terça-feira, 12 de maio de 2009

Ecce Homo

Contaram-me há anos a história daquela criança ceguinha que assistia, atrás da multidão, à Procissão do Senhor e que pediu ao Avô, com quem estava, que a pusesse às cavalitas. O pobre senhor, na sua ingenuidade e dor, respondeu-lhe: -“Mas para quê se nada podes ver?” – “Não é para eu ver, Avô, é para o Senhor Santo Cristo me ver a mim”. Muito se diz da fé do nosso Povo e muita crítica se ouve por esta e aquela exteriorização dessa fé. O micaelense, que não é o mais delicado dos povos insulares, tem porém uma fé intensa, transmutando-se, perante Deus, duma forma que não faz perante mais ninguém. Na romaria é vê-lo, homem feito, rezando e cantando e caminhando em volta da sua ilha, recolhendo intenções e pedindo com fervor. Veste-se a rigor e marcha respeitoso na Coroação dos Impérios do Divino Espírito, descalça-se e carrega durante horas quilos de cera para pagar favores que no fundo da sua alma aflita acredita Deus lhe fez. Ele é, nessas alturas, a humanidade no que tem de mais sublime. E somos nós. Pode haver e há desvios a essas condutas, condenáveis porventura por Quem tudo pode que não por nós. Alguém lembrou as palavras de João Paulo II em S. Miguel: - “Só Cristo pode preencher essa forma de infinito que existe nos vossos corações”; e o nosso actual Bispo rematou – “A espiritualidade se não se transforma em cultura, é o quê?”. Que viu o Papa no olhar do nosso Ecce Homo que o aturdiu? O escárnio? O poder? O perdão? O amor divino? A mansidão? A humildade? Ou tudo isso?
Carlos Melo Bento
2009-05-12

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