianos tanto ficaram devendo no campo da saúde. A revolução republicana foi muito traumatizante para a sociedade portuguesa em geral e para a açoriana em particular. Iremos ver, no fim do ano de 1910, José Bruno dar um passeio até Paris onde se encontraria com o Marques Jácome Correia e de onde regressariam via automóvel. Neste período da sua vida ele gastava dinheiro para viajar e quando regressava juntava-o para pagar o saldo negativo da viagem finda e para viajar de novo.
Ainda em 1910, José Bruno recebe a curiosa homenagem da oferta de um hino com poesia de Alice Moderno e música do militar Saraiva.
O seu nome despontava com vigor no meio cultural açoriano. Em 1909, advogado, politico, escritor, ainda tem tempo de representar teatro na comédia levada à cena no velho Teatro Micaelense, que se situava no actual Jardim Sena Freitas, " A sociedade onde a gente se aborrece..." não ia ser a sua última representação teatral, pois ainda o veremos interpretar "A Ceia dos Cardeais".
A Grande-Guerra não o vai deixar inactivo. O seu génio de escritor impele-o irresistivelmente. Vai então iniciar o relato histórico dessa guerra, de que deixou manuscrito sobre os dois primeiros anos, não o completando nem o publicando pelo escrúpulo de investigador que temeu a verdade sabida não coincidir com a verdade real, pois que só esta lhe interessava divulgar.
Quando, em 1918, o Governo criou a figura, ímpar na nossa história politico-juridica, do Alto Comissário para os Açores, temeroso que a Base Americana levasse os Açores para a independência, à sombra da bandeira dos "United States of America", José Bruno chefiou o gabinete civil do General Simas Machado, que exerceu poderes ditatoriais legislativos, executivos e até judiciais, resolvendo por golpe de mágica milhentos problemas que o centralismo vesgo e preguiçoso sempre gera e não é difícil adivinhar por detrás das sábias medidas, o dedo hábil e açorianíssimo de José Bruno.
Nesse ano, dá-se uma viravolta total na sua vida. Uma excursão de terceirenses a S Miguel traz consigo a jovem e bela Georgina Pamplona Forjaz de Lacerda. O coup de foudre, como então se dizia, produziu os seus efeitos fatais e, na excursão que o nosso jovem, já com 39 anos, faz à Terceira em retribuição da primeira, acertaram casamento que se realizou em 28 de Dezembro de 1919. Em 1922 o casal gerou dois gémeos, aqui felizmente presentes, que tanto têm honrado a memória de seu ilustre Pai, e isto apesar de lhes ter dado uma educadora alemã, que além de lhes ensinar a língua de Schiller, lhes disciplinou prussianamente a infância...
A guerra cimentou uma grande amizade entre o nosso biografado e o almirante Dunn comandante da Base americana que, terminado o conflito, o levou em destroyer para Londres e daí para Paris, chegando a deslocar-se às trincheiras da Flandres, dando-lhe a honra de participar em reuniões com os estados maiores aliados.
Data dessa época o boato, infelizmente aproveitado, de que José Bruno nos queria vender aos americanos... atoarda que ele suportou com benévola indiferença.
A paixão da escrita vai no entanto exacerbar-se à medida que atinge a maturidade. Funda em 1920 o diário "Correio dos Açores" que dirigirá até 1937 e onde publica muitos dos seus valiosíssimos trabalhos literários.
Em 1922, farto dos disparates e do espectáculo da política lisboeta, lança o desafio: "Se a Madeira quisesse...". E a Madeira quis, e organizou-se, recebendo-o, com Luís Bettencourt e dando início à segunda Campanha autonómica que praticamente liderou, levando à vitória dos autonomistas sobre os todo-poderosos do partido Democrático de Afonso Costa. Infelizmente o "28 de Maio" e os sacrifícios que impôs à Autonomia em nome da salvação nacional, não permitiram que essa vitória desse os seus bons frutos.
Apesar disso, o Estatuto que Marcello Caetano redigiu em 1938 e Salazar decretou no ano seguinte não foi feito sem a sua benéfica influência, pois aquele professor de Direito frequentou a sua casa assiduamente, dele colhendo a boa doutrina que naquela lei se consagrou.
Aliás, não era o único que a frequentava. Na Rua do Gaspar, juntavam-se quase todos os dias, em tertúlia, nomes grandes da intelectualidade local: Monteiro Arruda, João de Simas, Albano da Ponte, Rodrigo Rodrigues, Correia da Silva. Luís Bettencourt, Guilherme de Morais, Gaspar Teixeira e tantos outros, ouviram o
Mestre e talvez conspirassem, a bem da Nação, das 9 da noite à 1 da manhã.
Depois trabalhava, madrugada dentro, ate às 5. No Governo Civil só aparecia às duas da tarde, mas não consta que o seu serviço alguma vez se atrasasse.
O seu prestígio, porém, não deixa de aumentar e, em 1924, é convidado para dirigir o prestigiado jornal da capital portuguesa, "Diário de Noticias" em troca com o então director que fora colocado como nosso Ministro em Paris, lugar que José Bruno polidamente também recusou.
No "Correio", que então se tornou o jornal mais influente dos Açores, exerceu uma função pedagógica em admiráveis páginas literárias, resultado de aturada investigação e estudo.
Apesar do tempo que o jornal lhe tomava, isso nunca o impediu de manter larga correspondência com amigos, designadamente antigos condiscípulos.
Nesse ano, aliás, José Bruno vai promover um facto histórico de importância relevante para a divulgação dos Açores no País, organizando a famosa Visita dos lntelectuais, em que, jornalistas, escritores, pensadores, cientistas, professores catedráticos são recebidos entre nós com cuidado e atenção, daqui levando uma mensagem cuidada, preciosa e útil para todos, eles e nós, do viver açoriano.
Foram incalculáveis as consequências positivas desta iniciativa, única na nossa História. Em 1927 José Bruno vai chefiar o gabinete civil do Delegado Especial do Governo da República para os Açores, Coronel Silva Leal e tanto bastou para que o Delegado Especial conseguisse do I.º Ministro, um madeirense, o decreto alargando a autonomia, mas que teria vida curta, devido à intervenção salvadora de Salazar, alguns meses depois.
Nos princípios dos anos 30 deste século ocorreu nos Açores uma revolução anti-salazarista, conduzida por deportados que tomaram Ponta Delgada e prenderam as mais destacadas figuras da governação.
José Bruno estava com a família nas Furnas, de férias. Foi lá buscá-lo o seu amigo Guilherme de Morais. Preso no Governo Civil e, depois, no Hospital de Ponta Delgada, onde permaneceu de 9 a 19 de Abril de 1931 com guardas civis e militares armados, à porta, até que Salazar dominou os revoltosos e repôs o nosso biografado na posição predominante de "Príncipe dos Açores" como o jornalista deportado Ferro Alves o via então, no trabalho que depois publicou, intitulado ''A Mornaça", um livro cheio de amargura e exageros quase todos negativos contra nós masque não deixa de ter, não obstante, alguma utilidade pois a crítica é, por vezes, saudável. Às tantas, diz ele de José Bruno: "Os importantes da ilha, em correcta formação miliciana, agrupavam-se junto da Alfândega, ouvindo em êxtasi as sentenças do Dr. José Bruno cujo ascendente mental sobre os indígenas o transforma numa espécie de rei... que em, verdade, tem condições intelectuais que lhe dão o direito de hegemonia sobre os micaelenses”.
Sobre a sua prisão escreveu José Bruno no Correio dos Açores o "Diário dum preso político durante a Revolução de Ponta Delgada", (3) onde a determinada altura se pode ler:"Todos me dizem que a minha prisão é muito comentada na cidade, que ninguém a percebe... Por toda a parte se afirma que foi imposta por micaelenses, por velhas questões pessoais. Alguém conta que o Tenente Lopes Soares, interrogado sobre o motivo porque fui preso, não pôde responder, encolhendo os ombros, senão – "Porque é o José Bruno".
Já vimos como Antero o fascinava. No "Correio" escreve frequentemente sobre a vida e a obra do maior açoriano. Em 1934 profere no Liceu de Ponta Delgada que o tem por patrono, uma importante conferência subordinada ao tema: "Antero de Quental Notas sobre a sua vida". Começava a aparecer a ponta do iceberg que iria ser o seu monumental Antero de Quental, em 2 grossos volumes, que ele modestamente mas sem razão, sub-titulou de "Subsídios para a sua biografia", e que é a mais completa biografia que se publicou do poeta-filósofo, não devendo haver outro escritor que possa, no nosso país, gabar-se de ter outro tanto. Consultou 234 autores e mais de 400 livros, afora todas as obras do biografado, em prosa e verso, e volumes de cartas. Era o ano de 1948 e ele fora estimulado pelo grande Joaquim de Carvalho que lera as "notas". Nesse mesmo período (1939-50), o "Correio" publicara pela I.ª vez "O Drama do Capitão Dreyfus" de que Jacques de Bainville diria:"Neste livro empolgante, fruto de exaustivo labor, oferta-nos o Dr. José Bruno Carreiro, em prosa de intensa vibração, o documentário mais completo e mais emocionante que até hoje se escreveu em todo o mundo acerca da "questão Dreyfus".
Com 70 anos de idade ele considerava-se "no pendor da velhice" mas justificava o tema com a "imortalidade da questão Dreyfus que justifica esse trabalho em que mais uma vez se procurou reconstituir o drama sem igual na História do Mundo".
A obra é monumental mas, mesmo assim, o nosso autor ainda tem tempo para publicar a preciosa biografia de Ernesto Hintze Ribeiro (1949), feita como conferência no Salão do Governo Civil, em que lembra ter militado nos Regeneradores e fala da sua "voz rouca e baça", quando tem 69 anos de idade.
Diz-se porém "objectivo" nos seus trabalhos, por costume e termina lembrando um artigo seu, escrito quando tinha 26 anos (1906), sobre a morte do estadista: "ajoelhem comovidamente perante o seu cadáver rodos os micaelenses que nele encontraram sempre o seu maior amigo e o mais carinhoso protector, para com a sua memória contraindo uma dívida de gratidão que nunca poderá ser devidamente saldada".
Em 1955 José Bruno faz uma incursão maravilhosa no mundo da crítica literária onde procura completar a biografia do poeta, apoiado em cartas íntimas de Garrett à Viscondessa da Luz que por um feliz acaso se encontravam na Biblioteca Pública de Ponta Delgada, depois de conseguidas pelo grande José do Canto.
Das centenas de cartas que o romântico dos românticos escreveu à bela espanhola, salvaram-se essas 22 que serviram para José Bruno exibir uma portentosa cultura literária e completar a biografia do escritor, poeta e dramaturgo, com dados inéditos e importantes até então desconhecidos.
A Viscondessa da Luz inspira ao vate os seus mais belos versos –“Folhas Caídas” – e tanto bastou a José Bruno para que ficasse justificada a sua publicação contra a qual D. Georgina Lacerda Forjaz Carreiro chegou a levantar alguma objecção.
Em 1955, publica a vida de Teófilo de Braga que classifica de “resumo cronológico” por ele “organizado”.
Esta pequena obra abre com uma sintética biografia de José Bruno, da autoria do poeta Dr. Jacinto de Albergaria.
O autor chama a este trabalho um simples calendário da vida do Escritor mas mergulha-lhe na vida e na obra com a profundidade e o rigor com que já nos habituara.
Não pôs em dúvida que para se saber a verdade sobre Teófilo era preciso ouvir Francisco Maria Supico, o único que lhe merece confiança no período em que coexistiram.
Por ele descobrimos a dura verdade do Presidente que chega a querer dar facadas nos que lhe dificultaram os passos, o grande triunfo no concurso para professor catedrático, a sua imensa obra literária, o naufrágio da sua alma quando perdeu todos os filhos e a passagem pela chefia do Estado Republicano.
Apesar de viver neste remoto fim de mundo, o prestígio do seu nome abre os cofres onde se encontram cartas íntimas a que tem acesso e colou-se tanto à verdade que pôde dizer com ela que escreveu de Teófilo a autobiografia.
“A Aliança Inglesa” é um trabalho de História de Direito e dos poucos que se conhecem de José Bruno, na área em que era formado.
Ele próprio designa esse trabalho como “o grande triunfo da diplomacia portuguesa na confirmação da aliança pela declaração secreta de 14 de Outubro de 1899”.
Destinou esse trabalho a uma exposição das negociações que conduziram à última confirmação da Aliança (no) Tratado de Windsor de 1899, recordando José Bruno que publicara esse “trabalho” quase todo no Correio dos Açores em 1930, tendo sido organizado sobre documentos publicados no “British Documents on the origin of the war”, até então desconhecidos.
O tratado entre Portugal e Inglaterra é assim publicado pela primeira vez, no Correio dos Açores, em 1 de Agosto de 1930, tinha José Bruno 50 anos e só seria publicado em Portugal novamente, 8 anos mais tarde num trabalho do Professor Armando Marques Guedes intitulado “Notas da História Diplomática”.
Termina com a interessante publicação dos textos dos Tratados mais importantes da Aliança Inglesa cujo estudo fez com rigor e profundidade espantosas, no seu estilo claro e empolgante, demonstrando a maturidade dum espírito cultíssimo que se movimenta como grande senhor por entre assuntos os mais diversos, dominando-os com mestria e transmitindo-os com encanto e transparência.
Foi reeditado em 1960 pela Editorial Arquipélago, decorridos três anos após a sua morte.
Falarei finalmente na celebérrima conferência sobre " A Autonomia Administrativa dos Distritos das Ilhas Adjacentes", obra fundamental para quem quiser perceber o que se passa nestas ilhas.
Foi impressa em 1952, como separata da Revista Insulana, Órgão do Instituto Cultural de Ponta Delgada. Fê-la com 70 anos de idade. Tratava-se duma palestra, integrada na "Primeira Conferência de Administração Pública Distrital" que se realizou em 10 de Maio de 1950, a convite do Governador Civil de Ponta Delgada, capitão Aniceto dos Santos, braço direito militar de Silva Leal quando este ocupou o elevado cargo de Delegado Especial do Governo em 1927, ano em que os Açores acolheram como deportados os mais elevados e activos expoentes da democracia no País. Quer a Aniceto dos Santos quer a José Bruno se ficou a dever a forma acolhedora como foram aqui recebidos e tratados.
José Bruno confessa ter reunido neste trabalho "todos as informações para mostrar que não é uma fantasia a opinião de que também se deve ver a personalidade especial do Açoriano no movimento que há cerca de 60 anos o pôs em pé de batalha e reclamar para as suas ilhas um regime de autonomia administrativa” (página 7).
E não direi mais sobre a vida e a obra do maior vulto da intelectualidade açoriana deste século XX e um dos maiores de todos os outros.
Faleceu em 1957, rodeado pela mulher, filhos, noras e netos, cujo carinho permitiu a este genial homem público prestar à sua Terra um serviço sem preço na dignificação das suas gentes e dos seus mais altos valores.

1) José Bruno descreve o movimento autonómico na mais empolgante das suas obras: "A Autonomia Administrativa dos Distritos das Ilhas Adjacentes", Separata da revista "lnsulana", 1952.
2) José Bruno contou a história do seu manuscrito dos “Maias", no Diário de Lisboa e numa entrevista ao programa "Rádio – Teatro" da Emissora Nacional de Lisboa cujo teor me foi gentilmente facultado por seu filho Bruno Tavares Carreiro.
3) Que começa a publicar-se a 30 de Abril desse mesmo ano de 1931.

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